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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Medo, o protagonista psicopolítico das eleições espanholas

Com uma participação histórica de eleitores, muitos espanhóis votaram apavorados pelo VOX ou com medo de uma aliança de esquerda

Pedro Sánchez na sede do PSOE.
Pedro Sánchez na sede do PSOE. ULY MARTIN (EL PAÍS)
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A noite na Espanha foi de ataque cardíaco. A Espanha pentapartidária é uma realidade política tão nova que faz de qualquer previsão um ato suicida. Foram as eleições da polarização, foram as eleições das guerras culturais, foram as eleições dos indecisos, mas também as da ida maciça às urnas. Uma participação histórica. Quase 76% dos espanhóis votaram, nove pontos a mais que nas eleições de 2016. Em algumas regiões do país, como a Catalunha, o aumento tem sido impressionante, 18 pontos a mais que em 2016. Muitos foram às urnas apavorados pelo VOX e outros com medo de uma aliança de esquerda. O medo foi o protagonista psicopolítico nesta eleição, mas o “voto contra” favoreceu à esquerda. Ainda falta um longo caminho para garantir a governabilidade na Espanha que exigirá alianças entre diversos partidos de esquerda, incluindo provavelmente os nacionalistas, para conseguir uma base com 176 deputados, mas um bloco progressista parece garantido.

Cinco partidos. Cinco candidatos. Partido Socialista Obrero Español, (PSOE), Partido Popular (PP), Ciudadanos, Podemos, VOX. Cinco homens. Pedro Sánchez (PSOE), Pablo Casado (PP), Albert Rivera (Ciudadanos), Pablo Iglesias (Podemos), Santiago Abascal (VOX) A coalizão de Podemos, num simbolismo feminista, adotou o nome de Unidas-Podemos, mas na hora das urnas, continuava apostando no masculino. Dos cinco, Pedro Sanchez foi o ganhador indiscutível da noite. Com seu slogan “La Espanha que quieres”, dez meses depois da moção de censura de Mariano Rajoy (PP), a esquerda tradicional socialista ganhou as eleições com 122 deputados. Em 2016, tinha 85. Uma vitória conclusiva.

Se a grande ganhadora da noite foi a esquerda tradicional, a direita tradicional foi a grande perdedora. O PP almejava repetir a aliança que se deu em Andaluzia com o triunvirato Partido Popular, Ciudadanos e VOX. Não vai ser possível. O PP obtém 65 deputados. Tinha 137 em 2016. O partido acostumado a governar a Espanha perdeu a metade de seus representantes no Congresso. Em paralelo, a extrema direita do VOX consegue 24 deputados, bom resultado para um partido que se apresenta pela primeira vez em eleições nacionais, mas longe das expectativas de conseguir os 60-65 deputados que as melhores previsões lhes davam. O certo é que Pablo Casado (PP) assumiu uma postura mais à direita que seu predecessor, o ex-presidente Mariano Rajoy. Ele queria “refundar ideologicamente o PP”, pela direita, claro. Algo que os partidos de direita tradicional não parecem aprender é que a estratégia que muitos deles adotam de radicalizar seu discurso e abandonar as posturas socialdemocratas só acaba favorecendo os novos partidos de extrema direita. Muitos cidadãos preferem votar na extrema direta raíz do que na extrema direita Nutella. Os tucanos que o digam. O PP se mantém ainda como o principal referente da direita, mas em doença terminal. É a já conhecida autodestruição da direita por querer se parecer à extrema direita.

Muitos hoje respiramos aliviado porque depois de Trump, do Brexit, de Salvini, de Bolsonaro, estávamos assustados com um possível resultado grandioso do VOX. Parece que os espanhóis aprenderam com as lições internacionais e este resultado não se deu, mas o VOX está nas instituições. Com menos deputados do que o esperado, sim, mas a extrema direita já está no parlamento espanhol. E eles vão com todo seu arsenal pronto. Algo também essencial, o VOX capturou muitos dos votos dos eleitores frustrados, desencantados, os que ficavam em casa e hoje saíram dos sofás para votar. Como o próprio Santiago Abascal (VOX) falava nos seus comícios, muitos espanhóis silenciados ganharam voz. “Inicia-se a reconquista”, disse Abascal em sua primeira coletiva de imprensa depois de conhecer os resultados aos gritos de “viva Espanha” e bandeiras nacionais. De fato, a extrema direita politiza e empodera um setor da população que recupera a vontade das urnas motivada por discursos dos outsiders, do anticomunismo, contra a ideologia de gênero, o marxismo cultural, a ditadura progressista, a doutrinação, politicamente correto, mas também motivada por discursos de Estado mínimo. Sim, assustadoramente parecido à retórica bolsonarista.

Dos três grupos da fragmentada direita, Ciudadanos, fundado em 2006, é quem obtém um melhor resultado, 57 deputados (eram 32 em 2016). Ciudadanos representa uma nova direita neoliberal mais sofisticada, progressista no âmbito dos costumes, cosmopolita, com candidatos jovens e bem capacitados. E essa direita, que também representa o perigo do neoliberalismo, mas não o do discurso do ódio, conseguiu parar um maior avanço da extrema direita. Fora do campo da esquerda, para parar a extrema direita neoliberal bestializada, uma direita inteligente é fundamental.

A nova política está presente muito mais à direita do que à esquerda. O Podemos se desidrata como possível opção hegemônica na esquerda. O partido que alguns analistas, no êxtase posterior ao 15M definiram como o “renascimento da esquerda” fica com 42 deputados. Perde 29 representantes comparado ao ano 2016 e o PSOE ganha 37 em respeito ao mesmo ano. Parece claro que os votantes socialistas que migraram ao Podemos voltam a suas raízes. PSOE era o voto útil da esquerda e do centro contra VOX e um PP radicalizado.

Dois muros pararam um grande avanço do discurso da extrema direita na Espanha: uma centro esquerda forte e uma direita renovada não medíocre que não caiu na sedução da política do ódio.

Esther Solano Gallego, socióloga, professora da Unifesp

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