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Assim se luta contra o pornô de vingança

Governos e plataformas procuram fórmulas para deter a difusão de imagens íntimas sem consentimento. E os ativistas pedem punições mais duras pelo estigma sofrido pelas vítimas

Concentração em Madri pela mulher que se suicidou neste mês de maio depois da difusão de seus vídeos íntimos.
Concentração em Madri pela mulher que se suicidou neste mês de maio depois da difusão de seus vídeos íntimos.JAIME VILLANUEVA
Raquel Seco
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Você envia uma foto ou vídeo insinuante a seu companheiro ou companheira e tempos depois, quando já não estão juntos, aquela pessoa na qual confiava compartilha essas imagens com outros sem sua permissão. Isso se chama pornô de vingança: aquela troca de mensagens sexuais, divertida, íntima, se torna de domínio público e suas repercussões, às vezes, se tornam trágicas. Isso ocorreu com Tiziana, uma italiana de 31 anos que se suicidou após a divulgação de seus vídeos sexuais e ela se transformar em protagonista de inúmeras brincadeiras machistas. Isso aconteceu, há somente três semanas, a uma mulher na Espanha que viu como seus vídeos circulavam entre colegas de trabalho.

O pornô de vingança é suficientemente combatido na Espanha? Moisés Barrio, advogado do Conselho de Estado e especialista em direito digital, diz que a resposta está, mais que em endurecer as condenações, na educação digital e na conscientização. A presidenta da Associação de Mulheres Juristas Themis, María Ángeles Jaime de Pablo, não é partidária de reformas “contínuas” no Código Penal (a de 2015 punia a divulgação não autorizada de gravações íntimas, mesmo obtidas com consentimento. Antes, como no caso da ex-vereadora Olvido Hormigos em 2012, para a Justiça não era crime contra a intimidade se a pessoa gravasse e enviasse imagens a um primeiro destinatário). A presidenta do Themis alerta sobre o perigo de legislar a partir de casos concretos (fazê-lo pode ser “populismo legislativo”, afirma), mas reconhece que são evidentes algumas lacunas, como o fato de uma pena curta, de meses, às vezes não significa ida à prisão para o responsável, e frisa como o pornô de vingança “aterroriza” especialmente as mulheres, que enfrentam o estigma social. “É preciso endurecer muito as penas. Devem ser exemplares”, propõe a presidenta da Associação Stop Violência de Gênero Digital, Encarni Iglesias, que incide na dificuldade de perseguir crimes em diferentes países em um entorno global como a Internet. Advogados do escritório Reclamador consideram que as penas na Espanha são “muito frágeis em relação às consequências à vítima”, e pretendem igualá-las às de crime de gravação sem consentimento (de dois a cinco anos) e agravar esse último.

No restante da Europa, os países tentam atualizar suas legislações contra esse tipo de assédio. A Itália, após a tragédia de Tiziana, impulsionou uma lei com penas de um a seis anos de prisão e multas de 5.000 a 15.000 euros (21.000 a 65.000 reais). O Reino Unido tipifica como crimes desde 2015 compartilhar imagens sexuais sem permissão de quem aparece nelas. Até 2016, mais de 200 pessoas foram processadas, com penas de prisão de até dois anos, diz a Associação Europeia de Mulheres Juristas (EWLA, na sigla em inglês). A França adotou em 2016 a Lei para a República Digital, que endureceu as sanções (dois anos de prisão e multas de 60.000 euros – 260.000 reais). Na Alemanha, um tribunal em 2014 declarou ilegal que uma pessoa guarde imagens íntimas de seu ex-companheiro ou companheira se foi pedido para que fossem apagadas.

Essas mudanças vão na direção correta, mas não são suficientes, diz o Instituto Europeu da Igualdade de Gênero (EIGE), que em um relatório de 2017 aposta em garantir a mesma proteção e prevenção em todos os países da União. O EIGE frisa “as atitudes de culpabilização das vítimas, que demonstram uma falta de compreensão e concentração” do problema. Nos EUA, por volta de 40 Estados já punem o revenge porn – Nova York o fez em fevereiro –, mas em outros continua o debate sobre se essas leis limitam de alguma forma a liberdade de expressão. Ativistas como a The Badass Army, uma organização de vítimas de extorsão e vingança, lutam para que as penas no país sejam endurecidas. Na Argentina, o pornô de vingança se tornou crime informático nesse ano.

As plataformas de Internet também tomam medidas contra esse tipo de crime, com mais ou menos eficiência e acerto. Em 2017, o Facebook pediu a alguns usuários, como parte de um programa piloto, que lhe entregassem suas fotos em que apareciam nus se temessem que pudessem ser compartilhadas por outros. Após toda a confusão que isso causou, nesse ano parece ter mudado sua estratégia. Nos últimos meses, de acordo com a imprensa norte-americana, a rede social está fazendo testes com um sistema de inteligência artificial que promete identificar quando uma imagem foi publicada sem consentimento de seus protagonistas. Outras plataformas, como o Twitter e o Reddit, também têm regras específicas contra esse tipo de crime, mas paradoxalmente, em linhas gerais, continuam sendo as vítimas as que precisam se encarregar de vigiar e denunciar a distribuição de suas próprias imagens. E apelar ao direito ao esquecimento não é simples, dizem as vítimas. O material tem potencial para se multiplicar na Rede, impulsionado por uma demanda infinita. No final das contas, o revenge porn é, há anos, um gênero próprio de sucesso na pornografia.

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