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O contra-ataque do futebol feminino ontem e hoje

Exposição "Contra-ataque! As mulheres do futebol" expõe machismo no Brasil e busca popularizar o esporte. Acervo exposto no Museu do Futebol, em São Paulo, segue em cartaz até outubro

A treinadora Pía Sundhage à frente da seleção brasileira, no estádio do Pacaembu na quinta, quando o Brasil goleou a Argentina.
A treinadora Pía Sundhage à frente da seleção brasileira, no estádio do Pacaembu na quinta, quando o Brasil goleou a Argentina.FERNANDO BIZERRA JR (EFE)
Diogo Magri
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“Quando você vê a história do futebol feminino, você tem a certeza de que o país é machista”. Daniela Alfonsi, diretora de conteúdo do Museu do Futebol, no estádio Pacaembu, em São Paulo justifica com essa frase a necessidade de levar ao público mais informações sobre a modalidade. A diretora é uma das responsáveis pela exposição Contra-ataque! As mulheres do futebol, que ocupa o espaço inicial do Museu na capital paulista até o dia 20 de outubro, com o objetivo de trazer mais visibilidade ao futebol feminino e explorar as quatro décadas em que a a prática das mulheres foi proibida no Brasil. Mas embora o acervo exclusivo reflita em boa parte um passado de desprezo pelo futebol feminino, a exposição é destaque num ano de virada para a modalidade: a Copa do Mundo da França foi a mais vista da história; em 2019 também, finalmente, os jogos do campeonato brasileiro passam na TV aberta; e os principais clubes do país passaram a investir nas equipes profissionais, após determinação da CBF. Neste mesmo Pacaembu que abriga o Museu do Futebol, as jogadoras da seleção brasileira enfrentam neste domingo o Chile, sob o comando da sueca Pia Sundhage, que em sua estreia viu seu time golear a Argentina —somente 31 anos depois da primeira formação da equipe nacional.

“O objetivo [da exposição] é ampliar o conhecimento sobre a proibição porque você provoca uma indignação no público. As pessoas pensam ‘quer dizer que se minha vó quisesse jogar bola, ela não poderia?’ O desconforto que o tema traz é a chave para a mudança de atitude, para desnaturalizar os preconceitos em busca da igualdade de gênero”, continua a diretora. Logo na entrada da exposição, que ocupa a primeira sala no tour pelo Museu, frases como “aqui é a casa delas e a igualdade é nossa causa” chamam a atenção para o conteúdo dos murais, que começam contando a história das primeiras partidas de futebol feminino em solo brasileiro no início do século XX. Em seguida, entram na proibição do esporte praticado para mulheres, que iniciou com um decreto de lei em 1941 sob a presidência de Getúlio Vargas. Recortes de jornais da época e declarações de representantes do governo escancaram o machismo que justificava o impedimento.

Uma das salas da exposição 'Contra-Ataque'.
Uma das salas da exposição 'Contra-Ataque'.Divulgação / Museu do Futebol

O veto durou até 1979 e não foi exclusividade do Brasil – Inglaterra, França e Alemanha também proibiram o futebol feminino durante algumas décadas no século passado. A exposição, que teve a curadoria da ex-jogadora Aline Pellegrino e das pesquisadoras Aira Bonfim, Lu Castro e Silvana Goellner, ressalta focos de resistência das mulheres esportistas no Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais durante os anos de ilegalidade. Apesar da liberação na década de 70, a regulamentação do esporte no Brasil só veio em 1983. A primeira seleção brasileira foi formada em 1988, usando a base do Radar, um clube carioca. No entanto, a seleção feminina usou uma versão do uniforme masculino cedido pela CBF com pequenos ajustes até 2015. Somente no Mundial daquele ano, no Canadá, elas ganharam uma camisa exclusiva para mulheres, que foi comercializada pela primeira vez em 2019, para a Copa da França.

“Eu acompanho futebol feminino, mas não sabia da proibição. Nós mulheres precisamos dar mais valor à modalidade”, comentou Elana Araújo, 24 anos, moradora do Rio de Janeiro em visita à exposição. Segundo Daniela, o público do Museu sempre foi mais masculino do que feminino, mas os gêneros se equilibraram com a iniciativa da exposição nos últimos meses. “No começo do Museu, os dados chegavam a 70% de homens visitantes. Agora, os números que temos estão quase no 50% a 50%”, diz.

Recorte do jornal carioca "O Imparcial", em 16 de janeiro de 1941, exposto no Museu.
Recorte do jornal carioca "O Imparcial", em 16 de janeiro de 1941, exposto no Museu.D. M.

A Contra-ataque! também marcou o recorde de visitação diária em 2019 no Museu do Futebol: no dia 23 de julho, uma terça-feira (único dia da semana em que o ingresso é gratuito) no meio das férias escolares, 4.470 pessoas foram à exposição. O recorde histórico do Museu foi em junho de 2014, no meio da Copa do Mundo no Brasil, em um dia que o local teve um horário estendido e chegou a 6.419 visitantes. Ano passado, durante a Copa da Rússia, o maior número de visitantes diários foi de 4.540. “Mais de 90.000 pessoas vieram desde a abertura da exposição e nós tivemos o melhor mês de julho em anos sem Copa masculina”, disse a diretora.

Apesar do esforço para tratar de futebol feminino na exposição fixa do Museu do Futebol, o assunto não era muito abordado antes da Contra-ataque!. Além de murais em algumas salas do tour, como a presença de quatro mulheres entre os 25 homens no espaço onde ficam projeções dos grandes craques brasileiros do passado, há apenas um painel amarelo na parte final da exposição que conta as informações básicas acerca do futebol feminino brasileiro – e com informações erradas, uma vez que diz que a modalidade foi proibida no país em 1964 e liberada em 1991. “É uma placa que nunca alteramos desde a inauguração do Museu. Começamos a fazer intervenções sobre futebol feminino em 2015 porque era uma lacuna muito grande”, explica Daniela. A diretora também diz que seu intuito é trazer outros conteúdos que vão além do futebol masculino, como amador, indígena e LGBT. “É importante ampliar a representatividade em outros campos e o Museu ter essa abertura para dar visibilidade a esses grupos”, afirma.

O Museu do Futebol fica aberto de terça a domingo, das 9h às 18h (horário de Brasília), mas tem um horário de funcionamento especial em dias de jogos no estádio do Pacaembu. O ingresso custa 15 reais e, às terças-feiras, a visitação é gratuita.

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