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Trump avança a passo firme em sua ofensiva antiaborto

O presidente dos EUA defende mudanças legais no Congresso enquanto os republicanos impulsionam limites em vários Estados

Antonia Laborde
Um grupo antiabortista protesta contra a lei de aborto da Virginia.
Um grupo antiabortista protesta contra a lei de aborto da Virginia.AP

No discurso do estado da União de terça-feira, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pediu ao Congresso que proibisse os abortos tardios de crianças “que podem sentir dor no ventre da mulher”. Em meio a um ensurdecedor aplauso dos congressistas republicanos e diante de 47 milhões de telespectadores, o mandatário mentiu: “Os políticos de Nova York se alegraram em aprovar uma lei que permite arrancar o bebê do ventre momentos antes do nascimento”. O que a nova lei permite é a possibilidade de praticar um aborto até a 24ª semana de gestação e mais adiante se o feto tiver malformação e a mãe correr risco de vida. Mais de 90% dos abortos são feitos no primeiro trimestre, mas Trump aproveitou a tribuna para falar às suas bases. Uma estratégia acompanhada por vários Estados conservadores que tentam limitar o acesso à interrupção da gravidez.

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Entre o público presente no Congresso na noite de terça-feira, uma mulher escutava espantada as declarações do magnata que possui mais de vinte acusações de assédio: a doutora Leana Wen. Wen é presidenta da Planned Parenthood, uma organização que dá atendimentos de saúde reprodutiva e que foi insultada pelo Partido Republicano em sua campanha contra o aborto. “O presidente mentiu à população. Suas declarações não se baseiam em questões médicas e sim políticas”, diz a doutora. Wen foi convidada ao Capitólio pela líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, em uma clara contraofensiva à Administração que ameaça revogar a lei que permite o aborto desde 1973.

Desde sua chegada à Casa Branca, Trump se esforçou em reduzir as opções para abortar. Somente quatro dias após assumir o cargo, recuperou uma lei que proíbe as ONGs e empresas de saúde no estrangeiro de utilizar fundos do Governo norte-americano para assessorias a favor do aborto. Em maio do ano passado, anulou uma lei que obrigava os empregadores a incluir métodos anticoncepcionais no plano de saúde oferecido aos seus empregados e anunciou uma reforma do Título X, um programa de planejamento familiar financiado federalmente, aberto aos pacientes de baixa renda. Se for aprovada, os médicos e hospitais não poderão encaminhar seus pacientes a clínicas de aborto. “Os locais de atendimento médico não podem esconder informação sobre as opções que você tem em relação à sua gravidez. Essa lei significa que poderão fazê-lo”, diz a Planned Parenthood.

“Durante décadas, os contribuintes foram forçados erroneamente a subsidiar a indústria do aborto”, disse Trump ao anunciar a nova lei. “Eu me comprometi a defender a vida e, como presidente, foi isso que fiz”, concluiu. A reforma do Título X está sendo avaliada por uma Corte Federal de apelações que deve dar seu veredito no mês que vem. “É uma ameaça ao direito à saúde das mulheres. Eu, como médica, devo educar e informar meu paciente em prol de sua saúde. Depois preciso confiar em sua decisão”, diz a doutora Wen.

Somados à ofensiva, vários Estados de tradição conservadora aproveitaram para modificar suas leis na mesma direção restritiva. Iowa aprovou no ano passado a mais rígida lei contra o aborto dos EUA: nenhuma mulher pode abortar ao se detectar as batidas do coração do feto. Só serão feitas exceções se existir malformação fetal, risco de morte à mãe, estupro e incesto. As Câmaras do Kansas e Oklahoma impulsionaram leis idênticas, da mesma forma que o Alabama, Arkansas, Kentucky, Mississipi, Texas e West Virginia. Nem todas foram adiante. Um juiz rechaçou em novembro a lei do Mississipi que proibia a maioria dos abortos após 15 semanas por considerar que violava direitos constitucionais da mulher. Enquanto o bastião republicano do centro do país luta para impor limites, Estados como Massachusetts, Delaware e Washington, além de Nova York, tentam blindar-se com leis mais permissivas.

Apesar dos antecedentes, a hegemonia conservadora no Sul profundo do país foi surpreendida nessa semana. O Supremo Tribunal (de maioria conservadora) deu uma sentença favorável à suspensão temporária de uma lei da Luisiana que impedia os médicos de realizarem abortos em hospitais a mais de 42 quilômetros de distância. Os antiabortistas pretendiam dificultar o acesso das mulheres interessadas em interromper sua gravidez em um Estado que dos anos oitenta até hoje reduziu de 11 a três suas clínicas de aborto. A primeira decisão em matéria reprodutiva tomada pelo Supremo deu somente um respiro aos liberais. Os magistrados pediram mais tempo para revisar os detalhes da lei antes de dar um veredito final. Há aproximadamente quinze casos relacionados ao aborto prestes a chegar ao Supremo.

A NOVA CARA DO SUPREMO É ANTIABORTISTA

Quando o presidente Donald Trump estava em campanha, enviou uma carta às organizações antiaborto em que se comprometia a escolher somente juízes “pró-vida” para o Supremo Tribunal. Em seus dois anos de mandato já pôde escolher dois dos nove magistrados que formam o Supremo. Com a nomeação em outubro de Brett Kavanaugh a balança se desequilibrou à ala conservadora.

“A qualquer momento o Supremo Tribunal pode decidir revogar a histórica sentença do caso Roe vs. Wade [que legalizou efetivamente o aborto nos Estados Unidos em 1973]. A escolha de Brett Kavanaugh nos levou a esse cenário”, diz Leana Wen, presidenta da Planned Parenthood.

Se isso acontecer, as leis sobre o aborto dependeriam totalmente de cada Estado. Os especialistas estimam que pelo menos 22 optariam por proibir a interrupção da gravidez.

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