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Netflix compra os direitos de ‘Cem Anos de Solidão’ para fazer série

Os filhos de García Márquez, que até agora haviam se negado a autorizar a adaptação da obra-prima, serão produtores executivos

Gabriel García Márquez fotografado em sua casa da Cidade do México, em novembro de 2007
Gabriel García Márquez fotografado em sua casa da Cidade do México, em novembro de 2007Marcelo Salinas
Tom C. Avendaño

A Netflix conseguiu o que dezenas de produtores de cinema ansiavam havia meio século: os direitos de Cem Anos de Solidão, o romance de referência na obra de Gabriel García Márquez, que durante décadas duvidou que o livro pudesse funcionar na tela grande. Agora, no entanto, a lógica que rege as telas é outra, e os filhos do autor, Rodrigo e Gonzalo García, aceitaram que a Netflix transforme o clássico de seu pai em uma série. Será em espanhol, devido a uma exigência deixada pelo Nobel —mas também refletindo o interesse da plataforma por esse idioma, depois do sucesso de Narcos e Roma.

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A Netflix diz que contratará apenas talentos latino-americanos para a produção, que será rodada na Colômbia. “Sabemos que será mágica e importante para a Colômbia e a América Latina, mas o romance é universal”, disse Francisco Ramos, vice-presidente de produções em espanhol da Netflix, ao The New York Times.

Rodrigo e Gonzalo García serão produtores-executivos, uma área familiar para o primeiro. Dirigiu quase uma dúzia de filmes, entre elas Coisas Que Você Pode Dizer Só de Olhar Para Ela (1999), o drama bíblico Últimos Dias no Deserto (2015) e Albert Nobbs (2012), adaptando a obra de John Banville. Cem Anos de Solidão será seu décimo projeto televisivo, depois de dirigir capítulos de Os Sopranos, Six Feet Under, The Affair, Carnivàle e Blue, uma websérie que também produziu entre 2012 e 2014.

Esta compra por si só já prolonga a enorme trajetória da obra. Publicado em 1967, Cem Anos de Solidão é um desses títulos cujo legado —50 milhões de exemplares vendidos, traduções em 46 idiomas— dificilmente pode ser exagerado. Seu sucesso, fundamental no reconhecimento internacional de García Márquez e um fator crucial para a concessão do Nobel de Literatura a ele, em 1982, foi um dos pilares do boom literário latino-americana dos anos sessenta e setenta. Hoje, considera-se um dos trabalhos mais reconhecíveis do século XX. A história que conta, a da família Buendía, descendentes do fundador do povoado de Macondo, é até hoje uma saga imortal, vigente como leitura obrigatória no mundo inteiro, seja no mais remoto colégio do Meio-Oeste norte-americano ou em altos círculos acadêmicos europeus.

Todo esse prestígio estava incluído no preço que a Netflix pagou pelos direitos. Mas veio junto também a longa e pesada tradição de adaptações fracassadas de García Márquez para o cinema. Frente ao relativo sucesso de Ninguém Escreve ao Coronel, que Arturo Ripstein lançou em 1999, e que também transcorre em Macondo, há uma meia dúzia de títulos que só deixaram má lembrança: Crônica de Uma Morte Anunciada, protagonizada por Rupert Everett e Lucía Bosé em 1987, Amor nos Tempos do Cólera, de Mike Newell em 2007, com Javier Bardem como Florentino Ariza, e Memória de Minhas Putas Tristes, em 2011. Nenhum conseguiu convencer de que García Márquez e seu particular estilo de magia cotidiana, que é sugerido, mas não descrito, tinham um lugar no cinema.

Apesar de ser um cinéfilo convicto – foi colunista de cinema no El Espectador de Bogotá, aliás o primeiro da Colômbia – García Márquez não conseguia nem sequer imaginar uma versão de Cem Anos de Solidão que fizesse sentido. “Seria uma produção muito custosa, da qual precisariam participar grandes estrelas, como por exemplo Robert DeNiro no papel do coronel Aureliano Buendía, e Sophia Loren no de Úrsula, e isso a transformaria em outra coisa”, comentou o escritor em 1989 ao The New York Times, numa das muitas vezes em que se posicionou sobre o assunto. Acha que, se os leitores do romance imaginam os personagens como querem, uma adaptação destruiria essa margem de criatividade.

Seu filho Rodrigo herdou do pai não só o interesse pelo cinema como também a convicção de deixar suas obras em paz. “Não dirigirei um romance do meu pai porque seria um fenômeno de imprensa, não seria visto com objetividade”, refletia ao EL PAÍS em 2008 (não informou se dirigirá Cem Anos de Solidão). Naquela entrevista, comentava que Hollywood começava a agrupá-lo entre Alfonso Cuarón e Guillermo del Toro como os artífices da revolução hispânica de Hollywood. Agora, em tempos de Roma, Narcos e do Pinóquio que Del Toro está prestes a lançar pela plataforma, a revolução hispânica segue em frente. Mas será preciso mudar o seu nome. Já não é de Hollywood, e sim da Netflix.

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