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#VazaJato: haja o que houver, só não pode sobrar para a imprensa

Chama a atenção que alguns setores da sociedade flertem com a (perigosa) ideia de responsabilizar os próprios jornalistas pelo “vazamento” ou compartilhamento das conversas citadas

Ministro da Justiça Sergio Moro. REUTERS

O escândalo causado pela divulgação de diálogos entre Procuradores da República membros da força tarefa da Lava Jato e o juiz de direito que atuava no caso deve gerar inúmeros desdobramentos jurídicos e políticos aos citados e envolvidos. Mas, quaisquer que sejam esses resultados, é importante que finquemos uma barreira intransponível nessa discussão: os jornalistas autores do #VazaJato estão protegidos pelas prerrogativas profissionais, constitucionais e internacionais que garantem e protegem o trabalho realizado, especialmente no que toca à(s) fonte(s) do material divulgado.

Chama a atenção que alguns setores da sociedade flertem com a (perigosa) ideia de responsabilizar os próprios jornalistas pelo “vazamento” ou compartilhamento das conversas citadas. É preciso reafirmar que sob a ótica das garantias inerentes à atividade jornalística, pouco importa quem ou como as conversas foram obtidas pela fonte, e sim se aquelas informações possuem aparência de veracidade e são de interesse jornalístico/público. Quem faz essa avaliação? O próprio jornalista.

Essa prerrogativa é um dos pilares das democracias modernas, tendo sido positivado inclusive na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que assegura a liberdade de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Não é à toa que o legislador constituinte brasileiro, pós ditadura militar, houve por bem positivar de modo expresso e inequívoco essa garantia aos profissionais da imprensa no rol dos direitos e garantias fundamentais dispostos no artigo 5º da Constituição Federal, considerado o “núcleo duro” dos direitos do texto constitucional. O inciso XIV desse artigo assegura a todos o acesso à informação e o sigilo da fonte, quando necessário ao sigilo profissional. Vale destacar, também, que o Código de Processo Penal brasileiro reflete e protege essa mesma garantia, chegando a proibir de depor como testemunha em processos judiciais as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo (art. 207).

Essa garantia inequívoca não pode ser descolada do jornalismo e é justamente através dela que se estabelece não só a própria atividade da imprensa como também a possibilidade de que os cidadãos e cidadãs possam formar suas opiniões e tomar decisões de maneira livre e consciente. É a garantia do sigilo da fonte, em outras palavras, que edifica uma sociedade que se quer democrática.

Em sentido oposto, qualquer tentativa de imputar aos jornalistas do portal jornalístico The Intercept a prática de algum delito é que pode, sob a ótica do direito penal, se consumar, aí sim, em crime. Explica-se: é que dar causa à instauração de investigação policial ou de processo judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, é uma conduta tipificada como denunciação caluniosa - e que pode gerar uma pena de reclusão de até 8 anos. Se, por sua vez, essa denúncia vier formalizada por uma autoridade pública, o Judiciário pode classificá-la como abuso de autoridade, já que perpetrado contra direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional - e a sanção pode ser a perda do cargo do denunciante (Lei Federal n.º 4898/65).

Em suma, o jornalista não é autoridade policial e muito menos bedel de conduta alheia. A ele cabe o mister de, em tendo conhecimento de uma informação que julga de interesse público, divulgá-la. Doa a quem doer.

Rafael Custódio, 37, advogado criminalista.