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MEIO AMBIENTE

Política ambiental de Bolsonaro ameaça acordo com UE e alarma até agronegócio exportador

Noruega, o maior doador, congela a contribuição de 35 milhões de euros. Alemanha, que já suspendeu uma ajuda, reforça condições para pacto do bloco com o Mercosul. "O discurso só atrapalha", diz Maggi

Vista aérea da Amazônia, no norte do Brasil.
Vista aérea da Amazônia, no norte do Brasil.Marco Antonio Rezende (getty)

A política ambiental de Jair Bolsonaro, que já culminou no cancelamento de verbas da Alemanha e da Noruega para o Fundo Amazônia, podem trazer prejuízos econômicos para o Brasil, que ameaçam, inclusive, o acordo do Mercosul com a União Europeia, assinado em 28 de junho. Nesta sexta, novos dados jogaram luz ao problema do desmatamento no Brasil, que vem em uma crescente, enquanto o presidente ultradireitista brasileiro voltou a minimizar as críticas às suas ações, creditando-as a interesses estrangeiros que buscam interferir na soberania nacional.

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No último dia 13, em uma nota sobre o congelamento dos repasses para a preservação da Amazônia, o Ministério do Meio Ambiente alemão afirmou que está revisando as minutas preliminares do acordo entre o Mercosul e a União Europeia para garantir que o texto esteja em conformidade com as normas europeias relacionadas ao meio ambiente. O órgão afirmou que está "preocupado" com as políticas ambientais e climáticas desenvolvidas atualmente no Brasil. Celebrado em 28 de junho, o acordo entre os blocos econômicos prevê um incremento ao PIB brasileiro de 87,5 bilhões de dólares a 125 bilhões em 15 anos, segundo o Ministério da Economia brasileiro.

"O Governo brasileiro reiterou seu compromisso com o Acordo de Paris. No entanto, é ainda mais importante que o Brasil implemente efetivamente as metas climáticas prometidas no contexto deste acordo. O acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul confirma expressamente esta obrigação", ressaltou a nota do BMU, como é conhecido o ministério alemão. "O BMU considera o capítulo sobre desenvolvimento sustentável uma parte essencial do acordo de livre comércio. Atualmente, apenas minutas preliminares estão disponíveis e estão sendo revisadas pelo BMU para garantir que o texto esteja em conformidade com as normas da UE. Não pode haver novos incentivos para o desmatamento na América do Sul. Também estamos comunicando esses requisitos ao Governo brasileiro", continuou o texto. Na nota, o ministério confirma que congelou uma chamada para propostas de projetos ambientais projetados para o Brasil no valor de 35 milhões de euros (155 milhões de reais). "O aumento das taxas de desmatamento não é apenas um problema para o clima global. Isso prejudicará a própria agricultura brasileira porque o desmatamento destrói a biodiversidade, os recursos naturais e o abastecimento de água", concluiu o texto.

Na véspera da assinatura do acordo bilateral, a chanceler Angela Merkel afirmou, ao chegar em um encontro do G20, que pretendia ter uma "conversa clara" com Bolsonaro sobre o desmatamento no Brasil. A afirmação foi feita após questionamento de seus deputados, especialmente dos ambientalistas, que a pressionaram sobre o apoio ao acordo diante das ações brasileiras para a floresta. O presidente francês, Emmanuel Macron, também foi instado a se posicionar, após a assinatura do acordo. Afirmou que o compromisso de Bolsonaro com o Acordo de Paris —que traz compromissos para o combate à mudança climática— foi crucial para que os dois blocos econômicos pactuassem.

A preocupação com os efeitos econômicos da política ambiental atual agita até mesmo ruralistas de carteirinha, como Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do país. Ele afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico que o discurso do presidente pode prejudicar as exportações brasileiras. “Quando estou exportando soja, milho, os importadores querem saber mais do que nunca a origem da certificação do meu produto. E, se plantamos em área desmatada, eles não compram. Então, o discurso só atrapalha”, disse. Ele também ressalta que as colocações de Bolsonaro podem comprometer o acordo Mercosul-UE: "Temos uma relação muito complicada com a Europa e podemos ter mais fechamentos de mercado”.

