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Coluna
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João Gilberto, o gênio perfeccionista

Digno e teimoso, jamais pediu uma retribuição por ser o artífice daquela música que colocou o Brasil na primeira divisão do mundo

Diego A. Manrique
João Gilberto, em um concerto em 2008, em São Paulo.
João Gilberto, em um concerto em 2008, em São Paulo.MARCO HERMES (AFP)

Tendemos a caracterizar os anos sessenta como a década dos Beatles. Mas costumamos esquecer que também foi o período em que uma sinuosa música brasileira seduziu o mundo inteiro. Tocava em diferentes circuitos e geralmente tinha outro público, mas a bossa nova também revolucionou o planeta. E no comando estava João Gilberto.

Ele contou com parceiros de primeiro nível, como o compositor Tom Jobim e o poeta Vinicius de Moraes, mas eles mesmos reconheciam que aquele sujeito esquivo da Bahia havia domesticado o alvoroçado samba com a batida de seu violão, seu conceito harmônico e sua sigilosa maneira de cantar. Mínimos recursos que encaixavam magicamente com a pobreza dos sistemas de amplificação e as técnicas de gravação do Brasil de fins dos anos cinquenta. Foi um deslumbramento compartilhado por seus colegas de geração e ampliado pelos jazzmen norte-americanos que visitavam o Rio de Janeiro ou escutavam seus discos.

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E chegou a Garota de Ipanema, gravada em 1963 em Nova York com o saxofonista Stan Getz. O produtor, Creed Taylor, editou a interpretação numa versão recortada que dava protagonismo à esposa de João, Astrud Gilberto. Um sucesso monumental que despertou os receios de João: aqueles gringos não sabiam diferenciar entre uma aficionada e uma profissional. A relação pessoal já não funcionava: em 1965, ele se casou com a cantora Miúcha, irmã de Chico Buarque.

A vida familiar de João foi tormentosa. Na verdade, tudo o que o rodeava era marcado por suspeitas e equívocos. Embora ele detestasse Stan Getz, os dois voltaram a gravar juntos e fizeram músicas belíssimas. Durante uma estada no México, ele registrou boleros, e o que parecia uma concessão acabou sendo um ato de amor. Mas foi cimentada uma imagem perversa de Gilberto: parecia que ele preferia trabalhar fora do Brasil, ainda que insistisse em explicar que no exterior era mais valorizado e que em seu país suas exigências de som não eram atendidas.

João Gilberto voltou finalmente ao Rio em 1979 e lançou Brasil, um disco esmerado feito com discípulos como Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gilberto Gil. Foi talvez sua última declaração estética, antes de se transformar num ermitão que se apresentava pouco e gravava menos. Seu sentido de justiça o levou a mover uma ação contra a EMI, a gravadora que lançou seus primeiros discos (e ganhou a disputa sobre os direitos autorais). Nos últimos tempos, havia rumores de que ele estava sem dinheiro e brigado com os filhos. Digno e teimoso, jamais pediu uma retribuição por ser o artífice daquela música que colocou o Brasil na primeira divisão do mundo.

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