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Como faço para que me escutem?

Gorka Olmo

Ninguém tem garantida a atenção dos outros nesta era de estímulos constantes. É preciso reaprender a captar o interesse para ter sucesso em uma reunião.

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Nossa forma de estar com outras pessoas mudou radicalmente nos últimos 25 anos. Até meados da década de 1990, quando os telefones celulares se popularizaram, as reuniões eram puramente analógicas. Quando duas ou mais pessoas se encontravam ao redor de uma mesa, não chegavam mais informações além daquelas fornecidas pelos próprios participantes. Se alguém fazia uma chamada telefônica a um participante, este ficava sabendo ao voltar para casa e ouvir a mensagem na secretária eletrônica. Ou então a pessoa ligava novamente.

Isso fazia com que, fosse um almoço informal, uma reunião de trabalho ou uma festa de família, os participantes estivessem presentes no que se falava, sem outras distrações além daquelas geradas pela própria mente quando se confunde.

Hoje em dia a comunicação é de muito menor qualidade, pois nossa atenção escapa através do nosso ‘smartphone’

Hoje em dia a comunicação é de muito menor qualidade, pois nossa atenção escapa através do nosso smartphone. Se somos educados, talvez não olhemos para ele quando estamos acompanhados, mas o dispositivo está lá, provocando uma tensão que nos afasta da conversa. Ao notar que vibra, nos perguntamos quem está escrevendo, o que estará acontecendo. Talvez haja uma boa notícia, uma oportunidade a ser aproveitada. Talvez até mesmo iremos ao lavabo para responder. Embora não percebamos, estamos mais lá do que aqui.

Esse fenômeno faz com que seja cada vez mais difícil reunir com sucesso um grupo de pessoas. Se, como o gato de Schrödinger, vivo e morto ao mesmo tempo, todos os que estão presentes ao mesmo tempo não estão, será impossível compartilhar qualquer coisa de valor. Nos tempos atuais de dispersão, é uma verdadeira arte fazer com que uma reunião seja um sucesso. Além de conseguir que os participantes guardem e silenciem seus dispositivos móveis, teremos de capturar sua atenção, desgastada pelos inúmeros estímulos da era digital.

Gorka Olmo

Assim como os espectadores de cinema conseguem esquecer suas supostas urgências por algumas horas, a arte das festas é fazer com que os convidados estejam plenamente aqui. E para isso não basta servir boa comida e bebida. O anfitrião deve decidir previamente o argumento da reunião, responder à pergunta: por que essa festa será lembrada?

Um dos mestres dessa arte no século XX foi o conde Étienne de Beaumont. A ele se atribui a frase: “As festas são dadas especialmente para aqueles que não são convidados”. Suas celebrações sempre tinham um leitmotiv e isso fazia com que fossem lembradas e comentadas por muito tempo. Organizava bailes nos quais os convidados tinham de se vestir com motivos de “quadros famosos”, por exemplo, e em uma festa em 1949 de “reis e rainhas” Christian Dior apareceu fantasiado de leão, o rei dos animais.

Sem chegar a esses extremos, existem várias noções essenciais que podemos aplicar para tornar uma reunião memorável:

Oferecer o inesperado. Quando em uma reunião acontecem sempre as mesmas coisas, as mentes dos participantes se desconectam do que está ocorrendo e se refugiam em seus smartphones ou em suas cabalas mentais. O anfitrião deve romper as expectativas para que as pessoas se envolvam no evento.

Não repetir o truque. Assim como Étienne de Beaumont nunca recorria ao mesmo tema, porque cada festa era uma oportunidade única, reproduzir o que já funcionou acaba levando à fadiga e ao tédio. Ao transformar o especial em rotina, as antenas da atenção se desligam.

O leitmotiv deve ser emocional. O que acontece na reunião deve tocar as emoções dos participantes. É isso que criará uma lembrança compartilhada inesquecível. Para isso é preciso conhecer a sensibilidade dos convidados –também para não ferir seus sentimentos– e encontrar um território comum com a pergunta: o que nos une?

A arte de captar a atenção em um encontro consiste em criar o extraordinário dentro do ordinário, tomar consciência de que, se estamos presentes, tudo o que vivermos será único e impossível de ser repetido.

Francesc Miralles é escritor e jornalista especializado em psicologia.

Uma oportunidade única

Embora as distrações fossem muito mais leves do que hoje em dia, em 1588 o mestre de chá Yamanoue Soji já falava sobre a importância de estar plenamente presente quando estamos com os outros. Em suas anotações, escreveu: "Trate seu convidado com ichigo-ichie, como se esse encontro fosse acontecer apenas uma vez na vida".

Ichigo significa "uma vez" em japonês, ichie se traduz como "uma oportunidade", mas ambos os termos juntos são interpretados como: o que vamos viver aqui não se repetirá nunca mais.

– Embora essa expressão venha da cerimônia do chá, no Japão de hoje o ichigo-ichie pode ser usado no início de qualquer reunião. É um chamado para se tomar consciência do caráter único de cada encontro. Talvez as mesmas pessoas voltem a se juntar, mas não serão as mesmas porque a situação delas terá mudado.

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