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Sobreviventes de Suzano se apegam ao esporte para superar a dor

Imersas em um luto difícil de superar, estudantes da escola Raul Brasil mergulham no esporte e sonham em abraçá-lo como profissão, enquanto se destacam em competições nacionais e internacionais

Beatriz Jucá
Rhillary Barbosa de Souza, 15 anos, em frente ao ginásio de Suzano.
Rhillary Barbosa de Souza, 15 anos, em frente ao ginásio de Suzano.
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No dia seguinte ao massacre de Suzano, a estudante Rhillary Barbosa de Souza, de 15 anos, viu sua história estampar os jornais como a de uma heroína. Usando técnicas de jiu-jítsu, ela conseguiu desestabilizar um dos dois autores do ataque e abrir o portão da escola Raul Brasil, viabilizando a própria fuga e a de dezenas de colegas. Cem dias depois da tragédia que a deixou em estado constante de alerta, seu maior medo é fracassar. Rillary virou uma espécie de referência para os demais estudantes, uma voz constante em defesa da reconstrução de uma escola que há meses tenta amenizar as fraturas deixadas por um crime terrível. "Isso me obriga a ser mais forte. Eu sinto que não posso fraquejar na frente das pessoas porque, se eu parar, mais gente pode parar também", diz.

A responsabilidade que abraçou, porém, não é fácil. Semanas atrás, dois alunos da mesma turma de Rillary conversavam na saída da escola e diziam que haviam decidido permanecer estudando ali pelo apoio da colega. "Tento dar esperança e força a eles porque eu sei que é difícil ficar na escola, pra mim também é muito difícil. Está tudo estranho lá", afirma Rillary. A estudante voltou à Raul Brasil uma semana depois do massacre, quando a escola reabriu suas portas com atividades lúdicas. Naquele dia, foi acompanhada pela mãe, a manicure Marilena de Souza, mas ficou ali por poucas horas porque a cena que viveu não saía da cabeça.

Rhillary Barbosa durante treino de jiu-jítsu.
Rhillary Barbosa durante treino de jiu-jítsu.Arquivo Pessoal

Somente duas semanas depois, conseguiu de fato retomar a rotina escolar. Mas ainda é difícil conseguir ir às aulas todos os dias. "Tô até com medo do meu boletim deste ano. Faltei bastante porque não tinha o mesmo ânimo", diz. Ela conta que procurou o atendimento psicológico disponibilizado na escola, mas desde o início resistia à ideia e sentiu que não melhorava ao conversar com os profissionais. "Eu desisti de procurar ajuda, entendi que a minha própria ajuda sou eu". A estudante diz que encontrou força para superar o luto da perda de amigos e professores no esporte.

Depois do massacre, os treinos de jiu-jítsu que fazia três vezes por semana desde 2013 foram intensificados para todos os dias. "Isso me ajuda bastante porque eu tenho muito apoio do meu professor", diz, referindo-se ao professor Ângelo Oliveira, faixa-preta no esporte e integrante do projeto social Bonsai. É com ele que ela divide as angústias quando precisa conversar sobre aquele 13 de março. Desde que os golpes que aprendeu no tatame lhe ajudaram a salvar a própria vida e a de dezenas de colegas, ela passou a ver o esporte sob uma nova perspectiva e ganhou sua primeira competição estadual. É no tatame que ela nutre hoje um novo sonho: o de ser lutadora profissional. "O tatame me ajuda a espairecer a mente. Ganhar foi uma experiência muito boa", diz ela, que é faixa branca. E planeja: "Agora pretendo levar isso profissionalmente".

"O sumô me ajudou a não ficar pensando no crime"

Estudantes Corina Eshley e Letícia Clemente Rodrigues, durante treino de sumô.
Estudantes Corina Eshley e Letícia Clemente Rodrigues, durante treino de sumô.

As irmãs Corina Eshley Clemente Rodrigues e Letícia Clemente Rodrigues também têm focado no esporte para superar a dor. Ambas são alunas da escola Raul Brasil, mas não haviam ido à aula no dia do ataque. Na manhã de 13 de março, quando os dois ex-alunos entraram armados na escola e mataram sete pessoas lá dentro, Corina estava em São Paulo para uma consulta médica. Recebeu no celular uma mensagem da mãe contando o que tinha acontecido e, incrédula, passou a acompanhar os detalhes pela televisão.

"Eu conhecia todo mundo. Na primeira vez que voltei à escola, chorei. Pra mim, já não era o mesmo lugar. Não era a Raul Brasil", afirma Corina, de 14 anos. A imagem da escola alegre, onde se fazia amizade fácil, agora lhe parecia profundamente triste. "Todo mundo mudou. A alegria de antes não existe mais. É muito estranho você andar por ali e saber que haviam corpos dos seus amigos lá", conta. Mesmo que não estivesse presente naquele dia, Corina diz se sentir marcada pela tragédia. "O sumô foi o que me ajudou a não ficar pensando nisso, a tentar superar", diz.

A estudante começou a praticar o esporte em 2013, mas depois do ataque à escola Raul Brasil resolveu focar mais nos treinos. Em abril, ela e a irmã Letícia fizeram a seletiva mundial e foram classificadas para integrar a seleção brasileira de sumô. Até então, as duas já haviam vencido algumas competições locais. Agora, buscam patrocínio para viajar em outubro ao Japão, onde disputarão o torneio mundial: Corina na categoria de peso absoluto, e Letícia na de peso médio. "Depois do que aconteceu na escola, comecei a tornar esse sonho mais firme. Quero me esforçar ainda mais", finaliza Corina.

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