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Era uma vez... o nepotismo em Hollywood

Tarantino contrata quatro filhas de famosos para seu nono filme: Maya Hawke (Uma Thurman), Margaret Qualley (Andie MacDowell), Rumer Willis (Demi Moore) e Harley Quinn Smith (Kevin Smith)

Maya Hawke e sua mãe, Uma Thurman, e Margaret Qualley e sua mãe, Andie MacDowell.
Maya Hawke e sua mãe, Uma Thurman, e Margaret Qualley e sua mãe, Andie MacDowell.
Eneko Ruiz Jiménez
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Sou produto do nepotismo de Hollywood. Quando dois famosos copulam, este é o resultado.” Carrie Fisher, filha da atriz Debbie Reynolds e do cantor Eddie Fisher, nunca teve medo de brincar com as razões genéticas pelas quais ela, e não outra pessoa, tinha conseguido um lugar no primeiro escalão da Meca do cinema, e o calvário que isso significou. Lá isso nunca foi segredo, tanto assim que Quentin Tarantino não vê problemas em tirar proveito desses clãs cinematográficos em seu último canto de amor à indústria. À sombra do primeiro encontro entre duas das maiores estrelas em décadas, Leonardo DiCaprio e Brad Pitt, o elenco de Era Uma Vez em... Hollywood reúne quatro filhas de atrizes que eram estrelas quando ele começou: Maya Hawke (Uma Thurman), Margaret Qualley (Andie MacDowell), Rumer Willis (Demi Moore) e Harley Quinn Smith (Kevin Smith).

Tampouco é casualidade que o diretor coloque dois membros desta nova geração à sombra de uma das seitas mais próximas à fábrica de estrelas de Los Angeles. Assim, Hawke, filha de 21 anos da musa tarantiniana Uma Thurman, vira seguidora do assassino Charles Manson. Mas, embora baste vê-la para adivinhar o parentesco, a revelação de Stranger Things 3 teve que passar por um teste comum para conseguir o papel. É verdade que teve a ajuda na gravação de Ethan Hawke, ator, roteirista, diretor e pai dela. Da seita fictícia participam também Harley Quinn Smith, de 20 anos, e cujo curioso nome de vilã da D.C. Comics se deve ao fanatismo por quadrinhos do seu pai, o diretor Kevin Smith, que a escala para os seus elencos desde os dois anos. Curiosamente, passeia agora por um filme encabeçado por Margot Robbie, intérprete real da homenageada Harley Quinn, e que em Era Uma Vez... encarna Sharon Tate, assassinada pela seita de Manson.

Já passaram diante da câmera de Tarantino também Margaret Qualley, indicada ao Emmy por Fosse/Verdon, protagonista da série cult The Leftovers e herdeira dos olhos de sua mãe, Andie MacDowell; e Rumer Willis, uma das três filhas de Bruce Willis e Demi Moore. A filha mais velha de Willis, um dos protagonistas de Pulp Fiction, é a mais veterana do grupo, com 30 anos, e inclusive já reinventa sua carreira como participante do programa de calouros The Masked Singer, onde cantava fantasiada como um pomposo leão, sem que o espectador soubesse quem a máscara escondia. O objetivo: que ninguém a julgasse por seu sobrenome. Às vezes, o nepotismo atrapalha. Qualley, aos 24 anos, foi sincera numa entrevista à revista Paper: “Algumas vezes acho que não mereço esta vida. Embora eu goste de acreditar que o trabalho duro ajuda, estou consciente de que desde pequena recebi oportunidades que não teria de outro modo”.

Isso não quer dizer que Tarantino se esqueça dos veteranos. Longe disso. Em seu nono filme, o diretor homenageia os atores clássicos da televisão e as produções de ação feitas com pouco dinheiro. Burt Reynolds, um dos maiores expoentes da época, morreu pouco antes de rodar um papel para o qual havia sido convidado, mas Tarantino ainda teve tempo de trabalhar com Luke Perry, ídolo juvenil de Barrados no Baile, que morreu em março. Para o cineasta, são atores aos quais Hollywood olha por cima do ombro, mas que ele idolatra: “Não eram tão diferentes desses dos anos setenta a quem homenageio (...). Alguns trabalhavam em telefilmes ou eram nomes famosos dignamente atuando como convidados especiais em um episódio. Interpretavam personagens muito interessantes, melhor que o que jamais fizeram no cinema, e seus episódios eram constantemente reprisados”, disse Tarantino à Deadline.

Rumer Willis em 'The Masked Singer'.

O filme tem um elenco eclético, formado por Nicholas Hammond (menino em A Noviça Rebelde e no Homem-Aranha televisivo dos anos setenta), Dakota Fanning (cuja irmã, Elle Fanning, superou-a em popularidade) e Austin Butler, o Elvis na biografia a ser dirigida por Baz Luhrman (de Moulin Rouge). O rei do rock, aliás, mantém sua estirpe em Hollywood: sua neta Riley Keough apareceu em Mad Max: Estrada da Fúria e The Girlfriend Experience. Neste cruzamento de caminhos geracionais aparece Kurt Russell, em sua terceira colaboração com Tarantino e com uma estirpe própria. Não só sua enteada, Kate Hudson, foi estrela da comédia romântica, como também o filho que compartilha com Goldie Hawn, Wyatt Russell, é um rosto a levar em conta, com série na HBO e vários papéis cinematográficos em projeto. Visível promessa é também John David Washington, filho de Denzel e protagonista do próximo longa de Christopher Nolan, após surpreender em Infiltrado na KKKlan.

Alguns argumentariam que o substituto de Burt Reynolds no filme, Bruce Dern (também no seu terceiro Tarantino) chegou a ser superado pela carreira da filha, a onipresente Laura Dern, musa de David Lynch que atualmente brilha na série Big Little Lies junto a, por exemplo, Zoey Kravitz, filha do cantor Lenny Kravitz e da atriz Lisa Bonet. Porque muitos filhos de famosos se refugiam dessa sombra na televisão. Lá os espectadores nem conhecem o parentesco.

Jack Quaid, filho de Dennis Quaid e Meg Ryan, protagoniza a macabra série sobre heróis The Boys; Sam Levinson (filho do diretor Barry Levinson) criou Euphoria, a revelação adolescente da temporada; e Billie Lourd, que deslumbra com uma amalucada adolescente no filme Booksmart – Fora de Série, antes interpretara quatro personagens em American Horror Story. Inclusive encontrou espaço como rebelde no universo Star Wars. Uma lição aprendida de sua mãe, Carrie Fisher, e de sua madrinha, Meryl Streep, que encaixou suas três filhas. Assim, o nepotismo que a princesa Leia parodiava continua vigente. Hollywood sabe que para cada Tori Spelling haverá uma Sofia Coppola.

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