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Belas Artes sem patrocínio mostra como a cultura é a primeira a perder em tempos de cobertor curto

Notícia do cancelamento do patrocínio de um dos principais cinemas de rua do país chega em momento de dúvida sobre futuro das políticas culturais no Brasil

O Cine Belas Artes, em São Paulo.
O Cine Belas Artes, em São Paulo.Divulgação

O cinema Caixa Belas Artes, um dos mais famosos cinemas de rua do país, localizado em São Paulo, amanheceu nesta quinta-feira como apenas Cine Belas Artes. A direção do estabelecimento, que reabriu em 2014 depois de passar três anos fechado, anunciou na terça-feira que a Caixa Econômica Federal deixará de patrociná-lo. Em busca de um novo patrocinador, André Sturm, coordenador da direção do local e ex-secretário da Cultura da cidade de São Paulo, informa que, caso não surja uma nova parceria, o cinema pode fechar dentro de dois meses.

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Os cinemas de rua representam apenas 10% das 3.223 salas de exibição em todo o Brasil, de acordo com a Agência Nacional de Cinema (Ancine), totalizando 344 salas. No último ano, pelo menos oito deles —todos independentes, ou seja, que funcionam com financiamento próprio ou graças a patrocínios— fecharam as portas em todo o país.

A notícia do cancelamento do patrocínio da Caixa chega em um momento de intenso debate e especulação sobre o futuro das políticas culturais no Brasil. No dia 13 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou no Twitter que os patrocínios da Petrobras estão "sob revisão" e afirmou que, ainda que reconhece "o valor da cultura e a necessidade de incentivá-la", o "Estado tem outras prioridades". Desde o início do programa oficial de patrocínio, em 2003, a estatal já apoiou mais de 4.000 projetos, entre eles, alguns dos principais eventos do setor no Brasil, como o Festival do Rio e a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, além de companhias tradicionais, como o Grupo Galpão, de Belo Horizonte, e a Cia. de Dança Deborah Colker, do Rio. 

Já na década de 1990, a Petrobras patrocinava produções nacionais: Carlota Joaquina, a Princesa do Brasil, filme que marcou a retomada do cinema nacional em 1995, e O Quatrilho, indicado ao Oscar em 1996, foram as primeiras produções cinematográficas que contaram com o apoio da estatal. Um dos slogans atuais da empresa diz: “Para nós, a cultura é uma energia poderosa que movimenta a sociedade”.

Para Fábio Cesnik, advogado especializado em leis de fomento à cultura, como a Lei Rouanet, as estatais são fundamentais no desenvolvimento cultural do país. "Desde a redemocratização e com a criação de incentivos fiscais, essas instituições foram parceiras dos vários Ministérios da Cultura. Vieram delas, por exemplo, alguns editais para descentralizar os recursos do eixo Rio-São Paulo", explica.

Fora desse eixo, outros centros culturais enfrentam dificuldades para manter as portas abertas. É o caso de museus históricos em Minas Gerais, como o Museu de Sant’Ana, em Tiradentes, e o Museu do Oratório, em Ouro Preto, que devem encerrar as atividades em março por falta de patrocínio e recursos para a manutenção, de acordo com Ângela Gutierrez, diretora do Instituto Gutierrez, que administra os museus. Os acervos de ambas instituições foram doados ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e possuem entrada gratuita para os habitantes locais, estudantes, professores e visitantes acima de 70 anos. Para os demais, é cobrado um ingresso no valor de quatro reais.

Cesnik considera que as políticas de patrocínio têm um papel fundamental na formação social dos cidadãos e lembra que o Artigo 215 da Constituição diz que "o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional". "Nesse sentido, as estatais são essenciais para que o Governo consiga cumprir com esse fundamento constitucional", diz o especialista.

Sobre a suposta reforma da Lei Rouanet —criada em 1991, durante o Governo Fernando Collor, para que o Estado assumisse a missão de fomentar a cultura brasileira—, que vêm sendo alvo de críticas desde o período eleitoral, Cesnik acredita que, de momento, é apenas especulação. A principal lei de incentivo à cultura na história do país é considerada em alguns setores da sociedade, em especial por apoiadores do presidente Bolsonaro, um “roubo ao dinheiro público” para “bancar artistas que já são milionários”.

"Até agora, o Governo prorrogou todos os projetos do ano passado e só deixa um sinal de preocupação: a demora na reabertura do sistema de fomento, que deveria ter sido aberto no dia 1 de fevereiro", pondera o advogado. O EL PAÍS perguntou à Secretaria Especial de Cultura, dentro do Ministério da Cidadania, por quê ocorreu esse atraso e se há uma previsão para a reabertura do sistema. A assessoria da pasta informou que o sistema "ainda não foi aberto devido às alterações na Instrução Normativa, a serem anunciadas em março".

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