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Quem pagou pelo vídeo revisionista da ditadura distribuído pelo Governo Bolsonaro?

“É preciso saber se foi pago com recursos públicos”, diz Gil Castello Branco, do Contas Abertas. Ao 'Globo', ator disse ter sido pago. Mourão disse que ideia foi de Bolsonaro

Captura do vídeo sobre a ditadura militar enviado pelo Governo Bolsonaro.
Captura do vídeo sobre a ditadura militar enviado pelo Governo Bolsonaro.
Marina Rossi
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No último domingo, enquanto militantes a favor e contra a ditadura militar se enfrentavam a socos e pontapés na avenida Paulista, um vídeo enviado a jornalistas pelo WhatsApp oficial do Planalto rememorava a data do golpe de 64, contando a versão do Governo Bolsonaro, um apologista da ditadura, para a história. “Se você tem a mesma idade que eu, sabe que houve um tempo em que o nosso céu, de repente, não tinha mais estrelas que outros”, diz um idoso, que não se identifica, evocando o hino nacional. Ele segue, afirmando que naquele tempo o Brasil vivia sob "a ameaça do comunismo", algo amplamente difundido pelo presidente Jair Bolsonaro, e contestado pelos historiadores, para justificar o golpe militar. “Havia sim muito medo no ar. Greve nas fábricas, insegurança em todos os lugares. Foi aí que, conclamado por jornais, rádios, TVs e principalmente pelo povo na rua, povo de verdade, pais, mães, igreja, que o Brasil lembrou que possuía um Exército Nacional. E apelou a ele”.

O narrador, um ator profissional segundo revelou o jornal O Globo, que foi procurado no sábado e pago para fazer o trabalho, finaliza o vídeo de quase dois minutos concluindo que o Exército salvou o Brasil do comunismo. “O Exército nos salvou. O Exército nos salvou”, repete ele. “E tudo isso acontecia num dia comum de hoje [sic], um 31 de março”. O vídeo não tem nenhuma marca do Governo ou de qualquer instituição oficial. Não foi veiculado em nenhum outro canal governamental, como site ou redes sociais (mas sim na página do filho do presidente, Eduardo Bolsonaro). Tampouco foi publicado pelo Exército, que, ao final é mencionado por uma segunda voz que afirma que “o Exército não quer palmas, nem homenagens. O Exército apenas cumpriu o seu papel”. Até agora, mais de 24 horas após a veiculação, ninguém assumiu a autoria do material. O Planalto, por meio da Secretaria de Comunicação (Secom), confirma que o vídeo foi enviado pelo canal oficial no WhatsApp, mas afirma que não se pronunciará sobre o caso. Nesta segunda-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão quebrou o silêncio sobre o caso e afirmou a um grupo de jornalistas em Brasília que o vídeo “foi divulgado pelo Planalto" e que foi "decisão dele [de Bolsonaro]” a sua veiculação.

Fontes afirmaram à reportagem que o vídeo não foi enviado pela Secom e sim pelo Gabinete Digital, responsável pela gestão das redes sociais e portal do Governo. Questionada sobre a autoria do material e quanto ele teria custado, o Planalto silenciou, ferindo o artigo 5º da Constituição, que concede a livre manifestação do pensamento, mas proíbe o anonimato. Para Gil Castello Branco, do Contas Abertas, entidade que acompanha os gastos públicos, é importante que o Governo esclareça a origem do vídeo. “É preciso saber se foi pago ou não com recursos públicos”, diz. “Em segundo lugar, é preciso saber até que ponto legalmente essa mensagem estaria ou não compreendida dentro do que deve ser a publicidade institucional do Governo”. Ele afirma que independentemente da autoria do vídeo, o Governo endossa a mensagem enviada ao divulgá-la em um canal oficial.

Caso na Justiça

Bolsonaro, que está em viagem oficial por Israel desde o domingo, mas segue verborrágico em suas redes sociais, não se pronunciou sobre o assunto e nem replicou o material em seus canais. Diferentemente de um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que publicou o vídeo em sua conta no Twitter logo pela manhã. Pelo horário da postagem, Eduardo Bolsonaro fez a publicação antes mesmo de ela ter sido enviada por WhatsApp.

A improvável indiferença do presidente em relação a um tema tão próximo a ele não é mero acaso. Na semana passada, Bolsonaro, que não considera a data um golpe, mas sim um "regime com autoridade", recomendou que os quartéis comemorassem “a data histórica”. A polêmica diante da postura revisionista do presidente foi parar na Justiça, que concedeu, na noite de sexta-feira, liminar proibindo as comemorações do golpe pelas Forças Armadas. Mas, no sábado de manhã, a decisão foi revertida, abrindo caminho para as celebrações. Desde a redemocratização, é a primeira vez que o Brasil tem um presidente que defende as festividades dessa data.

As questões não esclarecidas sobre o material fizeram com que a oposição levantasse suas orelhas no próprio domingo, quando prometeu entrar com representações em todas as instâncias possíveis para questionar o caso. De acordo com o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), seu partido recorrerá ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria Geral da República para denunciar os crimes de improbidade e responsabilidade. O deputado também promete convocar para prestar esclarecimentos na Câmara dos Deputados o secretário de Comunicação, que até o momento é Floriano Amorim.

O WhatsApp do Governo é um canal criado ainda na gestão de Michel Temer e administrado pela equipe de comunicação do Planalto. Não se trata de um grupo, mas sim de um número que transmite para quem está na lista vídeos institucionais, como os que defendem a reforma da Previdência, e outros materiais de divulgação do Governo. Até o domingo, todo material enviado por esse canal tinha a assinatura do Governo Federal.

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