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“Corri tanto que perdi os sentidos”: sobrevivente de Brumadinho narra a tragédia

Na memória do armador Luiz Castro ficaram os gritos dos colegas: “Eles gritavam: 'Eu vou morrer! Eu vou morrer!”, lembra. "Você imagina, não poder fazer nada?”

Seu Luiz Castro, com a mulher Ivaneth e um dos filhos, Davi.
Seu Luiz Castro, com a mulher Ivaneth e um dos filhos, Davi.M. R.
Marina Rossi
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“Ouvi um estrondo e tudo escureceu. O barulho era inexplicável, parecia que eu estava no inferno”. Cinco dias após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, Luiz Sávio Lopes de Castro, 60, não consegue dormir, a despeito dos remédios que está tomando com essa finalidade, e tem dificuldades para narrar as cenas de horror que viveu na última sexta-feira. Ele é um dos sobreviventes do tsunami de lama causado pelo rompimento da Mina do Feijão. “Da minha turma, éramos em 59. Sobraram 22. Os demais ou morreram ou estão desaparecidos”, diz, logo após encontrar-se com o irmão de um dos colegas desaparecidos. “Pedro, o irmão dele, vivia indo em casa. Agora não fazemos ideia de onde esteja”.

Castro é um senhor de estatura mediana, nascido em Jequeri (MG) e que vive com a mulher e os filhos em Brumadinho. Funcionário da Reframax Engenharia, empresa que operava no local da tragédia, com 59 colaboradores, ele completaria um ano de casa no mês que vem, na função de armador. Mas o primeiro aniversário nesse emprego não deve ocorrer mais. “Não mais sei se quero voltar a trabalhar”, diz ele. “Você voltaria?”.

Enquanto tenta conter as lágrimas, ele narra que pouco antes da barragem romper, ele voltava do almoço no refeitório, ponto nevrálgico da tragédia devido à localização e ao horário em que ocorreu. Ao chegar no prédio onde trabalhava, decidiu ajudar um amigo a trocar uma lâmpada. "Já havia terminado meus afazeres e resolvi subir no segundo andar para ajudar um colega", descreve. “Foi quando eu ouvi o estrondo. Na hora só pensei em correr para o mato. Corri tanto que perdi os sentidos”. Ele afirma que o barulho da lama descendo era a única coisa audível. E que não consegue comparar o estampido com nenhum outro barulho. Além disso, garante que não ouviu nenhuma sirene alertando para a tragédia. "Se alguém disser que algum alarme soou, é mentira".

Após correr pelo mato até desmaiar, por um caminho onde a lama já não alcançava com tanta força, seu Castro foi resgatado. Já acordado, a primeira coisa que quis fazer foi ligar para a mulher, Ivaneth Lopes de Castro, 49, e dizer que estava bem. “Falei com ela e ela começou a chorar, porque achava que eu estava dizendo que estava bem só para tranquilizá-la”, diz. “Mas eu estava bem. Estava vivo”. Os quatro filhos e os três netos também ficaram na cabeça do armador após retomar a consciência. “Pensei muito neles. O que ia ser se eu morresse?”.

Usando capacete e óculos de proteção, o armador ficou com uma pequena marca no rosto, devido à colisão com uma pedra. Fora isso, um inchaço no pé, e o uniforme, jogado no lixo pela quantidade de lama, foram os sinais visíveis da consequência do que viveu. Já os invisíveis, esses serão mais difíceis de solucionar. “Nunca precisei tomar remédio para dormir. E agora tomo”, diz. “Ainda assim, acordo gritando, assustado, todos os dias”.

Na memória de Castro ficaram os gritos dos colegas que ele ouviu enquanto corria. “Eles gritavam: 'Eu vou morrer! Eu vou morrer!”, lembra. "Você imagina, ver seus colegas indo embora e não poder fazer nada?”, pergunta, com os olhos marejados. Já na metade do quinto dia de buscas, o armador afirma não ter esperança de encontrar ninguém com vida. “Três dos meus colegas, eu sei que vão achar, porque eles estavam lá, eu vi. Mas não vão estar vivos”, diz. Até o fechamento desta reportagem, a Defesa Civil havia localizado 391 pessoas. Das 99 vítimas fatais, 57 haviam sido identificadas pelo Instituto Médico Legal e ainda havia 259 pessoas desaparecidas.

Sem a rotina de trabalho e ainda sem respostas sobre seu próprio futuro, Castro procurou o local onde as famílias das vítimas estão recebendo assistência, em um centro comunitário da Vale em Brumadinho, para conversar com os familiares dos seus colegas. “Eu não estou bem. Mas tem gente que está pior do que eu”, diz. Sentado em uma das cadeiras verde água - a cor do logotipo da mineradora –, ele seguiu recordando das cenas que presenciou. “O aço torcia igual a roupa molhada”, diz, apertando os dedos contra as palmas das duas mãos e fazendo movimento de torção. “As peças de aço rasgavam igual a papel”, contou, chorando.

Ainda um pouco atônito, acredita ter sobrevivido “por Jesus”. Pediu para frisar o quanto se sentia grato ao atendimento que recebeu na Unidade de Pronto Atendimento de Sarzedo, município a 20 quilômetro de Brumadinho. E que agora pretende rezar. “Deus vai me ajudar. Mas esquecer o que eu passei, eu não vou nunca mais”.

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