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Guaidó aparece na Colômbia e sugere que militares da Venezuela o ajudaram a cruzar fronteira

Presidente interino da Venezuela dobra a aposta com operação humanitária na fronteira. Objetivo é induzir rebelião de militares contra Maduro

Sebastián Piñera, Iván Duque, Juan Guaidó and Mario Abdo
Guaidó em Cúcuta, na Colômbia, ladeado pelos presidentes colombiano e chileno.RAUL ARBOLEDA
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Juan Guaidó deu nesta sexta-feira um passo adiante em seu desafio a Nicolás Maduro. O político venezuelano conseguiu atravessar a fronteira com a Colômbia em um ponto indeterminado, apesar de a Suprema Corte de seu país –controlada pelo chavismo– tê-lo proibido de deixar a Venezuela, e apareceu de surpresa no megashow realizado em Cúcuta com artistas e políticos para angariar fundos e mantimentos para os venezuelanos em crise. Concluiu o feito quase 30 horas depois da viagem que começou em Caracas na manhã de quinta-feira e na qual conseguiu se livrar de várias barreiras de segurança chavistas. Já em território colombiano, Guaidó sugeriu que havia conseguido atravessar a divisa com o apoio dos militares venezuelanos: "Estamos aqui porque as Forças Armadas também participaram desse processo [de surgir na Colômbia]".

O líder venezuelano apareceu no palco ao lado dos presidentes da Colômbia, Ivan Duque, do Chile, Sebastián Piñera, do Paraguai, Mario Abdo Benítez, e do secretário-geral da OEA, Luis Almagro –o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, também em Cúcuta, publicou fotos com Guaidó. "Os obstáculos que a ditadura impõe hoje serão rios de paz, de unidade, de pessoas buscando salvar vidas no dia de amanhã", discursou o venezuelano, presidente do Parlamento do país, que há um mês se autodeclarou chefe interino de Estado contra Maduro, sendo reconhecido pelos EUA, Brasil, e mais de 50 países pelo mundo.

Com a viagem e sua entrada na Colômbia, Guaidó rompe uma ordem expressa do Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), controlado pelo chavismo, que no início do mês o proibiu de deixar a Venezuela. Quando perguntado sobre como planejava voltar a Caracas, ele disse que quer fazer isso de avião.

Foi mais um elemento da batalha disputada no terreno da propaganda e dos símbolos na fronteira. Nesta sexta, a região entre a Venezuela e a Colômbia foi cenário de um confronto inédito entre a oposição a Maduro e o chavismo. Separadas pela Ponte Internacional de Tienditas, exibiram as duas máquinas radicalmente opostas. Nas cercanias de Cúcuta, um enorme show organizado para pedir a entrada de ajuda humanitária prevista para sábado. A menos de 500 metros dali, a máquina governista venezuelana programou como resposta um evento musical paralelo em defesa do ideal anti-imperialista.

Com o movimento na fronteira, o desafio lançado a que Guaidó se lançou a uma mês ao se autoproclamar presidente terá seu desenlace nesse final de semana nos arredores de um posto fronteiriço que se transformou no emblema do êxodo de mais de três milhões de venezuelanos, de acordo com as Nações Unidas. A tentativa de introduzir 300 toneladas de medicamentos e alimentos na Venezuela, enviadas principalmente pelos Estados Unidos, será fundamental para determinar o equilíbrio de forças entre a Assembleia Nacional – presidida pelo próprio Guaidó  – e o chavismo.

A disputa foi retratada nas duas margens do rio Táchira, que demarca a fronteira entre os dois países. O megashow patrocinado pelo magnata britânico Richard Branson para arrecadar fundos para os venezuelanos, batizado como Venezuela Aid Live, demonstrou, por si só, a força do respaldo internacional à causa da oposição, que passa por Washington, Brasília, Bruxelas e a maioria dos Governos latino-americanos, com exceção do México. Mais de 160.000 pessoas estiveram no evento que, com investimento milionário, convocou músicos como Miguel Bosé, Alejandro Sanz, Paulina Rubio, Maluma e Maná.

As mensagens do dia giraram em torno à imigração venezuelana, da qual a Colômbia é o principal país receptor, e à importância da atuação dos soldados venezuelanos na solução da crise. Esse foi um fio condutor no palco e nas mensagens das autoridades. “Esperamos que as forças militares da Venezuela se coloquem do lado coreto da história e deem aos voluntários a possibilidade de entrar em seu território para ajudar seus irmãos. Hoje [sexta-feira] toda a América Latina se une pela liberdade da Venezuela”, disse o presidente colombiano, Iván Duque, acompanhado por Marito Abdo, mandatário do Paraguai. Suas palavras, e as de todos que lotaram na sexta essa área de Cúcuta, coincidem com as de Guaidó, que apela à consciência das Forças Armadas para que permitam a passagem das ajudas.

“Como presidente faço um pedido à Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) e a todos os venezuelanos que estão dispostos a ser parte de uma saída à crise sem violência, a dar um passo como o general Hugo Carvajal. Somente assim teremos garantias e reconhecimento para seu futuro e o de todos”, voltou a dizer o político venezuelano através das redes sociais. Na quinta-feira, Carvajal, ex-chefe da contrainteligência militar, alguém de máxima confiança do ex-mandatário Hugo Chávez e deputado do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), reconheceu Guaidó com legítimo chefe de Estado e pediu que as tropas se rebelem contra Maduro.

Cenários

A fotografia atual ainda é uma incógnita, mas os lances do fim de semana provavelmente significarão um ponto de não retorno na disputa política e na crise vivida pela Venezuela. Juan Guaidó irá travá-la em sua tentativa de desgastar o chavismo e demonstrar que seu adversário não tem poder suficiente, e Nicolás Maduro na tentativa de reafirmar sua autoridade sustentando-se nas Forças Armadas.

No primeiro dia da batalha simbólica da fronteira, as imagens favoreciam a Guaidó. No lado venezuelano, que recebeu o show que o chavismo anunciou como resposta à oposição, o panorama era sem graça, quase vazio, no começo da tarde local. Por fim, a organização disse que o evento se prolongaria até sábado e que terá mais de 40 convidados, informa Maolis Castro.

Além da música, o evento transmitia, na verdade, outras mensagens. As habituais palavras de ordem de Maduro e seu Governo contra a Administração de Donald Trump e o Executivo colombiano de Iván Duque ganharam o acréscimo de acusações de que eles estariam criando um casus belli na tentativa de introduzir os carregamentos de medicamentos e suprimentos nutricionais. Além de Bogotá, Brasília também participa do esforço, com carregamentos prontos para serem entregues em Roraima.

O Governo bolivariano recusa taxativamente essa possibilidade, porque considera que essas ajudas são uma ingerência estrangeira e um primeiro passo rumo a uma intervenção militar. Blindou as fronteiras com uma forte mobilização de soldados, fechou os acessos ao Brasil e suspendeu a comunicação com Curaçao e as Antilhas Holandesas.

O terreno da batalha desse fim de semana entre oposição e chavismo, definitivamente, serão as fronteiras do país, especialmente a divisa entre a Venezuela e a Colômbia. As consequências políticas, entretanto, serão vistas principalmente em Caracas e a partir de segunda-feira, no Palácio de Miraflores e na Assembleia Nacional.

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