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Saída dos EUA de tratado com a Rússia desencadeia temor de uma nova corrida armamentista nuclear

Washington abandona o acordo para a eliminação de mísseis nucleares de curto e médio alcance firmado com Moscou durante a Guerra Fria

Pablo Guimón
Um míssil 9M729 em uma base militar russa perto de Moscou.
Um míssil 9M729 em uma base militar russa perto de Moscou.Pavel Golovkin (AP)

Os Estados Unidos abandonaram formalmente nesta sexta-feira o tratado para a eliminação dos mísseis nucleares de curto e médio alcance (INF, na sigla em inglês), que assinaram com a Rússia durante a Guerra Fria, desencadeando o temor de uma nova corrida armamentista mundial. Washington planeja realizar, ainda em meados deste ano, testes com novos mísseis que estavam proibidos pelo acordo.

A Otan culpou a Rússia nesta sexta-feira pelo fracasso do acordo, que serviu de base para a segurança mundial por três décadas, e respaldou os EUA em sua decisão de se retirar dele. Os EUA acusam Moscou de enterrar o tratado, assinada por Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, dizendo que violou os seus termos durante anos, desenvolvendo mísseis vetados pelo pacto e que ameaçam os Estados Unidos e seus aliados europeus.

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“A Rússia é a única responsável pela morte do tratado", disse o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, em um comunicado nesta sexta-feira. "Durante os últimos seis meses, os Estados Unidos deram à Rússia uma última chance para corrigir suas violações. Mas, como tem feito há muitos anos, a Rússia decidiu manter os mísseis que violam o acordo, em vez de voltar a aderir às obrigações desse tratado.”

Mas a Rússia não é a potência nuclear que os Estados Unidos procuram neutralizar com seus novos mísseis. Desde outubro de 2018, quando Donald Trump anunciou a intenção de retirar o país do tratado, ele sinalizou que a China, que não está sujeita a nenhum acordo de controle de armas e há anos vem investindo em defesa, foi um fator determinante nessa decisão. Washington considera hoje o gigante asiático um rival estratégico de longo prazo mais relevante do que a Rússia, e convidou Pequim a fazer parte de uma "nova era de controle de armas" que inclua outras nações com poderosas forças militares.

Washington está há anos se queixando de que o sistema de controle de armas é injusto. Os Estados Unidos permaneceram sozinhos respeitando o envelhecido tratado, vinham denunciando, enquanto a Rússia sistematicamente o descumpria, e a China, não sujeita às limitações, avançava em sua corrida armamentista.

Testes nas próximas semanas

Agora os EUA estão livres para desenvolver armas que foram proibidas pelo tratado. E planejam realizar testes nas próximas semanas. O atual orçamento do Pentágono inclui 48 milhões de dólares (187 milhões de reais) para pesquisar possíveis respostas militares às violações do INF por Moscou. O Pentágono pediu ao Congresso que aprove até 2020 um orçamento de 10 milhões de dólares (38,9 milhões de reais) para desenvolver os mísseis até então proibidos pelo tratado.

A Rússia anunciou, por meio de um comunicado emitido por seu Ministério das Relações Exteriores, que "por iniciativa dos Estados Unidos, o Tratado entre a União Soviética e os Estados Unidos sobre a eliminação de seus mísseis intermediários e de curto fica encerrado".

Washington alegou, como argumento para sair do tratado, a recusa de Moscou de destruir um míssil de cruzeiro que viola os termos do pacto. Trata-se de um míssil de cruzeiro que pesa 1.700 quilos e tem oito metros de comprimento: o Novator 9M729 (SSC-8, de acordo com a classificação da OTAN), que, de acordo com os EUA, infringe o tratado ao exceder os 500 quilômetros de alcance.

Mas as tensões vêm de longe. Durante anos, Washington e Moscou se acusaram mutuamente de violar o tratado, que proíbe os dois países de fabricar, posicionar ou realizar testes de mísseis de curto alcance (500 a 1.000 quilômetros) e médio alcance (1.000 a 5.500 quilômetros).

O fim do histórico tratado, em um momento em que cresce o risco de confronto bélico com a Coreia do Norte e o Irã, contribui para devolver o mundo a uma época, a do risco de um conflito nuclear, que já era dada como enterrada. Morto o INF, especialistas temem que as duas potências também acabem com o START, ainda mais ambicioso, que limita o número de ogivas nucleares estratégicas posicionadas pelos EUA e pela Rússia, e expira no início de 2021.

No comunicado, Pompeo insiste em culpar Moscou e diz que seu governo "continua comprometido em conseguir um controle efetivo de armas que promova a segurança dos EUA, seus aliados e parceiros".

O chefe da diplomacia norte-americana afirma que o presidente dos EUA, Donald Trump, deseja iniciar "um novo capítulo em busca de uma nova era de controle de armas", que vá além dos tratados bilaterais, como o assinado com Moscou, e favoreça a participação de outras potências, como a China.

“De agora em diante, os EUA pedem à Rússia e à China que se unam a nós nesta oportunidade para entregar resultados reais de segurança a nossos países e ao mundo inteiro", disse Pompeo.

A China não é signatária de nenhum tratado de desarmamento e atualmente tem a “maior e mais diversificada força de mísseis do mundo, com um inventário de mais de 2.000 mísseis balísticos e de cruzeiro”, declarou em abril de 2017 ao Senado o então chefe do Comando do Pacífico das Forças Armadas dos EUA, Harry Harris.

Atualmente, Washington não tem capacidade para neutralizar a força dos mísseis balísticos chineses, relata a Efe. Na verdade, "levaria anos para ter uma capacidade efetiva de posicionamento", já que durante 32 anos cumpriu o acordo firmado com a Rússia, garantiu um funcionário dos EUA que falou com a imprensa sob condição de anonimato. A ideia de um tratado de desarmamento tripartite que inclua Washington, Moscou e Pequim foi bem recebida por alguns países europeus, como a Alemanha.

Mas, em fevereiro, o conselheiro de Estado chinês, Yang Jiechi, arquiteto da política externa do gigante asiático, descartou essa possibilidade e negou que a China vá frear seu desejo de modernizar suas forças armadas com inúmeros avanços tecnológicos, desde mísseis de cruzeiro de alta velocidade a inteligência artificial.

Entretanto, grupos que defendem o desarmamento, como a Associação pelo Controle de Armas, acreditam que Trump está usando Pequim como bode expiatório para justificar também a saída do país do Novo START, assinado por Moscou e Washington em 2010 para limitar seus arsenais nucleares, e que expira em 2021.

Em termos gerais, Frank Rose, que foi chefe do setor de desarmamento do Departamento de Estado entre 2014 e 2017, considera que o tratado INF se tornou obsoleto. "O problema fundamental é que a estrutura existente não tem sido capaz de responder de modo efetivo às mudanças na segurança na Europa e na Ásia, especialmente, em face do surgimento de novos atores, como a China, e da evolução da tecnologia, como mísseis balísticos avançados", afirmou Rose à Efe.

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