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Parentes se despedem de músico metralhado por militares com protesto em quartel no Rio

Justiça mantém prisão de nove dos dez militares que atuaram na ação que matou Evaldo Rosa. Após dois dias de silêncio, integrantes do Governo comentam o caso.

Luciana Nogueira, esposa de Evaldo Rosa dos Santos, no enterro do marido. Amigos do músico protestaram com bandeiras do Brasil manchadas de vermelho
Luciana Nogueira, esposa de Evaldo Rosa dos Santos, no enterro do marido. Amigos do músico protestaram com bandeiras do Brasil manchadas de vermelhoSERGIO MORAES (REUTERS)
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A Justiça Militar manteve a prisão de nove dos dez militares detidos em flagrante após dispararem mais de 80 vezes com seus fuzis contra o carro de uma família no bairro Guadalupe, do Rio de Janeiro, matando o músico Evaldo dos Santos Rosa. Ele foi enterrado na manhã desta quarta-feira sob forte comoção de amigos e familiares, que protestavam com bandeiras do Brasil manchadas de sangue e pediam respostas do Governo sobre o crime. Horas depois, a juíza Mariana Queiroz Aquino Campos, da 1ª Auditoria Militar do Rio, concedeu a liberdade provisória a apenas um dos agentes que estavam presos pelo crime. O soldado Leonardo Delfino Costa foi o único que declarou não ter feito nenhum disparo no depoimento prestado ao Exército. Ao todo, 12 militares participavam da operação de patrulhamento na área e são investigados pelo fuzilamento, mas dois deles não chegaram a ser presos em flagrante porque apenas dirigiam os veículos da tropa e, portanto, não atiraram.

O entendimento da juíza foi de que houve "quebra de regras de engajamento", já que os militares dispararam sem que houvessem sido ameaçados. Evaldo Rosa levava a esposa, o padrasto dela, o filho e uma afilhada para um chá de bebê de uma amiga quando teve seu carro alvejado pelos agentes. Os militares foram indiciados pelo homicídio de Evaldo e por tentativa de homicídio dos demais ocupantes do veículo. A versão dos investigados, segundo o Ministério Público Militar, é a de que confundiram o carro do músico com outro veículo, cujos ocupantes teriam atirado contra eles algumas horas antes. Conforme os depoimentos, o primeiro a atirar teria sido o tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo. Ele foi detido logo após o crime com outros nove soldados, após a Polícia Civil periciar o local e identificar indícios para uma prisão em flagrante. A decisão da Justiça Militar nesta quarta-feira converte essas detenções em prisões preventivas, que têm tempo ilimitado.

A Polícia Civil realizou a perícia porque a população se revoltou e não deixou que o próprio Exército fizesse esse trabalho, mas as investigações e os possíveis processos originados delas tramitarão na Justiça Militar. A Polícia Judiciária Militar é responsável pelas investigações, ainda em curso. Isso porque uma lei sancionada pelo então presidente Michel Temer em 2017 determina que crimes de dolo a vida praticados por militares contra civis durante operações devem ir para a Justiça Militar. Ativistas de direitos humanos interpretam esta lei como uma espécie de foro privilegiado aos militares, que nos últimos anos têm sido acionados para atuar em ações de segurança pública, e temem o risco de impunidade, já que os acusados são julgados por membros de sua própria corporação.

Familiares e amigos de Evaldo também levantaram essa questão nesta quarta-feira. Após o sepultamento de Evaldo Rosa, eles seguiram até o quartel-general da 1ª Divisão do Exército, o palácio Marechal Mascarenhas de Moraes, para protestar. Nas escadas da instituição, colocaram bandeiras do Brasil com manchas vermelhas que simulavam sangue e alguns cartazes. Uma das manifestantes chegou a gritar: "Bolsonaro, a culpa é tua". Um amigo também afirmou que a família da vítima sequer foi procurada pelo Comando Militar do Leste, que no fim da tarde prestou condolências aos parentes de Evaldo pelas redes sociais. No ato, amigos manifestavam o temor de que os responsáveis pela morte do músico fiquem impunes e cobravam alguma manifestação pública do presidente e de representantes do Governo sobre o caso.

Atuante no Twitter e eleito com várias promessas que visam garantir a segurança pública, o presidente Jair Bolsonaro — que é militar reformado — preferiu manter silêncio nos dois primeiros dias após o caso que chocou o país. Não se manifestou publicamente, mas, diante da pressão popular nas redes sociais, usou o seu porta-voz para manifestar que confia na apuração dos fatos pela Justiça Militar. O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, declarou à imprensa que Bolsonaro pediu celeridade nas investigações, mas negou que o presidente tenha manifestado pesar pelo assassinato. "As instituições do Exército Brasileiro, as instituições das Forças Armadas não compartilham com o equívoco dos seus integrantes, mas por óbvio precisa que seja feita uma apuração mais correta e justa possível", disse Rêgo Barros.

Familiares e amigos de Evaldo Rosa protestam após sepultamento de músico que morreu após ter o carro fuzilado por militares
Familiares e amigos de Evaldo Rosa protestam após sepultamento de músico que morreu após ter o carro fuzilado por militaresSilvia Izquierdo (AP)

O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, também só se manifestou no terceiro dia após as Forças Armadas dispararem 80 tiros contra o carro de uma família. O gestor — que propõe em seu pacote anticrime a redução ou exclusão de pena para agentes de segurança que matarem em serviço por "escusável medo, surpresa ou violenta emoção" — declarou que "lamentavelmente esses fatos podem acontecer" e que aparentemente o caso, ainda em investigação, não se enquadra sequer em uma ação em legítima defesa. Segundo Moro, este foi um "incidente bastante trágico". "O que eu vi, porém, é que, de imediato, o Exército começou a apurar esses fatos e tomar as providências que foram cabíveis. Afastou lá parte dos envolvidos. Submeteu eles a prisão. E tem que apurar, né, se houve ali. Os fatos vão ser esclarecidos. Se houve ali um incidente injustificável em qualquer espécie, o que aparentemente foi o caso", disse em entrevista ao Programa do Bial, da TV Globo, na última terça-feira.

Durante uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, reiterou que o presidente Bolsonaro mandou "apurar o que tem que ser apurado" e chamou de "lamentável incidente" o assassinato de Evaldo Rosa dos Santos durante uma operação de patrulha militar. "Vamos apurar e cortar na própria carne", garantiu o ministro.

Quem são os militares investigados

Em prisão preventiva:

  • Tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo: em prisão preventiva
  • Sargento Fábio Henrique Souza Braz da Silva
  • Soldado Gabriel Honorato
  • Soldado Matheus Santanna Claudino
  • Soldado Marlon Conceicao da Silva
  • Soldado João Lucas Goncalo
  • Soldado Leonardo Oliveira de Souza
  • Soldado Gabriel da Silva Barros Lins
  • Soldado Vitor Borges de Oliveira

Em liberdade provisória:

  • Soldado Leonardo Delfino Costa

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