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Racha em facção aprofunda a crise crônica nas penitenciárias de Manaus

Nova chacina acontece quando Governo do Amazonas ainda nem pagou indenização por massacre de 2017. Situação é fruto “de um certo descontrole do poder estatal em relação a essas prisões”, diz Moro

Mulher chora diante com complexo penitenciário em Manaus.
Mulher chora diante com complexo penitenciário em Manaus. BRUNO KELLY (REUTERS)

Um racha na maior facção criminosa do Amazonas, a Família do Norte (FDN), tem provocado rixas há pelo menos dois anos nos presídios do Estado. Reflete-se também no comportamento e embates dos criminosos nas ruas. Segundo fontes que trabalharam no serviço de inteligência nos últimos Governos estaduais amazonense, esse é o contexto da nova onda de violência prisional que deixou 55 mortos em duas cadeias de Manaus no domingo e na segunda-feira.

No início da tarde desta terça, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) realizou a transferência dos primeiros nove detentos identificados como sendo líderes dos assassinatos nas penitenciárias. Mas, para uma das fontes de inteligência ouvidas pela reportagem, uma medida urgente para resolver a crise crônica é outra: “O racha começou quando o Comando Vermelho (CV), facção carioca, se infiltrou na FDN. Falta vontade política para infiltrar homens da inteligência nos presídios e coibir essas chacinas, que vão continuar ocorrendo se não houver uma decisão rápida.” A outra facção que comanda o crime na capital e cidades nos arredores de Manaus é o paulistano Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior organização criminosa do país, que disputa o controle da região Norte, estratégica na rota da droga.

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A crise também tem uma faceta para as famílias dos mortos. O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), afirmou nesta terça que não irá pagar nenhuma indenização à família dos detentos.  “Não temos dinheiro para isso, estamos endividados e agora vamos pagar a primeira parcela do 13º salário dos funcionários, é a prioridade”, destacou o governador em coletiva no fim da tarde.

O EL PAÍS apurou que nenhuma das 56 famílias que perderam parentes na última rebelião em presídio em Manaus, em 2017, foi ressarcida. Em nota enviada à reportagem pela Defensoria do Estado disse que “ainda considera acionar o Poder Judiciário, a fim de fazer valer o que está previsto em lei, desde que o Estado confirme, de forma definitiva, que não pagará as indenizações, e pelas informações que temos até hoje, as indenizações não foram pagas.”

Os corpos de 16 dos 55 detentos mortos nas chacinas já foram liberados para as famílias. O irmão de um dos presos ainda não identificado pelo Instituto Médico Legal (IML) afirmou que a família irá procurar a Defensoria Pública para buscar indenização. “Meu irmão estava sob a responsabilidade do Estado e estava jurado de morte, ligou para minha mãe pedindo para ela procurar um advogado para mudá-lo de raia porque eles avisaram que iam matar e podiam ter evitado, se quisessem”, disse ele, que preferiu não dizer seu nome. Como não há espaço no IML, 39 corpos estão em um caminhão frigorífico cedido pela Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, estacionado ao lado do prédio do IML.

Toque de recolher via WhatsApp

Desde segunda-feira, grupos de WhatsApp em Manaus compartilharam à exaustão áudios anônimos de supostos líderes da FDN determinando um toque de recolher, especialmente em bairros como Compensa, Novo Aleixo, Jorge Teixeira e Cidade de Deus, alguns dos mais violentos da capital, que ficam nas zonas leste, norte e oeste. Sem admitir ser resposta às ameaças, a Policia Civil deflagrou hoje a Operação Cronos, que prendeu 17 pessoas, e a Policia Militar, a Operação Fecha Quartel, com o reforço anunciado de 600 policiais em todas as zonas da capital.

Enquanto isso, os integrantes da força-tarefa enviada pelo Ministério da Justiça a Manaus começaram  a chegar. Até a próxima sexta-feira, devem estar na cidade os cem especialistas em segurança que ficarão no Amazonas por 90 dias, segundo o governador. “Eles vão treinar nossos homens do serviço de inteligência e ficarão neste apoio para nos ajudar a remodelar o sistema, no momento em que estamos no fim do contrato da empresa que administra as penitenciárias”, disse ele.

A Umanizzzare Gestão Prisional e Serviços Ltda, cujo contrato termina neste sábado, recebeu 836 milhões nos últimos quatro anos administrando os presídios de Manaus, de acordo com o Portal Transparência do Estado. Todos os presídios estão trabalhando com acima da capacidade de lotação esgotada. Ainda segundo Wilson Lima, a Umanizzare vai ficar gerindo os presídios até que seja feita nova licitação para administração das cadeias.

De Lisboa, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, disse que o massacre "resulta basicamente do fato de um certo descontrole do poder estatal em relação a essas prisões". "A informação que nós temos é que houve um conflito entre facções criminosas dentro das prisões o que pode acontecer a qualquer lugar do mundo, mas não deveria”, disse o ministro a jornalistas, segundo a Reuters. Para especialistas, a superpopulação carcerária é um dos motivos do fortalecimento das facções. Questionado, Moro defendeu a política de endurecimento das penas proposta pelo Governo que, segundo ele, é "seletiva.”  "Não estamos adotando medidas generalizadas."

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