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Amsterdã quer pôr fim ao espetáculo da prostituição

Prefeita propõe fechar vitrines do Bairro Vermelho onde exibem as mulheres ou as mudar de lugar. Outra opção é correr as cortinas para evitar turistas menores de idade

Homem passa em frente a uma vitrine de prostitutas no Bairro Vermelho de Amsterdã, em abril de 2017.
Homem passa em frente a uma vitrine de prostitutas no Bairro Vermelho de Amsterdã, em abril de 2017.Getty
Isabel Ferrer
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O Bairro Vermelho de Amsterdã, um dos mais populares da cidade e onde mais de 600 prostitutas trabalham exibindo-se nas famosas vitrines, mudará de aspecto. A prefeita, a ecologista Femke Halsema, apresentou nesta quarta-feira um projeto para acabar com o turismo em massa que congestiona o lugar, além de combater a prostituição ilegal e o tráfico de pessoas. Halsema considera que a capital holandesa está pronta para uma mudança de imagem que, se for aceita pelos cidadãos, prevê o fechamento não apenas das cortinas das vitrines das prostitutas (para evitar os grupos de curiosos), mas também dos bordéis da região — que seriam distribuídos por outras zonas da cidade.

A prostituição foi regulamentada como trabalho na Holanda em 2000, e a prefeita é pragmática. “[A atividade] foi legalizada porque achamos que é uma oportunidade para que a mulher que a exerce seja independente. É um fato histórico no centro urbano, mas é analisado de um ponto de vista moralizante ou a partir de discussões muito polarizadas. É necessário conversar com todos e chegar a um consenso, embora a decisão final caiba à Prefeitura. Eu incentivo o debate”, declarou Halsema ao jornal local Het Parool.

A prefeita de Amsterdã, Femke Halsema, em 26 de junho.
A prefeita de Amsterdã, Femke Halsema, em 26 de junho.REUTERS

Seus planos, que ganham intensidade, são os seguintes: fechar as cortinas das vitrines para que as prostitutas não sejam uma atração turística, embora elas possam também se sentir desprotegidas — um aspecto que deve ser considerado; fechar uma parte dos edifícios e suas janelas para abri-los em outras zonas da cidade, a fim de que não seja necessário compensar os donos do imóvel (as mulheres alugam esses pontos); ampliar o número de vitrines e bordéis no Bairro Vermelho, mas mantendo as cortinas fechadas; ou fechar tudo no bairro e distribuir vitrines e bordéis em Amsterdã ou talvez nos arredores. Todo um leque para que os cidadãos opinem.

Segundo a prefeita, “devem ser assegurados os direitos das prostitutas para que trabalhem de forma autônoma, mas no Bairro Vermelho elas se transformaram em atração e as pessoas riem delas, insultam ou fazem fotos sem autorização. Também é preciso combater o tráfico de pessoas, a fraude e a lavagem de dinheiro, devolvendo a tranquilidade ao bairro.”

Os diferentes modelos da Europa

• Limbo jurídico. Espanha, Itália. A prostituição na Espanha está num limbo jurídico, embora certos regulamentos municipais a proíbam em algumas cidades.

• Abolicionismo. Suécia, Noruega e França. A Suécia aprovou uma lei em 1999 que punia a compra de serviços sexuais. O país penaliza clientes e proxenetas com multas e até prisão.

• Legalismo. Holanda, Alemanha, Dinamarca. Na Holanda, a prostituição é regulamentada como um trabalho desde 2000. A lei obriga os donos de bordéis a pagarem impostos e a contribuição previdenciária das prostitutas. Elas têm direito a seguro-desemprego e outros benefícios.

No sindicato que reúne as trabalhadoras, Proud, o amplo projeto não foi bem recebido. “Não empodera as mulheres de maneira alguma. Elas devem tomar suas próprias decisões. É preciso deixá-las trabalhar por conta própria. Todas sabem como ter acesso à polícia ou às instâncias adequadas se acontecer alguma coisa. Não é preciso obrigá-las a pedir permissão para ter clientes em casa com a desculpa do tráfico de pessoas”, afirma Foxxi Angel, porta-voz sindical, que trabalha com esse nome. A lei holandesa considera a prostituta uma trabalhadora autônoma, e cada Prefeitura decide se exige ou não uma licença de trabalho. Para os bordéis, o documento é obrigatório.

