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O primeiro Dia de um pai

Hoje é dia de celebrar a nova paternidade. Ou novas paternidades, a paternidade total, o novo homem, sensível, participativo, atencioso, meloso, choroso, insuportável. Feliz Dia dos Pais e desculpa qualquer coisa!

Arquivo pessoal
Rodolfo Borges
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A ideia de se deixar afetar por uma data de apelo comercial me parece cada vez mais ridícula. E, à medida que se aproximava o meu primeiro Dia dos Pais, também cada vez mais irresistível — ainda mais do que quando era ao meu pai que eu prestava homenagem e agradecia, porque agora a via é de mão dupla. A lei da oferta e da demanda emocional é implacável. Neste domingo eu fui batizado com meu primeiro pijama — e poderia ter sido um cinto, um par de meias, qualquer coisa de que eu não precisasse, enfim, mas capaz de simbolizar algo de que não posso mais prescindir. Tenho combatido sem sucesso um exército de clichês — de que a minha vida recomeçou ou de que nada será como antes etc — desde que meu primeiro filho nasceu, há pouco mais de um mês. Começa a seleção social: apenas os pais menos irritantes e os filhos menos barulhentos serão tolerados em espaços públicos. Mas não era exatamente isso o que vocês queriam? A nova paternidade. Ou novas paternidades, a paternidade total, o novo homem, sensível, participativo, atencioso, meloso, choroso, insuportável. O homem já não é tão massacrado pelo trabalho, porque a mulher também quer ser massacrada. Então ele pode pegar o filho no colo. Dar banho, trocar fralda, botar para arrotar, colocar para dormir, e celebrar cada um desses atos como uma vitória, como se fosse um bônus de fim de ano. E quem diria que, para que isso viesse a acontecer, bastava dar mais tempo ao homem? Bastou que as mulheres saíssem de casa — e quisessem sair de casa com cada vez mais intensidade — para que o homem pudesse ficar um pouco mais dentro do próprio lar. Só podemos agradecer. É o outro lado da história clássica da emancipação feminina, meio por acaso, meio por querer. A emancipação masculina, o enclausuramento masculino. A possibilidade do enclausuramento masculino. Depois da revolução industrial, da evolução tecnológica, da pílula anticoncepcional e de milhões de soldados mortos nas guerras do século 20, os papéis se misturaram. Ninguém conseguiu prever que isso aconteceria (a perspectiva era o Handmaid’s tale, a perspectiva segue sendo o Handmaid’s tale, e talvez tenha de ser assim mesmo, para evitar surpresas desagradáveis), mas todo mundo sabe explicar exatamente o que aconteceu. Nasceu o segundo sexo, o terceiro sexo, o quinquagésimo sexo, e a busca feminina por protagonismo tirou um pedaço do fardo invisível das costas dos homens. Agora, os mais velhos olham para minha relação com meu filho com inveja, lamentando o tempo que não puderam passar com os seus — e imaginava-se que eles simplesmente não estavam interessados, que evitavam o trabalho doméstico em busca do glamour de trabalhar fora ao longo de oito, nove, dez horas por dia; mas os homens suportam tudo, mesmo essas injustiças bobas, senão não seriam homens, certo? É claro que a nova configuração não garante um pai participativo, mas eu sei lá: como é que um homem pode olhar para si mesmo, para o seu passado e o seu futuro estampados no rosto de um bebê, sem sentir algum carinho, sem sentir vontade de ficar ao lado dele durante a vida inteira? É o que eu sinto. E é o que eu vou fazer hoje à noite, de pijama novo.

Abaixo, você lê todos os capítulo deste diário:

Capítulo 1 | Quando seu filho nascer sem respirar




No primeiro capítulo, convido você, seu pai, sua mãe, seus avós, o papagaio, o cachorro, o gato, o segundo gato, o terceiro gato, a dar os primeiros passos rumo à minha estreia no Dia dos Pais





Capítulo 2 | Do que eu falo quando falo com Lucas




No segundo capítulo, digo a Lucas que decidi escrever um livro sobre ele, sobre mim, sobre nós, que já estou escrevendo, estamos escrevendo



Capítulo 3 | À meia-noite mamarei sua alma




No terceiro capítulo, um guia informal de amamentação para pais e adjacências: "Você é um acessório, um opcional"



Capítulo 4 | Funcionário terceirizado pela Lucas Corp.




No quarto capítulo, pego o caminho para Wigan Pier com George Orwell e, em nome do meu filho, extraio carvão com um sorriso lunático estampado no rosto



Capítulo 5 | Vamos ser campeão (sic)!




No quinto capítulo, remoo a possibilidade de meu filho, que nasceu são-paulino, vir a trocar de time



Capítulo 6 | Eu quero viver e reviver todas as vidas




No sexto e último capítulo, vou ao passado para constatar que não quero mais deixar de estar à beira de chorar por qualquer coisa




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