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Coluna
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“Alguns assassinatos” para salvar o Brasil?

Olavo, que se autoproclama filósofo, ignora Aristóteles, já que atribuir os homicídios de hoje aos comunistas do tempo da ditadura é um puro e grosseiro sofisma

Juan Arias
O ideólogo da direita Olavo de Carvalho, em Washington, em março.
O ideólogo da direita Olavo de Carvalho, em Washington, em março.Joshua Roberts (REUTERS)

Bolsonaro terá que matar gente se quiser salvar o Brasil? É o que parece ter sugerido na sexta-feira passada, 2 de agosto, o filósofo Olavo de Carvalho em um dúbio tuíte no qual afirmava que, para fazer funcionar “essa porcaria” que é o Brasil, seria preciso dispor de “muito dinheiro e alguns assassinatos”. Quem? Quantos? Neste campo do terror, o astrólogo e filósofo de internet, assessor intelectual de Bolsonaro, de sua família e do núcleo duro do bolsonarismo, costuma ser generoso.

Em dezembro passado, entrevistado por Brian Winter, editor-chefe da revista Americas Quartely, referindo-se à afirmação de Bolsonaro de que o erro da ditadura foi “torturar em vez de matar”, respondeu que não só estava de acordo como também teria sido necessário assassinar na ocasião os 20.000 comunistas do país, “à vista da miséria que haviam criado”. Mais ainda, com a macabra receita de executar os 20.000 comunistas que segundo ele havia na época no Brasil, hoje o país não teria 70.000 homicídios por ano.

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Olavo, que se autoproclama filósofo, parece entretanto ignorar o grande filósofo grego Aristóteles, aluno do Platão, quando expõe sua famosa doutrina sobre a lógica, já que atribuir os homicídios de hoje aos comunistas do tempo da ditadura é, mais que um silogismo, um puro e grosseiro sofisma. Representa uma ofensa à lógica, além de uma atrocidade moral.

Bolsonaro, doutrinado por Olavo, hasteou durante sua campanha eleitoral três bandeiras: a luta contra a velha política, a luta contra a corrupção com apoio à Lava Jato e a luta contra violência, com seu lema de que bandido bom é bandido morto.

Das três bandeiras, duas já estão se esfarrapando. Logo começou a transparecer, de fato, que Bolsonaro e sua família haviam até então agido dentro da mais velha das políticas, o nepotismo, ao ter nomeado, como descobriu o jornal O Globo, 102 assessores, todos familiares, e usá-los como disfarce para financiar suas campanhas com parte de seus salários, o que levou seu filho Flavio, senador, à beira de um processo criminal.

O Presidente, que tinha deixado que seus seguidores pedissem nas manifestações o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, hoje é unha e carne com seu presidente, Dias Toffoli, que com uma decisão mais do que discutível interrompeu as investigações de corrupção que pesam sobre seu filho.

Sua luta contra a velha política já ficou sepultada em nome de sua conveniência pessoal, assim como sua segunda bandeira da luta contra a corrupção, que o levou a escolher como ministro da Justiça o herói da Lava Jato, o juiz Sérgio Moro. Um troféu que, entretanto, já começou a abandonar e a deixar na sarjeta. Já não lhe serve mais. Melhor, aliás, não tocar no assunto da corrupção, da qual também sua própria família apareceu doente.

Resta a última bandeira, a da luta contra a criminalidade. Essa ele nunca vai abandonar, já que sua personalidade e idiossincrasia estão compostas de violência, de armas e de morte aos bandidos, dando todas as garantias de impunidade a policias estimulados a atirarem na cabeça para matar.

O romancista espanhol Julio Llamazares, na sexta-feira passada —o mesmo dia em que Olavo oferecia “alguns assassinatos” como receita a Bolsonaro—, escreveu em sua coluna neste jornal, referindo-se aos que hoje acolhem na Espanha como heróis os ex-terroristas do ETA, que “qualquer recriminação moral lhes parecerá interessada e ridícula, da mesma maneira que os dirigentes nazistas achavam a piedade uma fraqueza”. E cita Homero, o grande poeta épico da Grécia Antiga, autor da Ilíada e da Odisseia, que há 2.600 anos escreveu: “Não há nada, entre o que respira e anda sobre a terra, que seja mais lamentável que o homem”. E um escritor moderno, o argentino Ernesto Sábato, em sua obra Sobre Heróis e Tumbas, escreve algo que parece uma fotografia das angústias do Brasil atual presidido pelo radical e extremista, amigo da morte, Jair Bolsonaro: “Que confusão é tudo, que difícil é viver e compreender”.

Tomara que os governantes de hoje não tornem tudo ainda mais difícil achando que a melhor solução, ao estilo Olavo, seja assassinar para salvar “essa porcaria do Brasil”, o que além de ser mentira é uma ofensa a um grande país que mereceria ser governado por alguém com sentimentos humanos capazes de perceber a dor das vítimas que a intolerância, o desamor e a sede de vingança vão deixando pelo caminho.

Alguma vez você já ouviu o presidente Bolsonaro pronunciar a palavra “pobres” e mostrar empatia e compromisso de redenção para a grande massa de esquecidos que são os que, com seu trabalho e sua dor anônima, fazem que não morra totalmente a esperança de dias melhores, sem que precisemos continuar colocando flores aos pés das vítimas inocentes?

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