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Movimento feminista prova sua força com mobilização maciça nas ruas da Espanha

País vira epicentro do feminismo mundial, com protestos que reuniram meio milhão de pessoas. No Brasil, mulheres foram às ruas por nenhum direito a menos e por Marielle

Centenas de milhares de manifestantes compareceram aos atos em Madri.
Centenas de milhares de manifestantes compareceram aos atos em Madri.EFE
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O protesto feminista na Espanha não para. A gigantesca mobilização exibida há um ano por centenas de milhares de mulheres, que haviam se declarado cansadas da lentidão com que a sociedade caminha à igualdade, não só se repetiu em várias cidades e povoados de todo o país. Foi até mesmo superada. As enormes manifestações do 8 de março, Dia da Mulher, foram outra vez o símbolo mais visível da mobilização. Chegaram a reunir em Madri, de acordo com as autoridades locais, de 350.000 a 375.000 pessoas (no ano passado, a mesma fonte calculou 170.000) e 220.000 em Valencia. No caso de Barcelona, a Guarda Urbana estimou em 200.000 os participantes. O EL PAÍS calcula em 230.000 os manifestantes no momento da lida do manifesto na capital espanhola. Mulheres foram às ruas contra a violência machista e por direitos em vários outros países do mundo, entre eles, na Argentina —onde a bandeira pelo aborto legal lotou as ruas de Buenos Aires—, e no Brasil, que cobrou justiça por Marielle Franco, assassinada há quase um ano.

A mobilização incluiu, pelo segundo ano consecutivo, um dia de greve feita pelas mulheres (de trabalho, de cuidados e de consumo) e uma paralisação estudantil e paralisações de duas horas nos locais de trabalho realizadas pelos dois sindicatos majoritários. E, apesar do apoio tão difícil de se medir e, de qualquer forma, desigual na parte trabalhista, a força da mobilização parece não ter equivalência em nenhuma outra parte do mundo, o que transforma a Espanha em uma espécie de posto avançado da visibilização da luta feminista.

Nesses últimos 12 meses, apesar da mudança de Executivo que levou ao Governo 11 ministras de um total de 17 – recorde mundial –, quase não existiram mudanças reais em questões fundamentais como a violência machista e a desigualdade salarial, de acesso aos postos de responsabilidade, detonadores claros da explosão de um ano atrás e motivo de discussão durante meses. Mas dessa vez, o retorno de debates que pareciam superados, como o do aborto, após o surgimento do partido ultradireitista Vox na paisagem política terminaram por fertilizar o ambiente para que se repetisse o apoio maciço à convocação dos diferentes coletivos da Comissão 8M sob o lema, dessa vez, de Temos 1.000 Motivos.

“Defendemos uma maneira de conviver e queremos fazer todas juntas, unidas, fortalecendo nossas alianças com outros movimentos sociais. Assim enfrentamos os que fazem sua política a partir da mentira e do desprezo às mulheres, a partir do medo, do ódio, da vitimização e do ressentimento”, diz o manifesto da comissão lido durante todo o dia nas diversas concentrações e manifestações. O texto também falava da necessidade de se continuar lutando – “com a força coletiva abrimos espaços e conseguimos algumas mudanças, mas nem todos e não para todas” –, declarou a mobilização espanhola solidária com a luta das mulheres de todo o mundo e enumerou uma série de objetivos, alguns bem concretos como o aborto continuar sendo um direito da mulher.

Somente entre Madri, Valencia e Barcelona, as manifestações convocadas na parte da tarde chegaram a reunir mais de 770.000 mulheres e homens, de acordo com os cálculos Governo em Madri e Valencia e a Guarda Urbana barcelonesa. Em Valencia, a concentração foi sem dúvida uma das maiores já vistas na cidade. Na Andaluzia, foram autorizados protestos nas oito capitais – somente em Sevilha 50.000 participaram, segundo a Polícia local – e em 139 povoados. A Federação de Associações de Mulheres Rurais lembrou também que ocorreram manifestações em centenas de municípios pequenos e médios de todo o país.

