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Uma explosão nuclear reforça a opacidade do Governo russo

O Kremlin impõe silêncio sobre os incidentes nucleares e militares, como o ocorrido em uma base do norte do país em 8 de agosto

Funeral das vítimas da explosão em uma base militar, em 12 de agosto, em Sarov.
Funeral das vítimas da explosão em uma base militar, em 12 de agosto, em Sarov.AP

Primeiro houve dois mortos, depois cinco. Inicialmente se declarou que os níveis de radioatividade eram normais, depois foi dada uma ordem de evacuação e, por fim, retirada. Informações contraditórias e em conta-gotas envolvem a misteriosa explosão em 8 de agosto em uma remota base militar no norte da Rússia, junto ao Mar Branco. Dias depois da detonação, o Governo russo acabou reconhecendo que o acidente estava ligado a testes de "novas armas". Até então, a população que vive na área da base militar em Nionoksa se apressava a comprar comprimidos de iodo, que são usados para limitar os efeitos da exposição à radiação. O caso ilustra o sigilo em que Moscou envolve os incidentes relacionados com suas instalações nucleares e de armamento.

Que teste os russos estavam fazendo? Ainda não se sabe com certeza, nem tampouco o perigo real para a população, especialmente a de Nionoksa. O Ministério da Defesa informou que a explosão deixou dois mortos e seis feridos, e garantiu que não havia contaminação radioativa e que o nível de radiação estava "dentro do normal". No entanto, na vizinha Severodvinsk (185.000 habitantes), Ksenia Yudina, porta-voz da Prefeitura Municipal, dizia que havia sido registrado um pequeno aumento, embora mais tarde se informasse que durou apenas 40 minutos. Mesmo assim, as autoridades impediram temporariamente a navegação em uma parte da baía de Dvina, no Mar Branco, e alguns meios de comunicação russos relataram que a detonação tinha sido causada pelo mau uso de algum tipo de arma.

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Quatro dias depois do acidente, a agência atômica russa (Rosatom) reconheceu que estava relacionado a testes de armas. Fez isso durante o funeral das vítimas, descritas como "heróis nacionais" e que, no final, soube-se que eram cinco cientistas. Foi realizado em Sarov (95.000 habitantes), uma cidade fechada para os estrangeiros e um dos mais importantes centros de pesquisa nuclear do país. A Rosatom afirmou que o acidente aconteceu quando eram feitos testes com "fontes de isótopos" de um sistema de propulsão líquido, mas não deu detalhes. Os cientistas do Centro Federal Nuclear declararam, no entanto, que estava sendo testado um pequeno reator nuclear que faz parte do sistema propulsor de um "equipamento militar".

Isso levou a maioria dos especialistas a concluírem que os testes eram de um tipo de míssil de cruzeiro ultramoderno que o presidente do país, Vladimir Putin, havia orgulhosamente informado durante o discurso do estado da nação em 2018. O míssil, chamado de Skyfall pela OTAN e Burevestnik, pelos russos, tem um pequeno reator nuclear em seu sistema propulsor que lhe permite voar em altitudes relativamente baixas. Além disso, pode fazer manobras em pleno voo, o que o torna imperceptível para os sistemas de defesa antiaérea.

O especialista militar independente Alexander Goltz comenta que “é lógico supor que o que explodiu em 8 de agosto foi um Burevestnik”, já que o polígono onde aconteceu “é destinado a testes de mísseis” e “é pouco provável que o Ministério da Defesa trabalhe “simultaneamente em diferentes tipos de mísseis que usam equipamentos de energia nuclear”.

Na última terça-feira as autoridades reconheceram que os níveis de radiação permaneciam acima dos habituais. Em Severodvinsk, a radiação gama oscilava entre 4 e 16 vezes a taxa normal, embora sejam níveis distantes daqueles considerados letais. Em Nionoksa, o epicentro da explosão, houve o anúncio de uma retirada dos moradores e, em seguida, se ponderou que era uma simples recomendação.

Desde a época da União Soviética, o Governo tornou uma tradição ocultar informações quando se trata de acontecimentos graves, mesmo que em alguns casos possam ter sérias consequências para a população. O caso mais conhecido é a catástrofe da explosão do terceiro reator nuclear na usina de Chernobyl (agora parte da Ucrânia) em 1986. O Kremlin tentou esconder por todos os meios a escala do que havia ocorrido e as consequências que teve para as populações próximas, tentando minimizar o grau de contaminação mesmo quando alcançava níveis letais. Para os especialistas, a explosão em Nionoksa parece pequena em comparação.

Falta de informação

O Governo inicialmente tentou esconder a tragédia do submarino nuclear Kursk em 2000 –118 mortos– e declarou secreta a investigação do incêndio no submarino Losharik, também de propulsão atômica, em julho passado, que deixou 14 mortos.

A desconfiança sobre essa estratégia de silêncio não se dá apenas fora do país. Após a explosão de Nionoksa, os cidadãos reagiram como lhes dita a experiência: não acreditaram nas informações tranquilizadoras e correram para comprar iodo.

A ecologista Svetlana Babenko, que mora na área da explosão, diz por telefone que a situação agora é "normal", que "não há preocupação". Alexandr Yufrakov, do Laboratório de Ecologia da Academia de Ciências, argumenta que em Severodvinsk e Arjanguelsk, onde reside, não há mais medo, mas, "sim, um grande mal-estar por causa da falta de informações". E Alina, estudante, também de Arjanguelsk, comenta: "Não temos a sensação de estar sentados em um barril de pólvora".

Nem todos acham que tudo esteja tão claro. "Não sabemos quantas substâncias radioativas caíram no meio ambiente", diz o analista militar Pavel Felgengauer. Nem se sabe "quais são os isótopos, já que as autoridades não fornecem essa informação". Se for o urânio-232 e uma contaminação das águas costeiras, isso poderia afetar a cadeia alimentar e “as consequências seriam sentidas por muitos anos”.

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