Em entrevista na semana que passou, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também avaliou que a escalada retórica de Bolsonaro acaba atrasando a recuperação econômica.“Às vezes a retórica tira dele a oportunidade de ter um Governo crescendo mais rápido, muitos investidores ficam incomodados com alguns discursos do presidente. Alguns discursos, por conta de radicalismo, afetam, sim, a imagem do Brasil, como a questão do meio ambiente, por exemplo, que podem prejudicar a chance de o país voltar a ser um ator relevante na economia internacional e a atração de investimentos. Essa é minha preocupação, que a gente consiga não contaminar esse ambiente, de agenda de reformas, onde a gente possa de fato dar tranquilidade para que o setor privado possa voltar a investir.”

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Gepostet von Embaixada da Alemanha Brasília am Donnerstag, 15. August 2019

"Refloreste seu país"

O Fundo Amazônia foi criado em 2008 no contexto da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CMNUCC) com o objetivo de arrecadar doações para investimentos que busquem prevenir, monitorar e combater o desmatamento. Em uma década, arrecadou 1,3 bilhão de dólares, que se destinaram a 103 projetos, 21 já concluídos, que beneficiaram diretamente a 49.000 indígenas e a 465 publicações científicas. Alemanha e Noruega foram, até agora, seus pilares. Contribuíram com 99,5% das doações. O único doador brasileiro é a Petrobras, com 0,5% das contribuições. Por isso, a retirada da verba dos dois países europeus causa tanta preocupação entre os ambientalistas.

“As atividades e projetos de preservação feitos com as comunidades locais na floresta ficarão comprometidas”, alerta Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Políticas e Direitos Socioambientais do Instituto Socioambiental (ISA), que faz parte do Fundo. “Ao se tirar o sustento dessas comunidades, é possível que a mata comece a ser destruída para que eles executem suas atividades”, explica. A especialista alerta que, sem a verba dos dois países, o fundo só terá mais dois ou três anos de vida. “Principalmente”, diz, “porque esses países ainda podem pedir o reembolso do dinheiro que já foi doado, mas que ainda não se utilizou para projetos de preservação”.

O presidente brasileiro, entretanto, não parece disposto a ceder. Acredita que está sendo acusado falsamente de destruir a Amazônia e diz que o que está realmente em jogo é a “soberania da região e suas riquezas”. “O fundo tem suas ações definidas por um comitê 100% composto por instituições brasileiras”, rebate Virgilio Viana, superintendente da ONG Fundação Amazônia Sustentável, uma das associações que recebem dinheiro.

Diante do congelamento dos repasses e das críticas públicas dos dois países, Bolsonaro não economizou palavras para atacá-los. "Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, tá ok? Lá está precisando muito mais do que aqui", afirmou o presidente, após a ação alemã no último dia 13. A embaixada da Alemanha no Brasil reagiu e divulgou, na quinta-feira (15), um vídeo em que afirma que a área de florestas do país cresceu em mais de um milhão de hectares nas últimas cinco décadas. Ele também reagiu em relação à decisão da Noruega. "Não é aquela que mata baleia lá em cima, no Polo Norte?", disse, em referência ao país.

Nesta sexta-feira, enquanto o instituto de pesquisa Imazon apontou novo crescimento no desmatamento da Amazônia, Bolsonaro voltou a se defender das críticas. Afirmou que existe um esquema de violação da soberania nacional via demarcação de terras indígenas com o auxílio de ONGs. “Desde que eu era tenente do Exército o pessoal está comprando à prestação o Brasil (...) a compra no passado era também demarcando terras. O Brasil só fazia acordo lá porque, todos os governos anteriores, sem exceção, em troca de abrir mão de sua soberania, demarcavam mais terras indígenas”, disse. O ultradireitista também reafirmou seu compromisso com o congelamento das demarcações: "Enquanto eu for presidente, não tem demarcação de terras indígenas e já têm 14% em território nacional”.

O presidente também reagiu no Twitter, um de seus principais meios de comunicação, onde disse estar sendo acusado “falsamente” de destruir a Amazônia. “Caso tivesse demarcado mais algumas dezenas de áreas Indígenas e orientado pesadas multas nos produtores rurais, o mundo não estaria me acusando, falsamente, de destruir a Amazônia”. De acordo com ele, o que está em jogo é a “soberania da região e suas riquezas”. O relatório do Imazon divulgado nesta sexta-feira e feito com imagens de satélite, identificou um desmatamento de 1.287 quilômetros quadrados na floresta em julho deste ano —um crescimento de 66% em comparação com o mesmo mês do ano anterior. O relatório não é a única entidade a apontar uma deterioração da Amazônia. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) já havia anunciado o crescimento de 278% do desmatamento em julho. Na ocasião, Bolsonaro desqualificou os dados do órgão, que é ligado ao Governo, o que culminou na saída do diretor do instituto, Ricardo Galvão.

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