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Tribuna
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Está nas mãos de Bolsonaro autorizar perdão a partidos políticos

Presidente deve decidir se sanciona ou veta pacote de bondades, como a anistia para siglas que não tenham destinado verbas suficientes para as candidaturas de mulheres

Plenário da Câmara dos Deputados, nesta terça.
Plenário da Câmara dos Deputados, nesta terça.Michel Jesus (Câmara dos Deputados)

A análise da produção legislativa dos últimos vinte anos revela que a crise do sistema político brasileiro tem sido agravada por regras cada vez mais complacentes com os partidos políticos.

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A Lei dos Partidos, de 1995, estabeleceu que a Justiça Eleitoral poderia suspender os repasses do fundo partidário em caso de irregularidades nas contas das legendas. Três anos depois a lei foi modificada para que as instâncias nacionais dos partidos não pudessem sofrer punição por atos praticados pelos órgãos estaduais ou municipais. Em 2009, veio o prazo prescricional de cinco anos para julgamento das contas e o efeito suspensivo obrigatório para recursos aos tribunais. A suspensão dos repasses do fundo partidário ficou limitada a doze meses e foi proibido o cancelamento do registro do partido quando os órgãos subnacionais não prestem contas.

Em setembro 2015, um novo pacote foi aprovado para que a pena pela desaprovação das contas fosse restrita a abatimentos nos repasses do fundo partidário, mas só até o limite do gasto irregular, com multa de no máximo 20%, vedados descontos no segundo semestre de anos eleitorais. Também ficou proibido suspender o registro de órgãos partidários com contas desaprovadas e a responsabilização de dirigentes foi extremamente dificultada. A cesta de benesses também passou a permitir a apresentação de documentos a qualquer momento, até o trânsito em julgado do processo de prestação de contas, expediente protelatório até hoje amplamente usado com vistas à prescrição. O último pacote, de 2017, foi imensamente generoso com as multas das legendas, com parcelas limitadas a 2% do repasse mensal do fundo partidário e algumas siglas passaram a dispor de — literalmente — centenas de anos para quitar seus débitos.

Agora, em pouco mais de um mês, o Congresso Nacional aprovou um texto substitutivo ao Projeto de Lei nº 1.321/2019, de autoria do deputado Paulinho da Força (SDD/SP), que fixa em até oito anos o prazo de duração das comissões provisórias, comprometendo gravemente as possibilidades de renovação e democratização da vida partidária brasileira.

As comissões provisórias são mecanismo legítimo de facilitação do espraiamento da presença dos partidos pelo território nacional, desde que se respeite o caráter de transitoriedade que o instituto carrega em sua denominação. Do contrário, o que se verifica é a subversão do mecanismo, para que funcione como instrumento de perpetuação das cúpulas dirigentes, que podem alocar e retirar os membros das comissões provisórias segundo suas conveniências, minando a democracia interna dos partidos.

Além disso, o texto recentemente aprovado dá anistia para os partidos que tenham deixado de aplicar em programas de promoção da participação política das mulheres entre 2010 e 2018, bastando que tenham destinado 5% do fundo partidário no financiamento de candidaturas femininas. A proposta também pode dar anistia às multas aplicadas pela Receita Federal aos diretórios municipais, retirando recursos dos cofres públicos precisamente no momento em que o país enfrenta uma das piores crises fiscais de todos os tempos.

As evidências demonstram um movimento permanente de alterações legislativas para suavizar sanções e atomizar responsabilidades nas estruturas partidárias, justamente no período em que se desvela a centralidade das principais agremiações políticas em gravíssimos casos de corrupção. O contexto sugeria o aprimoramento dos mecanismos de transparência e controle social dos partidos, mas o que se nota é uma verdadeira espiral de reformas, marcada por condescendência e privilégios, que não encontra paralelo com o tratamento dispensado a outros tipos de organizações da sociedade civil.

Deixar de aplicar as penalidades previstas na legislação aos órgãos ou dirigentes partidários inadimplentes equivale na prática a repassar dinheiro público sem qualquer condicionante ou estímulo ao uso legal e diligente desses recursos.

O presidente Jair Bolsonaro tem até o meio do mês para decidir se sanciona ou veta mais esse pacote de bondades. Espera-se que o presidente seja coerente com seu discurso de campanha e interrompa a escalada de privilégios partidários.

Marcelo Issa, cientista político e advogado, é diretor-executivo do Movimento Transparência Partidária.

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