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Marcola e outros integrantes da cúpula do PCC são transferidos para presídios federais

Além de Marcos Willians Herbas Camacho, outros 21 integrantes da facção estão na lista de transferidos. Quebra do esquema de comunicação, planos de fuga e ameaças estão entre as justificativas para medida

Movimentação de policiais em frente ao aeroporto no interior de SP
Movimentação de policiais em frente ao aeroporto no interior de SPArquivo pessoal

A Justiça de São Paulo determinou a transferência de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado pelo Ministério Público como líder do PCC (Primeiro Comando da Capital), da P2, em Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, para um presídio federal. Além dele, pelo menos outros 21 integrantes da facção criminosa estão na lista de transferidos. Uma das principais razões para a transferência é a tentativa de quebrar a rede de comunicação que a facção instalou na P2, que acabou ficando conhecida como “escritório-sede do PCC”, revelada em escutas divulgadas pela Ponte. Embora seja considerada de segurança máxima, a unidade prisional foi, por exemplo, o berço para o surgimento das “sintonias”, forma com que a facção se organizou para atuar dentro e fora das prisões nos últimos anos.

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Entre os presos transferidos estão Daniel Vinicius Canônico, o Canônico, Julio Cesar Guedes de Morais, o Carambola, Reinaldo Teixeira dos Santos, o Funchal – que matou o juiz Antonio José Machado Dias, em março de 2003 -, Antonio José Miller Junior, o Granada e, Alejandro Juvenal Herbas Camacho, o Junior, irmão do Marcola. Confira a lista completa:

Em nota, o Ministério da Justiça informa que “a transferência ocorre em cumprimento à decisão da Justiça do Estado de São Paulo após pedido do Ministério Público de São Paulo”. A solicitação foi acolhida pelo TJ na semana passada, segundo o MP.

Não há confirmação oficial até o momento das unidades para as quais os presos serão transferidos, mas serão possivelmente a Penitenciária Federal de Mossoró (RN), onde está Fernandinho Beira-Mar, e a Penitenciária Federal de Porto Velho (RO). Nesta quarta-feira,13, um decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), publicado no Diário Oficial da União, autorizou o Exército a fazer a segurança dessas duas unidades. O documento foi assinado por Jair Bolsonaro, Sérgio Moro, General Augusto Heleno e Fernando Azevedo e Silva.

As outras razões apontadas pelo MP são os planos de fuga ao longo do ano passado e a intenção de matar desafetos descobertas pela polícia a partir de interceptação de bilhetes em dezembro do ano passado. Os alvos eram o promotor Lincoln Gakyia, que investiga há anos a facção, e o diretor da unidade prisional de Presidente Venceslau, Roberto Medina. Um dos planos de fuga de Marcola fez até mesmo o juiz corregedor mandar fechar o aeroporto da cidade por 20 dias. Essa rede de comunicação do PCC também fez a PF, em junho do ano passado, realizar a operação Echelon.

A Ponte já havia informado em novembro e dezembro a intenção da transferência de integrantes da cúpula da facção. Na ocasião, promotores do GAECO (Grupo de Repressão e Combate ao crime Organizado) encaminharam ao Poder Judiciário, o pedido de transferência de 15 presos, apontados como líderes do PCC, para fora de São Paulo.

Para Camila Nunes Dias, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e autora de livros sobre o PCC, embora o anúncio da transferência gere uma grande instabilidade no sistema prisional como um todo, para a cúpula da facção não é uma surpresa. “Há muito tempo já está se falando sobre essa transferência. Desde o ano passado, ele [Marcola] e de certa forma a cúpula do PCC já estavam esperando por isso, mais cedo ou mais tarde, e penso que é muito possível que já tenham até se organizado para lidar com isso. Então, por exemplo, colocar outras pessoas para conduzir as questões, as decisões, enfim. Alguma maneira de organização, porque o PCC sempre trabalhou com essa perspectiva de ter alguém para substituir algumas pessoas-chaves quando elas vão para regimes de isolamento. Desse ponto de vista, já deveria ter uma adaptação".

