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A desafinada orquestra de Bolsonaro que tenta atrair investimentos

Em encontro com investidores, ministros do Governo Bolsonaro apontam da redução de criminalidade à “falsa crise” da Amazônia como argumentos para atrair capitais, mas não recuam de discurso que já paralisam negócios

O ministro Ernesto Araújo, em Brasília no dia 5.
O ministro Ernesto Araújo, em Brasília no dia 5.EVARISTO SA (AFP)
Brasília -

Enquanto economistas se perguntam como o país pode atrair investimento internacional em um curto prazo, ministros do governo Jair Bolsonaro (PSL) convidados para falar a investidores demonstram não estar em total sintonia sobre o tema. Pelo contrário. Pareciam destoar nas leituras de cenário, numa espécie de orquestra desafinada.  Na última quinta-feira, 130 potenciais investidores estrangeiros e nacionais acompanharam, em Brasília, os discursos de quatro ministros, o presidente do Banco Central e dois governadores – Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, e Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul.

No evento “Agenda do Brasil para Crescimento Econômico e Desenvolvimento”, promovido pelo Council of The Americas, dois ministros apresentaram o que tem sido feito em suas áreas: Sergio Moro (Justiça) e Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia). A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, por sua vez, procurou reforçar a importância do comércio com os norte-americanos e pincelou críticas a ambientalistas. Já o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, demonstrou porque faz parte da ala ideológica da gestão Bolsonaro. Defendeu que o aumento dos incêndios florestais na Amazônia são uma crise falsa, criticou a alta comissária das Nações Unidas, Michele Bachelet (que, segundo ele tem um discurso totalmente absurdo quando disse que há uma redução do espaço democrático no Brasil) e insistiu que o debate ambiental está baseado em ideologia, não em fatos.

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“De repente, as pessoas dizem que a Amazônia está sendo consumida pelo fogo, que a Amazônia está queimando e de que é culpa do governo brasileiro. Uma crise falsa, uma interpretação falsa da situação e uma falsa atribuição de motivos”, disse Araújo, em inglês. O chanceler não notou que a imensa maioria dos espectadores falava português, conforme uma enquete feita por Marcos Pontes mais tarde. E os que não sabiam o idioma local usavam um aparelho no qual era possível ouvir a tradução simultânea.

“Há um livro, do doutor Evaristo Miranda, chefe da Embrapa Territorial, que é um tremendo estudo sobre o meio ambiente brasileiro, sobre como nossa cultura ocupa 9% do território brasileiro, como ele é sustentável, como é nossa abordagem da Amazônia, como protegemos a floresta. Dizemos que esse livro deveria ser jogado de helicópteros na Europa. Mesmo se fizéssemos isso, as pessoas não acreditariam”, ressaltou Araújo. A referência, aparentemente, era ao livro “Tons de Verde”, que defende que os produtores rurais são os maiores agentes de preservação no país. A publicação, no entanto, é contestada por cientistas e ambientalistas, embora seja celebrada pela frente ruralista do Congresso.

Há fatos, no entanto, incontestáveis, como o aumento dos incêndios no mês de agosto, confirmados até pela Nasa. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil detectou mais de 76.620 focos desde o começo do ano, quase o dobro que no mesmo período de 2018 (41.400), ainda que seja uma cifra não tão distante dos 70.625 registrados em 2016. O problema é o discurso agressivo do Governo presidente Jair Bolsonaro, que a todo instante assegura que pretende abrir terras indígenas para exploração de minério, chegou a acusar ONGs de promoverem incêndios e rebate todas as críticas como se o seu Governo nada tivesse a ver com o assunto. O episódio do Dia do Fogo, quando no início de agosto produtores rurais de Altamira e Novo Progresso, no Pará, se disseram incentivados pelas palavras do presidente para aumentar queimadas, também coloca o Governo num papel delicado. Houve efeitos práticos nos negócios, como a gigante da moda H&M que suspendeu a compra de couro brasileiro em função dos incêndios.

“Esse chanceler está nos fazendo passar vergonha”, dizia um dos participantes do evento. Enquanto o outro lhe respondeu: “Depois que ele falou da dor de nascer, desisti de acompanhar a fala, me concentrei nos e-mails que tenho para responder”, disse outro. Ambos, executivos de multinacionais falaram à reportagem sob a condição de não terem seus nomes publicados. Em dado momento, Araújo associou o quadro que o país vive, de “mudança”, com um nascimento, que traz dores do parto.

As dúvidas, nesse sentido, é compreender qual país o Governo Bolsonaro pretende colocar de pé, uma vez que a economia em marcha lenta requer muito mais diplomacia do que o presidente e seus ministros vêm empregando. O presidente ligou uma metralhadora verbal nas últimas semanas, atacando da Alemanha, à França, e remexendo em memórias dolorosas da ditadura chilena quando atacou a ex-presidente Michele Bachelet. “Senhora Michele Bachelet, se não fosse o pessoal do [Algusto] Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles seu pai, hoje o Chile seria uma Cuba”, disse Bolsonaro. O pai de Bachelet, Alberto, um brigadeiro que se opôs ao golpe de Pinochet em 1973, foi torturado e morto. Reportagem do Valor Econômico reforça que o discurso bélico do presidente afasta investidores em um momento de baixo crescimento.

O inominável

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, procurou defender em seu discurso que a redução de 22% dos homicídios no país neste ano ajuda a atrair investimentos. Moro comparou a taxa de assassinatos no Brasil (27 mortes por 100 mil habitantes) e em Portugal (de 0,97), e acabou fazendo uma referência velada ao cantor e compositor Chico Buarque, dizendo que esperava que o “Brasil se torne um imenso Portugal” (da música Fado Tropical). Também afirmou que a facção criminosa PCC parecia o vilão de Harry Potter, Lord Voldemort, que não podia ser nominado por determinados governos ou órgãos da imprensa. “As coisas têm de ser chamadas pelos seus nomes”, afirmou arrancando discretos risos da plateia.

O mais técnico dos representantes do Governo na apresentação aos investidores foi o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em tom realista, afirmou que espera que a economia brasileira só ganhe fôlego a partir do quarto trimestre deste ano e que estima receber a auspiciosa marca de 500 bilhões de reais em investimentos nos próximos anos. “O crescimento está aquém do que nós gostaríamos. Temos na margem uma recuperação pequena. Acho que é importante olhar mais a médio e longo prazo”. A projeção de crescimento do PIB deste ano é de menos de 1%.

Nenhum representante do Ministério da Economia, do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) ou do Ministério da Infraestrutura, os principais responsáveis por tocam as privatizações de empresas estatais, participaram do evento. A orquestra ainda desafina.

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