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ONU exige que Maduro detenha as “graves violações de direitos”

Michelle Bachelet denuncia abusos policiais e a deterioração democrática em um relatório devastador, depois de sua visita à Venezuela

Michelle Bachelet, ao lado de Juan Guaidó.
Michelle Bachelet, ao lado de Juan Guaidó.AFP

Graves violações dos direitos econômicos, sociais, civis e políticos. Violência e abusos da polícia. Um número assustador de mortes, 5.287 somente em 2018, atribuídas à "resistência à autoridade". Uma emigração sem fim. Em suma, uma profunda deterioração da democracia. Estas são algumas das conclusões do devastador relatório do Escritório da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, preparado após a visita de Michelle Bachelet à Venezuela. O estudo, que veio a público nesta quinta-feira, exorta o Governo de Nicolás Maduro a "adotar imediatamente medidas concretas para impedir e remediar as graves violações" que asfixiam milhões de pessoas. Caso contrário, adverte, "continuará o êxodo sem precedentes de emigrantes e refugiados que abandonam o país e haverá piora das condições de vida dos que permanecem ali”. O Governo rejeitou o relatório, que pede o desmantelamento das forças especiais da polícia, conhecidas como FAES, e dos grupos armados, os chamados coletivos, e apresentou 70 alegações.

Segundo as Nações Unidas, que se baseou em 558 entrevistas com vítimas e testemunhas diretas, o chavismo "desmantelou o sistema de controle institucional do Poder Executivo". À crise da separação dos poderes se soma a emergência econômica que o relatório atribui abertamente à hiperinflação sem freio e também “às políticas econômicas e sociais adotadas durante a última década", que acabaram enfraquecendo o sistema de produção. Mas as observações do Escritório são especialmente duras em relação à ação das forças de segurança e das forças especiais da Polícia Bolivariana.

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As forças de segurança

"A FAES, uma unidade de resposta rápida criada em 2017 para combater o crime organizado, foram supostamente responsáveis por numerosas execuções extrajudiciais em operações de segurança, bem como o CICPC [a polícia científica]. Os serviços de inteligência [o SEBIN e a DGCIM, a contrainteligência militar] têm sido responsáveis por detenções arbitrárias, maus-tratos e tortura de opositores/as, políticos/as e de suas famílias", assinala o texto. Esses procedimentos se enquadram em um contexto em que as tropas de choque do chavismo, os coletivos armados, "contribuem para esse sistema exercendo controle social nas comunidades locais, e apoiando as forças de segurança na repressão de manifestações e da dissidência".

O Alto Comissariado relata denúncias dessas execuções, prisões arbitrárias e perseguição de oponentes. Apresenta a cifra de 5.287 mortes –segundo o Governo de Maduro, por "resistência à autoridade"– no curso dessas operações das FAES em 2018 e de outras 1.569 mortes entre janeiro e maio deste ano. Também observa que um mês antes de sua visita havia 793 pessoas arbitrariamente privadas de liberdade, incluindo 58 mulheres, e até agora neste ano 22 deputados da Assembleia Nacional, incluindo o seu presidente, foram despojados de sua imunidade parlamentar.

Duas visitas

A ex-presidenta do Chile visitou o país entre 19 e 21 de junho e se encontrou com Maduro, o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, ONGs e pessoas atuantes da sociedade civil. "Durante minha visita à Venezuela, pude conhecer diretamente as histórias daqueles que foram vítimas da violência do Estado e seus pedidos de justiça. Transmiti com exatidão as suas opiniões e as da sociedade civil, bem como as violações dos direitos humanos documentadas neste relatório, às autoridades competentes", afirmou a alta comissária. Quando estava prestes a deixar a Venezuela, as autoridades detiveram um grupo de militares, pela acusação de planejar um ataque contra Maduro. Um deles, o capitão de corveta Rafael Acosta Arévalo, morreu sob a custódia de agentes da Direção Geral de ContraInteligência Militar (DGCIM). O resultado da autópsia, vazado por funcionários do Estado, indica que faleceu depois de sofrer torturas contínuas.

