_
_
_
_
_

A Disney tem um plano para a dominação mundial do ‘streaming’

Proprietária de Marvel, Star Wars, Pixar e Fox, a empresa é uma máquina de gerar sucessos de bilheteria. Agora é hora de conquistar o negócio de ‘streaming’ com uma plataforma que ameaça Netflix e HBO

O centro de convenções de Anaheim durante a convenção D23. Em vídeo, uma prévia do Disney+.
Pablo Ximénez de Sandoval
Mais informações
‘O Rei Leão’ e o ciclo sem fim dos clássicos de animação da Disney
As mentiras que a Disney conta para não traumatizar as crianças

Quando a empresa Disney apresenta suas novidades, faz isso em um pavilhão do centro de convenções de Anaheim (Califórnia), ao lado da Disneyland, diante de 7.000 pessoas que pagam para estar lá, e com os maiores astros de bilheteria enfeitando o palco. Foi assim no fim de semana, durante a convenção D23, a grande convocação que a Disney organiza a cada dois anos como evento para fãs. Será que a Disney é grande demais?, perguntava a imprensa especializada. A empresa respondeu de forma contundente.

O último ano foi extraordinário para a Disney. Os seis filmes de maior bilheteria de 2019 saíram dos estúdios de Burbank: Vingadores: Ultimato, O Rei Leão, Capitã Marvel, Toy Story 4, Homem-Aranha: Longe de Casa (dividido com a Sony) e Aladdin. Três deles superaram 1 trilhão de dólares (4,14 trilhões de reais) de arrecadação em todo o mundo. Vingadores: Ultimato é o filme de maior bilheteira de todos os tempos. Dos cinco filmes de maior sucesso da história, três são da Disney (Ultimato, Star Wars: O Despertar da Força e Vingadores: Guerra Infinita). Outro é da Fox (Avatar), empresa que a Disney acaba de comprar.

O império de hoje é o produto de 15 anos de aquisições das marcas mais reconhecidas pelo público e de uma grande visão para explorá-las. Em 2006, a Disney comprou por 7,4 bilhões de dólares (30,7 bilhões de reais) a Pixar, o estúdio que havia reinventado a animação e ameaçava seu reinado nesse mercado. Em 2009, adquiriu a Marvel por 4 bilhões de dólares (16,6 bilhões de reais). Em 2012, comprou a Lucasfilm, produtora da saga Star Wars, por outros 4 bilhões de dólares. Finalmente, em 2017, anunciou a compra da Fox, com sua divisão de televisão (Os Simpsons) e todo seu arquivo de filmes. A operação foi concluída este ano por 71,3 bilhões de dólares (296 bilhões de reais).

A Disney pode, a esta altura, impulsionar ou frear, conforme sua conveniência, marcas de enorme atração entre o público global. A produtora decide se deve haver outro Star Wars. Decide que caminho a Marvel seguirá, quais serão os novos personagens que passarão dos quadrinhos para as telas. Domina a animação (com a aquisição da Fox ela soma também o estúdio BlueSky, de A Era do Gelo). Em todos os casos, o que ela acrescenta é sua capacidade de encontrar novas formas de explorar essas marcas. Quando comprou a Marvel, o CEO da Disney, Robert Iger, disse: “Isto é perfeito do ponto de vista estratégico. Este tesouro de mais de 5.000 personagens permite que a Disney faça o que melhor sabe fazer”. Desde aquele acordo, os filmes da Marvel lhe renderam uma receita de 18 bilhões de dólares (74,6 bilhões de reais) nas bilheterias. Isso sem contar o que ela ganha com a exploração desses personagens, incluindo uma nova atração em seus parques da Califórnia.

Christina Aguilera ao imprimir suas digitais na D23 em Anaheim na sexta-feira.
Christina Aguilera ao imprimir suas digitais na D23 em Anaheim na sexta-feira.CHRIS PIZZELLO (AFP)

Nos seis anos desde a compra de Star Wars, os filmes já recuperaram o dinheiro, com 4,8 bilhões de dólares (19,9 bilhões de reais) nas bilheterias. E em dezembro estreará o novo longa da saga. Com as séries de televisão, a empresa começa neste ano. O potencial para fazer spin-offs é infinito. No ano passado, a Disney teve uma receita bruta de 59 bilhões de dólares (244,6 bilhões de reais).

Esse domínio da cultura popular se traduz em uma capacidade assombrosa da Disney para mobilizar o estrelato. Entre homenagens e apresentações de projetos, em duas manhãs passaram pelo palco da D23 dezenas de grandes nomes, entre eles: Robert Downey Jr., Tom Holland, Chris Pratt, Dwayne Johnson, Emily Blunt, Kristen Bell, Diego Luna, Julia Louis-Dreyfus, Salma Hayek, Michelle Pfeiffer, Christina Aguilera, Tina Fey, Jon Favreau, Jeff Goldblum, Anna Kendrick, Jamie Foxx, Ewan McGregor e quase todo o elenco de Star Wars. Nesta D23, a maioria subiu ao palco apenas para saudar o público e ir embora.

