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Oito países sul-americanos lutam com a Amazon pelo uso de um domínio na Internet

A maior empresa de comércio eletrônico do mundo e os Governos disputam o domínio .amazon, carregado de valor simbólico e econômico

Naiara Galarraga Gortázar
Território indígena dos Surui, no Estado de Rondônia, na Amazônia.
Território indígena dos Surui, no Estado de Rondônia, na Amazônia.VICTOR MORIYAMA

A Amazon, a empresa que mais vale em Bolsa no mundo, trava com oito países sul-americanos uma longa e feroz batalha por um pedaço do ciberespaço carregado de valor simbólico e potencial econômico. O cenário são escritórios muito distantes da origem da disputa, a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo. As duas partes estão envolvidas em um litígio pelo domínio .amazon, por quem gerencia e como utiliza na Internet o termo Amazônia em inglês. A disputa começou há sete anos, quando a Amazon Inc., a gigante do comércio eletrônico, pediu ao organismo que decide como são distribuídos os domínios (Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números, ICANN na sigla em inglês) que o concedesse com exclusividade. Os países afetados não pedem o domínio .amazon para eles, mas exigem uma gestão compartilhada, exigem ter controle sobre como será usado. O enésimo prazo concedido pela ICANN para chegar a um acordo expirou no último domingo.

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Esta é uma guerra do século XXI, com advogados e diplomatas nas trincheiras. Uma batalha de desgaste na qual a ICANN tentou, sem sucesso, mediar. “Para nós, tem interesse histórico, cultural... Existe o sentimento de que se perde a propriedade na Internet de algo que é nosso há séculos”, diz em uma entrevista por telefone o embaixador Achilles Zaluar, diretor do departamento de promoção tecnológica do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o país onde está localizada a maior parte dos sete milhões de quilômetros quadrados da Amazônia (quase o dobro da superfície da União Europeia). “Ninguém discute a marca ou os interesses comerciais da empresa, mas o território digital”, ressalta. “Queremos que o direito de nos opormos se surgirem diferenças (sobre o uso do domínio) e queremos poder recorrer a uma arbitragem independente”, diz em referência aos oito países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, reunidos na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).

Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, batizou a empresa que criou com sua então esposa, MacKenzie, com o nome em inglês do rio mais longo do mundo porque pretendiam criar a maior livraria online do mundo. A Amazon cresceu muito mais, enquanto a Amazônia foi encolhendo devido ao desmatamento. O empresário norte-americano deu o nome de Amazon quando procurou em um dicionário por palavras que começassem com A. Não foi sua primeira escolha. A empresa de roupas esportivas Patagonia desistiu de um processo similar anos atrás diante da oposição de Argentina e Chile.

A Amazon tentou convencer os países amazônicos no ano passado com a promessa de cinco milhões de dólares (aproximadamente 19,62 milhões de reais) em livros eletrônicos Kindle e espaço de armazenamento na nuvem. Não aceitaram.

Outros casos

Fundada em 1998, a ICANN é o órgão que distribui os nomes e os números na Internet. Ou seja, os domínios (os nomes dos sites) e os IP (os longuíssimos números que são o documento de identidade de cada computador). Estes são outros casos interessantes ou relevantes que enfrentou.

.Patagonia: a empresa de roupas esportivas retirou seu pedido há alguns anos diante das críticas de Argentina e Chile.

.africa foi concedido a uma ONG sul-africana depois que dois terços dos países da União Africana concordaram.

Os domínios .nyc, .rio ou .berlin foram concedidos há anos, explica De la Parra, vice-presidente da ICANN.

.bar foi solicitado por empresários mexicanos que também pediram .cafe. Mas acontece que em Montenegro existe uma cidade chamada Bar, de modo que só conseguiram fazer com que a ICANN lhes concedesse o primeiro domínio depois da aceitação do prefeito montenegrino.

Na verdade, o litígio não é tanto pelo domínio .amazon, mas pelos chamados domínios de segundo nível que poderia gerar, como .hotel.amazon ou .turism.amazon porque, de acordo com o diplomata brasileiro, “poderia fazer as pessoas acreditarem que é garantido pelas autoridades da região, por exemplo.”

A ICANN estabeleceu há muitos anos as regras básicas de uso dos domínios, segundo as quais uma empresa ou um particular não podem ficar com o domínio de um país, por exemplo. E a concessão dos domínios geográficos requer a aprovação das autoridades locais. Mas quando a Amazon Inc. pediu para gerenciar sozinha o domínio .amazon, o termo não foi considerado geográfico porque “as traduções não são contempladas”, explica por telefone do México Rodrigo de la Parra, vice-presidente da ICANN para a América Latina e o Caribe. A batalha é pelo termo em inglês, não pelas denominações originais da Amazônia ou Amazonas.

De la Parra admite que é uma das disputas mais importantes que estão sobre na mesa deste órgão técnico e independente e também uma das mais longas, mas não é a única. Existem cerca de 1.200 solicitações para usar domínios para fins comerciais. “Passou tanto tempo porque premiamos o consenso. Nós somos neutros”, salienta de la Parra, um dos vice-presidentes desse órgão que inclui representantes de Governos, do setor privado e da comunidade tecnológica. Acrescenta que a ICANN mediou sem sucesso durante um ano antes de colocar vários prazos nos últimos meses que as partes descumpriram.

A última tentativa, explica o representante da ICANN, foi pedir à empresa “uma proposta que respeitasse as preocupações genuínas dos países de que respeitará o legado dos países amazônicos”. A carta, de 26 páginas, não satisfez os países que responderam em duas páginas pedindo mais tempo para tentar chegar a um acordo com o gigante do comércio. A diretoria da ICANN, composta por 21 pessoas, poderia tomar a decisão final ou ampliar novamente o prazo. O embaixador brasileiro Zaluar argumenta que, se for dado razão para a empresa Amazon, se estabelecerá um “precedente muito ruim” e cogita que as canetas Mont Blanc possam ser as próximas. As novas batalhas do século 21.

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