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Este mapa preciso das estrelas revela uma Via Láctea deformada

Nossa galáxia é um disco com uma borda torcida para cima e outra para baixo, como uma tampinha de garrafa amassada

Recriação da Via Láctea, com as bordas ‘dobradas’.
Recriação da Via Láctea, com as bordas ‘dobradas’.CHAO LIU (ACADEMIA CHINESA DE CIÊNCIAS)

Se pudéssemos observar nossa galáxia de fora, a centenas de milhares de anos-luz, veríamos vários braços espirais que formam um disco aproximadamente circular. Mas, dependendo da posição, observaríamos que o disco não é perfeito: além de ter um centro volumoso por causa da concentração de estrelas e gás, o plano galáctico está empenado, como uma tábua de madeira que se curvou sob a chuva.

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Essa deformidade da Via Láctea é conhecida desde o final do século XX, mas, como os astrônomos só podem observar as bordas da galáxia a partir de dentro, não tinham conseguido descrevê-la com precisão. Um novo mapa publicado na Nature Astronomy localiza 1.339 estrelas da Via Láctea em três dimensões para oferecer a primeira visão fiel desse empenamento.

“É como se a gente pegasse um disco de plástico flexível e, levantando um extremo, dobrasse o outro para baixo", ilustra o astrônomo Francisco Garzón, do Instituto de Astrofísica das Canárias (Espanha), que não participou da pesquisa publicada na Nature Astronomy. Há várias décadas, descobriu-se que a galáxia não era plana, por causa da distribuição do gás hidrogênio em sua periferia. Mas o novo estudo não se baseia em observações do gás; em vez disso, cartografa a posição de estrelas individuais que servem como pontos de referência distribuídos pelo disco.

Mapa tridimensional de 1.339 estrelas mostrando o empenamento da Via Láctea. Cada ponto azul é uma estrela observável no espectro visível, cada ponto vermelho é uma estrela observável no espectro infravermelho. A seta preta indica a posição do Sol.
Mapa tridimensional de 1.339 estrelas mostrando o empenamento da Via Láctea. Cada ponto azul é uma estrela observável no espectro visível, cada ponto vermelho é uma estrela observável no espectro infravermelho. A seta preta indica a posição do Sol.Richard de Grijs (Univ. Macquarie)

A equipe composta por pesquisadores da China e da Austrália se concentrou em astros chamados variáveis cefeidas. São estrelas que pulsam radialmente (como um farol), com um período muito estável, diretamente proporcional à sua luminosidade. Isto permite conhecer o brilho intrínseco da estrela apenas medindo o intervalo de tempo entre suas pulsações. Depois, pode-se calcular sua distância da Terra, comparando o brilho observável com o real. Essas propriedades das cefeidas, descobertas pela calculista Henrietta Leavitt entre 1908 e 1912, fizeram delas os objetos ideais para medir distâncias astronômicas.

"É notoriamente difícil determinar distâncias do Sol até zonas do disco externo da Via Láctea sem saber qual é a forma desse disco", explica Xiaodian Chen, o autor principal do estudo, ligado à Academia Chinesa de Ciências, em Pequim. Para isso, ele e seus companheiros escolheram cefeidas que são entre 4 e 20 vezes mais maciças que nosso Sol, e até 100.000 vezes mais luminosas. Algumas são observáveis no espectro visível, e outras só em infravermelho.

A informação que analisaram provém do telescópio espacial astronômico WISE, lançado pela NASA em dezembro de 2009. Além disso, basearam-se em dados da sonda espacial Gaia, a missão de astrometria da Agência Espacial Europeia ativa desde 2013. Empregaram estes dados para eliminar ruído da amostra original e assim produzir um mapa limpo, que "não esteja borrado por objetos empelotados", segundo Garzón.

O modelo confirma que as irregularidades da beirada galáctica se devem à interação entre a força gravitacional e centrífuga do núcleo denso de estrelas. São deformidades que não estavam presentes quando a Via Láctea era mais jovem. O novo mapa, por sua exatidão, permite descartar alguns modelos sobre a formação e evolução de galáxias, assim como afinar as previsões de outros.

Pela primeira vez, a pesquisa revela uma precessão no próprio eixo do empenamento da galáxia, previamente desconhecida. Isto significa que, além de dobrar as bordas da galáxia em sentidos opostos, também se retorcem nos extremos de forma perpendicular ao disco. Para visualizar esse fenômeno, pode-se considerar a Via Láctea como um disco composto por anéis concêntricos, e cada anel se dobra de forma diferente, de maneira que alcançam ângulos mais fechados conforme se afastam do centro.

Esse mapa cobre um raio de aproximadamente 20 quiloparsecs a partir do centro galáctico, ou 65.230 anos-luz. É a imagem mais completa já obtida da forma da Via Láctea, mas se sabe que a extensão real da galáxia é maior, com um raio de pelo menos 25 quiloparsecs. Nosso Sol está a aproximadamente oito quiloparsecs do centro. Embora o empenamento não se dê em todas as galáxias, não é exclusivo da Via Láctea. Em algumas galáxias que têm uma orientação favorável– as que estão de lado para nós– observa-se que as estrelas desenham uma espécie de S no firmamento. Entretanto, nenhuma foi estudada com tanta precisão como a nossa.

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