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‘Loucos do signo’: como a ansiedade pelo futuro fez com que ‘millenials’ fossem seduzidos pelo horóscopo

Astros vivem uma época dourada, com grandes investimentos de dinheiro em apps com milhões de seguidores cada vez mais jovens.

Objeções à Astrologia é um manifesto escrito em 1975 e assinado por 200 cientistas de todo o mundo, 19 deles ganhadores de um Prêmio Nobel. Seu próprio título já indica qual é seu objetivo, mas apesar do peso das assinaturas que o respaldam não teve muita repercussão fora do círculo científico. Para seu desapontamento, a imprensa continuou incluindo as previsões do horóscopo em seus espaços e as redes sociais contribuíram ainda mais para seu enraizamento na cultura pop.

Um bom exemplo de sua boa saúde é o do aplicativo Co-Star, que recebeu há alguns meses um investimento de cinco milhões de dólares (20 milhões de reais) de várias empresas de capital de risco norte-americanas. Com ele, os usuários podem consultar seus mapas astrais, seguir em tempo real o movimento dos planetas e compartilhar conteúdo sobre astrologia com seus amigos. Tem três milhões de downloads e seu perfil do Instagram, mais de 400.000 seguidores.

O investidor David Birnbaum estima que o setor de “serviços místicos” tem potencial comercial de 2,1 bilhões de dólares (8,5 bilhões de reais). Se na época da Internet 1.0, ele não ousou dar o passo, agora colocou dinheiro no Sanctuary, outro app dedicado ao horóscopo, por meio de sua incubadora Five Four Ventures. É o mercado, amigo, e a astrologia vive um grande momento em termos financeiros.

Astrologia moderna

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Hard outer shell, soft sweet center. [💨SIGNS]

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Ainda que exista um pico de interesse, para Andrea Gumes, a escritora do horóscopo na Vice Espanha, não é uma questão de que existam mais pessoas acreditando, e sim que agora chega de maneira mais simples: “Antes líamos coisas como ‘seu quarto planeta regente no quarto superior irá te trazer bondade de forma escalonada entre a lua nova e a lua cheia’. Líamos isso e dizíamos, mas vai correr tudo bem no trabalho ou não? Agora a mensagem é mais próxima”.

Também aponta outra questão, a estética. A astrologia é vista de outra forma, especialmente por parte do público jovem. Não se tem mais a ideia de um astrólogo como alguém que aparece na TV usando um penteado peculiar enquanto pede seu telefonema, como Walter Mercado na década de 90. "Agora é ir com as amigas ao tarô, usar joias que dizem ‘sou de Touro’ e memes inundando a Internet. É puro capitalismo absorvendo uma crença que tinha muito potencial”, diz Gumes.

Se alguém soube se adaptar aos tempos atuais e entender o que querem os jovens, essa pessoa é Esperanza Gracia, uma das astrólogas mais conhecidas da Espanha. Há mais de trinta anos fazendo previsões em meios de comunicação em geral, ela agora também se transformou em referência no Twitter. Passou de 170.000 seguidores em 2014 a 250.200 hoje em dia e algumas de suas respostas aos seus followers viralizam. Como ela mesma diz: “Atualmente quem mais me fascina, porque têm outra pegada, são os millenials. Precisei até mesmo aprender sua linguagem para poder chegar a eles. Estou muito feliz, sou uma privilegiada”.

O horóscopo também faz sucesso no Instagram. A autora e ilustradora porto-riquenha Mariela Pabón é a responsável pela conta Check-In Mela, que atualmente tem 712.000 seguidores. Começou publicando seus trabalhos, mas depois do furacão María, que assolou seu país em 2017, criou a figura da astróloga Madame Mela e seu sucesso explodiu. Esclarece que não é ela a astróloga, e sim sua personagem.

“Ela tenta se conectar e mostrar para quem a lê que no final tudo ficará bem e que tudo passa. Mais do que uma astróloga, quero que ela seja sua amiga”. Não sabe muito bem por que se tornou tão popular, mas suas previsões conseguem milhares de ‘gostei’ e centenas de comentários. “A verdade é que não sei dizer exatamente o que aconteceu, mas posso dizer que tudo o que publico é baseado em pessoas das quais gosto muito e que são muito próximas, de modo que vêm de um lugar bem íntimo e pessoal”. No ano que vem seu livro sobre astrologia será colocado à venda.

Os usuários compartilham as publicações correspondentes a seu signo em seus próprios perfis, da mesma forma que fazem com memes relativos a seu horóscopo e sobre Mercúrio Retrógrado (o vilão mais malvado de todo o sistema planetário). O que antes se fazia quase em segredo agora se transformou em uma espécie de cartão de apresentação e até de justificativa. “Típico de gêmeos”, “Tinha que ser de Touro” e “Reprovei, foi culpa de Mercúrio Retrógrado” são frases que agora são ditas sem pudor, mas que há anos teriam ficado em seu pensamento íntimo.

Está falando de mim

Um dos millenials interessados na influência dos astros no dia a dia é Eva Sánchez, designer de 29 anos. Não considera o horóscopo como uma ferramenta para ver o futuro, mas algo que a ajuda a esclarecer seus pensamentos sobre certas coisas. “O que são chamados de conselhos de horóscopo. Quando você escuta seu amigo lhe dá bons conselhos, mas são tão genéricos que se aplicam a quase todos os problemas do mundo, o que não quer dizer que sejam menos verdadeiros. Dessa forma a pessoa que os recebe os adapta a si mesma". Ainda que também assuma que “se tenho um crush vou tentar adivinhar seu signo e depois também ler seu horóscopo, claro”.

De acordo com Fernando Aguileta de la Garza, especialista em comunicação e branding de 37 anos, essa capacidade de assimilação de generalidade ocorre porque “a astrologia não deixa de ser uma disciplina que combina muitos elementos materiais e abstratos, símbolos, lendas, mitos e, principalmente, significados compartilhados. Utiliza arquétipos universais e relatos interpretativos, sistemas simbólicos e qualquer pessoa pode se sentir identificada. Nada melhor do que os arquétipos para conectar.

O componente de entretenimento que torna o horóscopo atrativo é mais do que evidente, mas sua continuidade se sustenta na crença. De fato, mais de 40 anos depois do grito da ciência contra a astrologia, há psicólogos aprendendo sobre movimentos planetários, tarô e xamanismo para se comunicar melhor com seus pacientes.

Para Mariela Pabón, a resposta está na necessidade de se aferrar a algo que tranquilize. “Acho que tudo isso acontece porque para muitos o futuro causa uma terrível ansiedade. Estamos vivendo mundialmente um panorama crítico e complicado. Naturalmente vamos a esses espaços onde há um mínimo de esperança e otimismo. São espaços necessários”.

Antes, as pessoas com predisposição a "acreditar" se abraçavam à religião, mas o poder de atração dos deuses (não importa quais) diminui notavelmente. De acordo com um estudo de 2017 feito pelo Centro de Pesquisas Pew, atualmente nos Estados Unidos 35% dos millenials adultos (norte-americanos nascidos entre 1981 e 1996) não têm religião. Grande parte deles dirigiu sua fé aos astros e ao esoterismo.

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