Desde 2004 a Venezuela não recebia uma avaliação in loco da situação dos direitos humanos. A visita de Bachelet foi precedida pela de uma equipe técnica que, em meio à crise da energia elétrica em março, percorreu quatro cidades do país e entrevistou ativistas. O escrutínio a que o chavismo se deixa submeter agora, depois de anos se recusando a receber a visita de autoridades como essas, ocorre no momento em que Maduro, como líder da revolução, está contra as cordas e o país enfrenta a sua pior crise econômica, política e institucional.

“O Governo concordou em autorizar gradualmente a assistência humanitária das Nações Unidas e de outros atores. No entanto, o nível de assistência é mínimo em relação à magnitude da crise e há a necessidade urgente de adotar reformas econômicas estruturais.” Em outra parte do texto, afirma: "Exorto todas as pessoas com poder e influência –tanto na Venezuela como no restante do mundo– a colaborarem e assumirem os compromissos necessários para resolver essa crise que está arrasando tudo. Meu Escritório está pronto para continuar apoiando."

Separação de poderes

Bachelet contrapõe aos dados em seu relatório as omissões do sistema judicial e critica duramente o procurador-geral designado pela Constituinte, Tarek William Saab, com quem manteve uma breve reunião durante a visita. "O Ministério Público tem descumprido regularmente sua obrigação de investigar e levar à Justiça as pessoas responsáveis pelos fatos e a Defensoria Pública mantém silêncio ante as violações dos direitos humanos. Nenhuma dessas instituições, nem o Governo nem a Polícia, dão proteção às vítimas e testemunhas de violações dos direitos humanos. Além disso, o procurador-geral participa de uma retórica pública de estigmatização e descrédito da oposição e de quem critica o Governo, violando assim o princípio da presunção de inocência.”

O relatório dedica um capítulo às sanções econômicas aplicadas ao país, às quais o Governo de Maduro atribuiu sistematicamente a responsabilidade pela atual crise. Nesta seção destaca que a maioria das sanções é de natureza seletiva e consiste no congelamento de ativos e proibição de viagens para cerca de 150 altos funcionários. "A economia venezuelana, especialmente a indústria petrolífera e os sistemas de produção de alimentos, já estavam em crise antes que fosse imposta qualquer sanção setorial. As cifras publicadas pelo Banco Central da Venezuela em 28 de maio de 2019 mostram que os indicadores econômicos fundamentais começaram a se degradar drasticamente muito antes de agosto de 2017. No entanto, as últimas sanções econômicas estão agravando ainda mais os efeitos da crise econômica, e, portanto, a situação humanitária. O relatório aponta como origem da crise humanitária na Venezuela "o desvio de recursos, a corrupção e a falta de manutenção da infraestrutura pública, bem como o subinvestimento, que resultaram em violações do direito a um nível de vida adequado."

Governo de Maduro apresenta 70 alegações

O Governo Maduro apresentou 70 observações ao relatório de Bachelet. Segundo o documento entregue pelo Ministério das Relações Exteriores, a ONU oferece "uma visão seletiva e abertamente parcial da verdadeira situação dos direitos humanos da República Bolivariana da Venezuela, que contradiz os princípios que devem reger o tratamento das questões de direitos humanos, incluídos no Declaração e Programa de Ação de Viena”.

"É especialmente preocupante que 82% das entrevistas utilizadas para fundamentar o seu relatório correspondam a pessoas localizadas fora do território da República Bolivariana da Venezuela, especialmente tendo em conta que tal Escritório fez duas visitas ao país durante o ano de 2019", continua o Governo. Além disso, de acordo com o Governo, não há referência a "outras medidas implementadas pelo Governo da Venezuela que têm impacto positivo no poder aquisitivo do povo venezuelano". Ou seja, os subsídios contemplados pelo chamado carnê da pátria ou a gratuidade dos serviços públicos. O Ministério das Relações Exteriores também nega que na Venezuela existam "pessoas detidas" por motivos políticos. Com esses argumentos, o Executivo pediu às Nações Unidas que modifiquem o relatório antes de sua publicação.

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