Filmes-evento

Em algum momento de sua história de sucesso, a Disney entendeu que as pessoas já não vão ao cinema. E que os serviços de streaming intensificam essa tendência. Entendeu isso antes dos outros, ou melhor. As pessoas vão ver os filmes-evento, os grandes acontecimentos dos quais todo mundo fala. Ela decidiu então se especializar em fazer apenas isso. “Nas estreias em cinemas, nós nos voltamos para os filmes grandes dos quais os outros estúdios não querem saber”, reconheceu no sábado Alan Horn, diretor criativo e copresidente da empresa. No ano passado, faturou 8 bilhões de dólares (33,2 bilhões de reais) nas bilheterias.

Portanto, a empresa não dá trégua aos outros estúdios, incapazes de conseguir uma manchete que diga: “O filme de maior bilheteria...”. Mas agora a Disney também está disposta a impor seu poder na guerra das plataformas de vídeo online. Ela lançará em 12 de novembro nos Estados Unidos o Disney+, seu próprio serviço de streaming. Nele estarão todos os catálogos da Disney, Pixar, Lucasfilm, Marvel e National Geographic, de forma permanente e exclusiva por sete dólares (29 reais) ao mês (sua chegada ao Brasil está prevista para 2020). “Tudo será conteúdo familiar”, prometeu Kevin Mayer, diretor de serviços diretos ao consumidor. Ou seja, a empresa promete um serviço adequado para crianças.

“O plano é parar de alimentar a Netflix com nossos filmes para montar nosso próprio serviço”, explicou Horn à imprensa internacional no sábado. “Todos os títulos grandes irão para o Disney+, e isso também nos permitirá fazer e apreciar filmes menores”, acrescentou.

Durante a convenção D23, que o EL PAÍS acompanhou como convidado da Disney, ficou claro que a empresa pensa em utilizar o poder da Marvel e de Star Wars para mostrar sua força diante da Netflix e do HBO já no lançamento do Disney+. A Lucasfilm fez a série The Mandalorian, sobre as aventuras de um caçador de recompensas no mundo de Star Wars, dirigida por Jon Favreau. Diante de milhares de fãs entusiasmados, Ewan McGregor anunciou que voltará a interpretar Obi Wan Kenobi em outra serie para o Disney+. A Marvel anunciou, por sua vez, produções para a TV com atores da saga Vingadores. Para crianças, haverá uma nova série Os Muppets e outra com Forky, personagem de Toy Story 4.

No capítulo cinematográfico, as apresentações foram sobre a meia dúzia de filmes que a maioria das pessoas vai ver nos próximos dois anos. A Pixar prepara duas estreias para 2020: Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica, sobre uma família de elfos em uma terra de fantasia; e Soul, um filme de introspecção na linha de Divertida Mente. O estúdio de animação da Disney pretende arrebentar no próximo Natal com Frozen 2. E para o ano que vem também quer estrear Raya e o Último Dragão, com uma nova princesa, desta vez do Sudeste Asiático.

A Lucasfilm toma de assalto as bilheterias no fim deste ano com Star Wars: A Ascensão Skywalker, filme que conclui a saga iniciada há 40 anos. E depois de produzir o campeão de bilheteria de todos os tempos, a Marvel lançará no ano que vem Viúva Negra e uma nova saga de heróis, chamada Os Eternos (com Angelina Jolie e Richard Madden). Para 2022, prepara Black Panther 2.

Os estúdios Disney também lançarão uma comédia de aventuras chamada Jungle Cruise (com Dwayne Johnson e Emily Blunt), que aspira a ser o novo Piratas do Caribe; um novo filme de Malévola, Dona do Mal; uma versão de Mulan com atores em carne e osso; e Cruella, um filme baseado na personagem de 101 Dálmatas.

Em meio a este clima de euforia, a Sony anunciou nesta semana o rompimento do acordo que tinha com a Disney para explorar em conjunto o personagem Homem-Aranha. Esse personagem é da Sony e já não aparecerá ao lado dos demais Vingadores. Para parte da indústria, a Sony ficou como um valente que desafia o gigante. O preço é uma enorme decepção para os fãs da saga do aracnídeo.

Os biógrafos de Walt Disney contam que na metade da produção de Branca de Neve e os Sete Anões (1937) ele ficou sem dinheiro e teve de buscar financiamento. Um executivo do Bank of America foi ao estúdio para ver o filme incompleto. Disney e sua equipe lhe mostraram desenhos e tiveram de interpretar eles mesmos as partes que ainda não tinham sido animadas. O executivo ficou sentado vendo aqueles homens que faziam vozes e cantavam musiquinhas. Quando acabou, disse: “Vocês vão ganhar muito dinheiro com isso”. Depois de ver as apresentações do futuro imediato da Disney, cabe apenas repetir as palavras daquele banqueiro.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_