A força das jovens, imigrantes e refugiadas

Mas foram as estudantes que começaram a formar a mobilização pela manhã, quando milhares de jovens tomaram as ruas de Barcelona entre as praças Universidad e Sant Jaume, e de Madri, nas proximidades da Porta do Sol. Na capital, Leire, aluna de Pedagogia de 19 anos, afirmou: “Ninguém deve me falar que estou bonita quando estou sozinha na rua, me faz sentir insegura”. Bem perto, Laura Martín, de 20 anos, se dizia cansada de andar com medo na rua. “Eu me senti assediada muitas vezes pelos homens; passaram a mão na minha bunda na danceteria”, se queixou. “Quero andar sozinha sem problema”, e “queremos ser livres, não corajosas”, gritaram em Bilbao entre 30.000 e 50.000 pessoas durante um dos protestos que ocorreram mais cedo. Essas palavras de ordem percorreram durante todo o dia o restante do país.

Coletivo de imigrantes e refugiadas.
Coletivo de imigrantes e refugiadas.GTRES

Em 2018, 158.590 mulheres foram vítimas de violência machista na Espanha. Sete de cada 10 denúncias acabaram em condenação, de acordo com o Observatório contra a Violência Doméstica e de Gênero. No próprio dia 8 de março, um octogenário matou sua mulher com um tiro em Madri.

Na capital, além das estudantis, durante toda a manhã ocorreram concentrações em que se lia o manifesto, engrossadas por coletivos de mulheres negras, imigrantes e refugiadas. Magda e Amanda, funcionárias da empresa pública Ineco, foram da estação de Atocha rumo à rua Cibeles, usando lenços roxos: “Fazemos isso para continuar exigindo nossos direitos e pelas que vêm atrás. Outras lutaram por nós e agora nós precisamos fazê-lo”, disse Amanda. Imagens parecidas se repetiram em toda a Espanha. Em Sevilha, Isabel Garruta e Claudia González, empregadas em uma unidade de Justiça juvenil, afirmaram que fazem parte de uma equipe de 28 pessoas, das quais 23 são mulheres e somente cinco homens, mas dois deles são os chefes. “Todas estamos abaixo em cargos de poder e as que sobem são as que se demitem, continuam existindo sanções ocultas e represálias”.

A desigualdade trabalhista, em todos os seus formatos, também está entre os 1.000 motivos de queixa feitas pelas mulheres nas ruas na sexta-feira. E em setores com maior presença feminina, como a enfermagem, é ainda mais chamativo. Mas os problemas a solucionar não param aí: “Como enfermeiras, ainda se mantém a ideia de enfermeira sexy, sempre complacente e sempre disposta a agradar. Com certeza precisamos aguentar muitos comentários sexistas”, afirmou em uma concentração em Granada Pilar Juárez, que se diz do partido Cidadãos.

De fato, junto com o afastamento da mobilização por parte do Vox e do PP – cujos líderes foram criticados em várias concentrações –, o discurso alternativo do Cidadãos, com sua ideia de “feminismo liberal”, também marcou o dia em um cenário político em que a proximidade das eleições gerais (próximo dia 28 de abril) e europeias autônomas e municipais (dia 26 de maio) condiciona quase tudo. A candidata do Cidadãos à Prefeitura de Madri, Begoña Villacís, e a líder do partido na Catalunha, Inés Arrimadas, receberam gritos de protesto na manifestação da tarde em Madri.

Por parte do Governo socialista, também se manifestaram na capital, entre outras, a vice-presidenta Carmen Calvo e as ministras Nadia Calviño, Magdalena Valerio, Reyes Maroto, Dolores Delgado, e o fizeram ao lado de Begoña Gómez, esposa do presidente Pedro Sánchez. O Podemos também teve representação significativa liderada pela porta-voz do partido no Congresso, Irene Montero.

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