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Bolsonaro joga para a torcida

Jair Bolsonaro foi aplaudido e vaiado durante aparição em clássico entre Brasil e Argentina, no Mineirão. “É o nosso presidente. Devemos respeitá-lo”, diz Daniel Alves, capitão da seleção brasileira

Bolsonaro se exibe para torcedores no intervalo de jogo no Mineirão.
Bolsonaro se exibe para torcedores no intervalo de jogo no Mineirão.MAURO PIMENTEL (AFP)

Como manda o figurino de um verdadeiro clássico, a noite de Brasil x Argentina no Mineirão terminou de forma apoteótica para os mais de 50.000 torcedores a maioria brasileiros – que estiveram nas arquibancadas nesta terça-feira. O craque Lionel Messi, enfim, despertou na Copa América, mas a boa atuação não foi suficiente para que os argentinos conseguissem bater pela primeira vez a seleção no estádio de Belo Horizonte, nem para evitar que o Brasil retornasse a uma decisão do torneio continental após 12 anos. Para completar, a atmosfera pulsante da rivalidade no futebol ainda teve contornos políticos que deram a medida da divisão no jogo ideológico fora das quatro linhas.

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No intervalo da partida, o presidente Jair Bolsonaro entrou em campo, acenou para a torcida e chacoalhou uma bandeira do Brasil. Muitos torcedores à beira da arquibancada puxaram gritos de “mito, mito, mito” e aplausos, mas outra parte da torcida respondeu com vaias na saída do gramado. Antes, logo em seguida à execução do hino argentino, Bolsonaro já havia sido vaiado quando apareceu no telão ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes. O presidente foi recebido em Minas Gerais pelo governador Romeu Zema (Novo) e chegou ao estádio com uma comitiva de aliados que incluía o deputado Marco Feliciano, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, e o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional.

Dizendo-se prejudicada pela arbitragem, que deixou de analisar dois possíveis pênaltis com o VAR (árbitro de vídeo) a favor da seleção albiceleste, a Associação de Futebol da Argentina (AFA) enviou na tarde desta quarta-feira uma carta à Conmebol em que critica a presença de Bolsonaro no campo. “A imprudência na designação arbitral gerou um inevitável ambiente prévio à partida, agravado pela presença do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, no estádio Mineirão, de Belo Horizonte, que não passou imune aos jogadores, dirigentes e público em geral, já que foram evidentes suas manifestações políticas durante o desenvolvimento do jogo, não podendo deixar de mencionar que no intervalo ele deu uma verdadeira volta olímpica pelo estádio”, reclama a entidade.

Esta foi a quarta vez que Bolsonaro buscou atrair holofotes em jogos de futebol. No início de junho, o presidente compareceu ao estádio Mané Garrincha, em Brasília, para assistir ao amistoso entre Brasil e Catar. Após a partida, ele foi a um hospital na capital federal visitar Neymar, que saíra de campo lesionado. Nesta terça-feira, voltou a encontrar o craque brasileiro, cortado da Copa América, nos camarotes do Mineirão. Os dois posaram juntos para fotos divulgadas nas redes sociais do presidente.

Em Brasília, também fez questão de ser fotografado com o ministro da Justiça, Sergio Moro, no jogo entre Flamengo e CSA pelo Campeonato Brasileiro. Dois dias depois, Bolsonaro estava em São Paulo para a abertura da Copa América, no Morumbi, onde sua passagem foi bem mais discreta que a superexposição no Mineirão. Em dezembro, quando já havia sido eleito presidente, ele foi convidado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para a festa do título nacional do Palmeiras no Allianz Parque. Deu a volta olímpica com jogadores e ajudou a erguer a taça de campeão.

As recorrentes aparições do presidente em eventos de futebol refletem a aproximação da CBF com o Governo federal. Em abril, Bolsonaro recebeu no Palácio do Planalto o presidente da FIFA, Gianni Infantino, ao lado do recém-empossado mandatário da entidade brasileira, Rogério Caboclo, em que garantiu apoio institucional à Conmebol na realização da Copa América no país. Agora, na tribuna do Mineirão, Caboclo entregou uma camisa da seleção e uma placa para homenagear o presidente da República em nome do Comitê Organizador do torneio.

Bolsonaro é esperado no Maracanã para a final do próximo domingo. Se o protocolo diplomático dos eventos de encerramento com chancela da FIFA não for quebrado, ele deve pisar novamente no gramado para participar da cerimônia de premiação dos campeões. Questionado pela reportagem do EL PAÍS na saída do Mineirão, o lateral Daniel Alves, capitão da seleção brasileira e eleito o melhor jogador da partida contra a Argentina, afirmou que não vê problemas em receber a taça das mãos do presidente caso o Brasil fature o título. “É o nosso presidente. Devemos respeitá-lo. Como cidadãos brasileiros, nós [jogadores], assim como ele, representamos uma nação. O respeito numa sociedade é o primeiro passo a ser dado para construir um país realmente grande.”

Em outubro de 2018, no dia em que Bolsonaro foi eleito, Daniel Alves publicou uma mensagem em seu perfil no Instagram desejando sorte ao novo presidente, mas cobrando, por outro lado, a revisão de posicionamentos durante sua gestão. “Que Deus abençoe nosso Brasil, nosso povo e sobretudo nosso presidente. Que ele possa retificar algumas coisas que foram faladas na sua campanha e tratar humanos como seres humanos, independentemente de opções sexuais, posições sociais ou qualquer outra coisa.”

Aos 36 anos, o lateral pode ampliar sua coleção de troféus no domingo. Maior detentor de títulos oficiais (39) na história do futebol, ele já conhece o sabor de conquistar uma Copa América. Em 2007, marcou o terceiro gol do Brasil sobre a Argentina na decisão do torneio disputado na Venezuela. A atuação de gala no Mineirão ressalta sua importância em um grupo renovado, assim como o poder de liderança na equipe de Tite. Após a vitória sobre os argentinos, o técnico afirmou estar ansioso para fazer sua estreia no estádio mais lendário do Brasil como comandante da seleção. “Quando você fala que é jogador, sempre perguntam: ‘Jogou no Maracanã? Não? Então não é jogador’. Comigo é a mesma coisa. ‘Treinou no Maracanã? Não? Então não é técnico.’ E agora eu vou treinar no Maracanã pela primeira vez e me tornar técnico de seleção”, disse, em tom descontraído.

Alheio aos bastidores da Copa América, Tite já declarou que não se sentiria confortável em ir a Brasília visitar o presidente Jair Bolsonaro caso o Brasil vença a Copa América – uma possibilidade avaliada pela cúpula da CBF em meio ao processo de estreitamento de laços com o Planalto. No fim do ano passado, o treinador disse que sua atividade não se mistura com a política por entender que o futebol “é um meio que viabiliza princípios, uma série de outra escala de valores éticos, morais e competitivos”. Na mesma ocasião, o técnico reconheceu ter errado ao visitar o ex-presidente Lula, em 2012, na época em que comandava o Corinthians, e presenteá-lo com uma réplica da taça de campeão da Libertadores.

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