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Confrontado com alta na cifra de mortes por policiais, Bolsonaro ofende Bachelet e defende regime Pinochet

Presidente responde com feroz ataque pessoal às críticas da alta comissária da ONU e diz que, se não fosse a "ditadura derrotar a esquerda, entre eles seu pai, Chile seria uma Cuba"

Naiara Galarraga Gortázar
A alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, nesta quarta.
A alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, nesta quarta.SALVATORE DI NOLFI (AP)
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Após atacar em agosto o presidente francês, Emmanuel Macron, em uma espécie de briga de galos, o presidente Jair Bolsonaro investiu nesta quarta-feira contra a chilena Michelle Bachelet, alta comissária de Direitos Humanos da ONU. O ultradireitista lançou um ataque feroz contra a ex-presidenta de centro-esquerda, a quem acusa de ingerência, depois que, na véspera, ela criticou o Brasil pela "redução do espaço cívico e democrático" para que os ativistas de direitos humanos trabalhem. Bolsonaro ofendeu a memória do pai de Bachelet, um general assassinado pela ditadura, e defendeu o golpe de 1973.

O mandatário brasileiro demonstra uma vez mais que sua tolerância às críticas é escassa, se não inexistente, e que sua nostalgia pelos regimes ditatoriais continua tão viva como quando era um irrelevante deputado. Bachelet, "seguindo a linha do Macron em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos), atacando nossos valorosos policiais civis e militares", escreveu ele num tuíte, que completou com uma foto da chilena ladeada pelas esquerdistas e então presidentas do Brasil, Dilma Rousseff, e Argentina, Cristina Kirchner.

O nacional-populista ficou incomodado principalmente com as referências que a alta comissária de Direitos Humanos fez ao Brasil numa entrevista coletiva realizada na terça-feira em Genebra (Suíça), na qual também mencionou as crises de direitos humanos que atingem a Venezuela, Colômbia e México. Na vertente brasileira, a chilena se mostrou especialmente preocupada com as ameaças aos defensores dos direitos humanos e do meio ambiente e com o aumento de mortos por tiros da polícia. "Entre janeiro e junho de 2019, só no Rio do Janeiro e São Paulo, fomos informados que 1.291 pessoas foram assassinadas pela polícia, um aumento de 12% para 17% comparado com o mesmo período do ano passado", declarou antes de salientar que a maioria dos abatidos são negros que vivem nas favelas.

Dá a impressão de que, para Bolsonaro, fala mais alto seu ódio à esquerda que seu amor aos quartéis, em vista de como atacou Alberto Bachelet. O pai da ex-presidenta era um brigadeiro quando foi detido durante a ditadura e torturado até a morte. "Senhora Michele Bachelet, se não fosse o pessoal do [Algusto] Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles seu pai, hoje o Chile seria uma Cuba. Parece que quando tem gente que não tem o que fazer, como a senhora Michelet Bachelet, vai lá para a cadeira de direitos Humanos da ONU", afirmou o presidente à imprensa.

Mas a dirigente da ONU, também torturada durante a ditadura de Pinochet, não está preocupada só com as mortes, mas também com a retórica resumida na frase "bandido bom é bandido morto", muito popular no Brasil e usada por Bolsonaro, que ganhou as eleições prometendo pulso firme contra os criminosos. Em alusão a isso, Bachelet criticou os "discursos que legitimam as execuções extrajudiciais e a ausência de prestação de contas", que a seu ver dão a impressão de que "os agentes policiais estão acima da lei e podem matar sem se preocupar".Bolsonaro respondeu à crítica afirmando que "ela está defendendo direitos humanos de vagabundos."

Entre as leis promovidas pelo Governo do radical, destaca-se a que prevê absolver policiais que matem suspeitos "por medo ou surpresa". Os agentes das forças de segurança são um dos coletivos mais entusiasmados com Bolsonaro na Presidência, porque ele dedicou sua carreira política a defender os interesses corporativos de militares e policiais.

A outra face da moeda, da qual se gabam Bolsonaro e seu ministro da Justiça, Sergio Moro, é a queda da criminalidade registrada nos últimos meses. Os brasileiros estão tão fartos da violência, com 58.000 assassinatos em 2018, que alguns aplaudem a receita do gatilho fácil frente aos delinquentes. E isso no Brasil faz as cifras dispararem, porque sua polícia está há anos entre as mais letais do mundo. A situação é especialmente grave no Estado do Rio de Janeiro, onde 40% dos homicídios desde janeiro foram cometidos por policiais.

Pouco importou ao presidente que justamente nesta semana o Chile esteja presente na agenda do Governo. Ele mesmo deve participar por videoconferência nesta sexta-feira de uma reunião com seus pares dos países da bacia amazônica, com a inclusão do presidente chileno Sebastián Piñera, que foi recentemente elogiado por suas gestões ante Macron e o G7 durante a polêmica pelas queimadas na região. À tarde, o conservador Piñera, oponente político de Bachelet, respondeu ao brasileiro: "Não compartilho em absoluto a alusão feita pelo presidente Bolsonaro a respeito de uma ex-presidenta do Chile, especialmente em um tema tão doloroso como a morte de seu pai".

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