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Coluna
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O “não” taxativo dos brasileiros a armar a população. E agora, Bolsonaro?

Até uma das categorias que maciçamente ajudaram a eleger o capitão de reserva, a dos evangélicos, rechaça a ideia de um país armado

Juan Arias
Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.
Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.Marcelo Camargo (Agência Brasil)
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O Brasil disse taxativamente ao Governo Bolsonaro que não deseja um país armado que ande pela rua com a pistola no bolso como antídoto contra a violência, segundo revelou uma pesquisa nacional realizada pelo Datafolha. E lhe disse “não” o Brasil dos que mais sofrem o peso da violência sobre suas vidas: as mulheres (78%), os negros (74%), os mestiços (72%) e os mais pobres em geral. E até uma das categorias que maciçamente ajudaram a eleger o capitão de reserva, a dos evangélicos, rechaça a ideia de um país armado.

Assim, 70% dos brasileiros contestam a maior bandeira da campanha eleitoral de Bolsonaro, a de permitir que a população pudesse se armar dentro e fora de casa como antídoto para o aumento da violência. O presidente, uma vez eleito, foi fiel à sua promessa, e um de seus primeiros decretos foi a favor de blindar pessoalmente os brasileiros contra a violência. O que não esperava é que seu decreto seria derrotado, a tal ponto que já teve que refazê-lo sete vezes.

A pesquisa do Datafolha foi um balde de água fria para o presidente que ama tanto as armas que costuma contar que não concebe dormir sem uma delas sob seu travesseiro. Talvez nunca tenha esperado um “não” tão taxativo ao seu sonho guerreiro, inclusive por parte de quem o elegeu. Destes, 50% declararam ser contra essa política de armar a população. Em geral, o presidente mais visivelmente religioso que o país já teve, recebeu um “não” no tema das armas não só os evangélicos, mas também de 75% dos espíritas, de 72% dos seguidores de religiões afro-brasileiras e de 82% dos indígenas. Ao todo, 72% dos mais pobres do país, que são a grande maioria, rejeitaram sua proposta de armamento. Permaneceram fiéis a Bolsonaro 51% dos ricos, que são uma pequena minoria, e ainda assim entre eles 49% tampouco estão de acordo com o pensamento bolsonarista de que a melhor forma de enfrentar aos “bandidos” que amedrontam a população é estar tão armados como eles, o que é apenas uma utopia populista que contradiz todos os estudos sociais sobre a violência.

O mais impressionante e animador desse rechaço da grande maioria dos brasileiros à obsessão do Presidente em fazer da população uma espécie de novo exército armado contra a violência é que esse rechaço é protagonizado justamente pelos mais vulneráveis, como as mulheres, os negros e até os seguidores das maiores confissões religiosas.

Importante porque revela, melhor que muitos estudos, que afinal de contas nem sequer a maioria dos seguidores do presidente, cuja estética e panaceia de todos os males está nas armas, pensa em uma ressurreição de suas esperanças de renovação em receitas armadas. E se o Brasil no fundo dos seus desejos for menos violento do que se mostra fora do país, e sua verdadeira identidade seja a de saber amar a vida?

Os brasileiros o que sabem é que vivem dominados por um Estado violento que sacrifica os mais vulneráveis. E estes vulneráveis que são a maioria do país, talvez por serem conscientes dessa injustiça, rejeitam receitas fáceis de segurança. Um livro que seria conveniente reler neste momento é Cidade Partida, em que o escritor Zuenir Ventura explica que, por exemplo, os jovens das comunidades mais pobres e violentas tentam viver a vida loucamente, porque estão conscientes de que a violência pode levá-los embora a qualquer momento, e eles não chegarão a serem velhos. Existe um Brasil que ainda nos surpreende, porque escapa dos clichês falsos aos quais todos o submetemos um pouco, dos intelectuais a nós, os jornalistas.

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