A Ponte apurou que integrantes do GAECO estavam tendo suas casas monitoradas por drones nos últimos dias. Cabe lembrar que quando o assunto da transferência ganhou corpo no final do ano passado, agentes prisionais de Presidente Venceslau começaram a ser ameaçados, conforme revelou reportagem da Ponte.

Camila aponta que a decisão tem forte caráter político e, apesar de conhecida até mesmo pela opinião pública, ela deverá provocar uma desestabilização considerável no sistema, especialmente em São Paulo. “Não dá para prever ainda uma reação. Não sei se a cúpula deixou em aviso: ‘olha, se eu for transferido, vai virar todas as cadeias’. Até penso que não. Mas uma enorme instabilidade se instala nas unidades prisionais, porque a população carcerária geralmente não tem muita informação e circulam muitos boatos. E o clima em situações de superlotação, de degradação humana que a gente muito bem sabe, e de mudanças políticas que aconteceram no plano federal e estadual, tudo isso é um caldo que produz muita tensão no sistema”, explica.

A reportagem confirmou que as unidades de SP estão na “tranca”, ou seja, presos não têm banho de sol, visita de advogados. As audiências em todo o estado também estão suspensas.

“É uma opção política que tem um potencial enorme de desestabilização daquilo que está estabilizado em São Paulo há muito tempo. Não acho que haverá uma retaliação da cúpula, porque acho que eles estavam esperando isso há muito tempo. Agora eu acho que é muito mais uma desestabilização própria do sistema prisional que já é muito precária e um dos elementos centrais dessa estabilização era a manutenção de parte da cúpula aqui em SP. Isso provoca tensão gigantesca no sistema prisional”, avaliou Camila Nunes Dias.

Para a pesquisadora, o real impacto para a organização criminosa só poderá ser aferido daqui a um tempo, contudo alerta que as mortes de Gegê do Mangue e Paca, no início do ano passado, já trouxeram instabilidades internas para o PCC. “É uma contestação que já vem acontecendo desde a morte do Gegê e do Paca. Aquilo ainda não foi totalmente resolvido dentro da facção. Essa fragilidade da autoridade dessa cúpula já vem sendo colocada em questão. A transferência do Marcola e de pessoas que potencialmente nunca tinham ido para o sistema federal e que estão indo são elementos a mais na produção de uma transformação dessa liderança. Pode favorecer uma mudança na estrutura do PCC. Mas temos que esperar".

Diferente do sistema estadual, o federal deixará os integrantes da facção longe do principal território de atuação, que é São Paulo, além de estarem submetidos a uma série de restrições: visitas e advogados monitorados, celas individuais e até mesmo escutas ambientais.

“Do ponto de vista dos negócios individuais e mesmo das decisões da facção é possível que já tenha gente no lugar para isso, porque essa transferência vem sendo anunciada há muito tempo. Por outro lado, nem sempre essas pessoas que substituem elas terão a mesma capacidade de liderança, de respeito e de autoridade. Evidente que isso em si não automaticamente isola a possibilidade de haver problemas internos do PCC, que tem resistido a tudo isso nesses 26 anos”, afirma.

Pesquisadora do PCC há anos, Camila não acredita numa reedição de maio de 2006, quando a facção orquestrou ataques nas ruas contra forças de segurança e houve sangrenta reação do governo, até porque todos com a atenção voltada para isso. “Acho que há uma auto-reflexão do PCC de que eles não vão ganhar nada com isso. Ainda mais com esse cenário de governos autoritários que ascenderam com autorização para matar, como já disse o governador de São Paulo, do Rio, o próprio governo federal. Fazer aqueles ataques vai redundar numa reação da polícia que será prejudicial a todos eles e à população periférica e pobre que vai ficar muito vulnerável”, conclui.

Reportagem publicada originalmente no site da Ponte

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