O sindicato calcula que “das cerca de 600 trabalhadoras do bairro, 50% são da Europa Central e Oriental; as demais, da América Latina. São dados aproximados, pois há muito poucas holandesas autóctones”.

A proposta preferida pela associação seria uma mistura dos planos publicados, mas sempre respeitando a independência das mulheres que trabalham como acompanhantes ou em casa por conta própria, que rechaçam as licenças. “Que deixem as janelas como estão e não vigiem as casas particulares com a desculpa de que ali pode haver tráfico de pessoas. O problema é a massificação turística, mas a culpa disso é da Prefeitura, não das mulheres. As trabalhadoras sempre estiveram aí. Os turistas são atraídos pela cidade, que fez campanha durante anos para ser atrativa porque isso traz muita renda. Que regulem [o turismo] melhor”, afirma Foxxi Angel.

Vigilância policial

Masten Stavast, arquiteto e dono da boate Agapi (“amor”, em grego), que explora 27 janelas no Bairro Vermelho, diz que fechá-las ou cobri-las com as cortinas é uma “besteira”. “No bairro há muito controle e vigilância policial. Aqui não cabe o tráfico de pessoas. Não se engane: o turista não vem a Amsterdã só para ver o Rijksmuseum (museu nacional da Holanda). Essa é uma zona muito visitada, e os clientes das meninas são os turistas. Pode haver congestionamento na noite de sexta o no sábado, entre 22h e 23h, mas nada além disso. O problema é que, desde 2010, a Prefeitura fechou as vitrines de forma sistemática com a desculpa de melhorar as condições de vida das trabalhadoras e, de quebra, o ambiente local. Entre 120 e 150 vitrines desapareceram, e o que acontece é que alguns grupos de moradores das ruas vizinhas reclamam muito e são ouvidos. Já nós, da comunidade de empresas do lugar, não somos levados tão em conta pelos poderes locais”, diz ele, pelo telefone.

Segundo informações do site da Agapi, o aluguel de um quarto custa 100 euros (430 reais) por dia para uma profissional do sexo; de noite, são 175 euros (753 reais). O turno manhã/tarde se estende até 20h. Já o da noite começa às 20h e chega às 5h da madrugada. “Em ambos, há vigilância do pessoal da boate para evitar clientes indesejáveis e maus-tratos. Em caso de emergência, a trabalhadora pode ativar um alarme. Em situações extremas, chamamos a polícia.”

Amsterdã “está pronta para pensar num Bairro Vermelho sem prostituição, se for necessário”, quis deixar claro a prefeita. Para a próxima semana, está previsto o primeiro encontro entre todos os interessados, ou seja, prostitutas, moradores, donos de boates e vitrines e a própria Prefeitura, para analisar os planos. Durante o verão, um mensageiro municipal se reunirá com cada um representante para averiguar quais são as propostas preferidas: uma ou duas, no máximo. Com base nessas sugestões, avaliadas e talvez retocadas, deve-se tomar a decisão final.

A difícil recuperação do bairro mais famoso

A prostituição se concentra no Bairro Vermelho de Amsterdã desde o século XVI, mas os atuais problemas associados ao lugar datam de 1970 por culpa do crime organizado, do tráfico de pessoas e da heroína. A imagem do distrito estava muito deteriorada em 1980, quando a Prefeitura decidiu tomar medidas mas não pôde conter os crimes mais graves. Os bordéis foram legalizados em 2000 e, entre 2007 e 2018, aplicou-se o chamado Projeto 1012 (código postal do bairro). A iniciativa promoveu a melhoria dos edifícios, a abertura de negócios de todo tipo e a redução do número de vitrines em uso para as prostitutas. No início de 2018, os auditores municipais concluíram que "o Projeto 1012 permitiu controlar melhor o uso das janelas, mas não está claro que seja efetivo contra o tráfico." Em outubro passado, a nova prefeita, Femke Halsema, anunciou que queria colaborar com todos para que este seja "um bairro seguro e bonito".

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