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Tribuna
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Política ambiental de Bolsonaro pode queimar acordo Mercosul-União Europeia?

Para avaliar o risco de não-ratificação é preciso acompanhar o debate político na Alemanha, país europeu que seria o maior beneficiário do acordo comercial

Oliver Stuenkel
Manifestantes com máscaras de Bolsonaro e Ricardo Salles no último dia 5, no Rio.
Manifestantes com máscaras de Bolsonaro e Ricardo Salles no último dia 5, no Rio. Silvia Izquierdo (AP)
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O recente bate-boca entre o presidente francês Emmanuel Macron e o mandatário brasileiro Jair Bolsonaro sobre os incêndios na Amazônia foi um presente para ambos. Ao afirmar que votaria contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, Macron recebeu apoio tanto dos ambientalistas, que detestam o presidente brasileiro, quanto dos agricultores franceses, que se opõem ao pacto. Bolsonaro, por outro lado, também saiu ganhando, pois o episódio fortaleceu a narrativa nacionalista do presidente brasileiro de que o país está sob ataque externo —e como mostra o exemplo de Trump, não há nada melhor para um líder populista do que ter poderosos inimigos externos, mesmo imaginários, que ameaçam a nação. Além de Macron, o primeiro ministro irlandês, Leo Varadkar, também anunciou que, nas atuais condições, não estaria disposto a apoiar a ratificação do acordo comercial finalizado neste ano, depois de duas décadas de negociações.

O confronto pode ter dominado as manchetes dos jornais, mas ele diz relativamente pouco sobre as probabilidades reais do acordo ser derrubado por causa da política ambiental do governo Bolsonaro. Afinal, tanto a França quanto a Irlanda sempre foram os mais céticos em relação à iniciativa, e apenas aproveitaram-se dos incêndios para reafirmar suas posições. Um debate muito mais complexo e provavelmente decisivo acontece na Alemanha, um dos grandes defensores do acordo, mas que tem hoje o movimento ambientalista mais influente do mundo. O Partido Verde alemão obteve o melhor resultado da sua história nas recentes eleições para o Parlamento Europeu, e pesquisas recentes indicam que em torno de 25% dos alemães hoje votariam nele— ameaçando a liderança do partido conservador de Angela Merkel, que obteria aproximadamente 27%. Há anos, os verdes alcançaram o mainstream político, e muitos observadores estimam que é uma questão de tempo até o país ter seu primeiro chefe de Governo do Partido Verde. Paradoxalmente, o outro partido em ascensão, a AfD, da extrema-direita, também é contra o acordo, apesar de estar alinhado com Bolsonaro em relação a temas como migração, ‘anti-globalismo’ e a negação das mudanças climáticas.

A disputa sobre como reagir à política ambiental de Bolsonaro apenas começou, mas já causou divisões públicas entre ministros do Governo, algo raro na política alemã. Quando o ministro de Cooperação Internacional da Alemanha, Gerd Müller, visitou o Brasil em julho e se reuniu com Ricardo Salles para debater a demanda brasileira de alterar a estrutura de governança do Fundo Amazônia, o alemão demonstrou preocupação, mas também otimismo quanto à superação das divergências entre os dois países. Reagindo à pressão de movimentos ambientalistas, porém, a ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze, anunciou paralelamente que congelaria o financiamento de projetos ambientais no Brasil. Apesar de eles não terem relação com o Fundo Amazônia, criou-se a percepção de que o Governo alemão não tem uma posição unificada sobre o tema. Não ajudou em nada o fato de a ministra alemã da Agricultura, Julia Klöckner, parecer apoiar uma postura mais dura, ao afirmar que, nas atuais condições, se oporia à ratificação do acordo. Müller publicamente respondeu, afirmando que ameaças públicas contra Bolsonaro não levariam ao resultado desejado. Afinal, o objetivo não era punir o Brasil, mas proteger a Amazônia.

Tanto associações de indústria alemã, de olho no grande mercado do Mercosul, quanto o Ministério das Relações Exteriores alemão têm trabalhado assiduamente para evitar o descarrilamento do acordo. Além dos ganhos econômicos, as implicações geopolíticas do pacto são vistas como ainda mais importantes, e a diplomacia alemã enxerga na América Latina um parceiro importante na defesa do multilateralismo. Entre diplomatas alemães, a conclusão do acordo foi comemorada como um sinal de repúdio à política protecionista de Donald Trump. Em maio, o ministro alemão das Relações Exteriores, Heiko Maas, convidou mais de vinte chanceleres latino-americanos a Berlim para acelerar a aproximação entre as duas regiões. Na ocasião, explicou que tanto Europa quanto a América Latina enfrentam o mesmo desafio: como operar em um mundo cada vez mais imprevisível, marcado por tensões crescentes entre Washington e Pequim.

Em conversas em off, porém, diplomatas, deputados e representantes da indústria alemã a favor do acordo expressam frustração com as declarações do presidente brasileiro. “Ele precisa entender que essa retórica radical é um presente para aqueles que buscam inviabilizar a ratificação", lamenta um diplomata alemão. “Bolsonaro realmente não nos ajuda. Não o entendo”, afirma, lembrando que não seria a primeira vez que a sociedade alemã se mobiliza contra um acordo comercial. Preocupados com segurança alimentar, mais de 250.000 alemães tomaram as ruas em 2015 para protestar contra um acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos, apesar dos ganhos econômicos enormes que teria produzido para a Alemanha. Petições públicas já estão circulando na internet, pedindo a não-ratificação do acordo com o Mercosul e até mesmo sanções econômicas contra o Brasil. “Uma vez que começa, é difícil conter”, diz um diplomata em tom de resignação e cita os casos da H&M e da VFcorp, proprietária da Timberland, Vans e The North Face, que anunciaram a suspensão de compras do couro brasileiro.

Conscientes do risco, líderes do agronegócio brasileiro começaram a pressionar o Governo Bolsonaro para que modere seu discurso e adote postura ambiental mais pragmática. As dificuldades de coordenação entre os apoiadores alemães e brasileiros do acordo se devem, em parte, ao desconhecimento dos alemães sobre a profunda preocupação de Bolsonaro e dos militares com a soberania brasileira sobre a Amazônia. Eleitores e políticos na Alemanha estranham a retórica nacionalista do ex-capitão em resposta às críticas internacionais. A acusação de que a preocupação com a Amazônia seria uma tentativa de questionar o controle brasileiro sobre a floresta gera perplexidade. “Nossa, não fazia ideia”, declarou incrédulo o chefe de gabinete de um deputado alemão. A campanha do Governo Bolsonaro para resgatar a imagem do Brasil no exterior, carbonizada por causa dos incêndios na Amazônia, enfatizou o tema da soberania brasileira sobre a maior floresta tropical do mundo e, portanto, não fez nenhum sentido para os alemães.

Ao avaliarem como pouco provável uma mudança fundamental na política ambiental do Governo brasileiro, os defensores da ratificação do acordo Mercosul-União Europeia torcem por um processo célere de aprovação. Se ele ultrapassar a data prevista (entre 2020 e 2021), ampliam-se as chances de maior resistência contra o pacto entre as duas regiões. “Até lá, quanto menos Bolsonaro aparecer na mídia europeia, melhor”, avalia um jornalista alemão. Parafraseando o ditado popular, o silêncio é a alma do negócio.

Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Twitter: @oliverstuenkel

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