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A tensa contagem regressiva das cidades à espera da lama da Vale

Expectativa é que a água turva pelos rejeitos chegue à última fronteira para o rio São Francisco após 10 de fevereiro. Chuva pode mudar cálculos. “O cenário é menos para o rio, mas, em termos de biodiversidade, as perdas são incalculáveis”

Foto de satélite do rio Paraopeba na região de Brumadinho.  
Foto de satélite do rio Paraopeba na região de Brumadinho.  DigitalGlobe (AP)
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Quando a barragem da mineradora Vale estourou na sexta-feira, a cidade de Juatuba, às margens do rio Paraopeba, entrou em estado de alerta. Localizada a apenas 36 km de Brumadinho, o município fez o melhor que pode para se preparar para a chegada da pluma, a forma palatável com que algumas autoridades e técnicos chamam a lama de rejeitos e água que avança sobre o rio. “Orientamos as pessoas para retirarem barcos da água e destinamos uma escola para receber ribeirinhos, caso tivéssemos elevação do rio”, afirmou Wagner Majesty, secretário de Governo e do Meio Ambiente da cidade.

A concessionária Águas de Pará de Minas divulgou que já no domingo, 27, foram identificadas alterações nos padrões de qualidade da água bruta do Paraopeba em Juatuba. A lama chegou mudando a turbidez da água, mas os peixes, por enquanto, continuam por lá. “Não vimos em nossa região mortandade de peixes, os que encontramos mortos vieram de Brumadinho”, afirma um tanto aliviado o secretário. Majesty afirma que as primeiras análises feitas mostram que imediatamente após a passagem da lama o nível de turbidez da água subiu de uma média de 80 e 90 NTU (unidade nefelométrica de turbidez, quanto maior, maior turbidez) para 130 NTU. “Após o desastre em Mariana, por exemplo, a turbidez do rio Doce chegou a 5.000 NTU, o que mostra que nossa situação não é alarmante”, explica.

De acordo com o Serviço Geológico do Brasil, a turbidez acima de 2.500 NTU dificulta o tratamento em estações de tratamento de água convencionais. “Estamos monitorando. Sabemos que diminuiu o nível de oxigênio da água caiu, mas ainda não sabemos o nível de metais pesados”, afirma. Apesar de Juatuba não depender do Paraopeba para o abastecimento de água potável, outras atividades estão sendo sendo comprometidas. A cidade orientou que a água do rio não seja utilizada para consumo nem irrigação. “É um efeito cascata. O problema da irrigação afeta principalmente a agricultura familiar, que são os principais fornecedores de alimento para a merenda escolar”, diz.

Com 22 mil habitantes, Juatuba está fazendo um cadastro dos pescadores que vivem do rio Paraopeba para poder calcular o impacto ambiental e econômico e cobrar da Vale. A mineradora informou que está instalando membranas e cortinas de contenção de rejeitos próximo à cidade de Pará de Minas, que fica à frente de Juatuba no curso do rio. “A lama está avançando muito lentamente dentro da calha do rio. Ela está a cerca de 40 km de Pará de Minas. Existe a expectativa de que em 48 horas a lama chegue à cidade, mas essas cortinas são de instalação muito rápida e nossa expectativa é que elas serão suficientes para conter esse rejeito e assim não permitir nenhum problema para a captação de água do rio”, afirmou Luciano Siani Pires, direito executivo de finanças e relações com investidores, em uma coletiva de imprensa.

Majesty garante que os municípios entendem que a Vale deve priorizar o resgate das vítimas. Mas a lentidão da companhia em compartilhar seu plano de contingência para desastres ambientais preocupa. “A Vale se comprometeu, tardiamente, em colocar as cortinas de contenção em Pará de Minas, por que não fez isso antes, logo na saída de Brumadinho, se é uma ação rápida, como eles mesmo disseram?”. Nesta quarta-feira, a companhia apresentou ao Ministério Público e aos órgãos ambientais seu plano para conter os rejeitos no Rio Paraopeba, que contempla um trecho total de 210 quilômetros. Barreiras de retenção serão instaladas ao longo de um trecho de 170 quilômetros do rio.

Imagem do Paraopeba, antes e depois da lama, em Juatuba.
Imagem do Paraopeba, antes e depois da lama, em Juatuba.Arquivo pessoal

Também no caminho da lama, São José da Varginha, com 5 mil habitantes, se organiza sozinha para tentar mitigar os danos. Localizada a pouco mais de 90 km do local da tragédia, a cidade deve receber a lama nesta quinta-feira. “Organizamos um comitê com técnicos, veterinários e especialistas em meio ambiente”, afirma o Vandeir Paulino da Silva. A maior preocupação é mapear o impacto ambiental e econômico para os produtores que utilizam a água para irrigação, já que a água de consumo não vem do Paraopeba. “Por enquanto, não veio ninguém da Vale aqui”, diz o prefeito.

Os comitês brasileiros de bacia hidrográfica acompanham de perto o avanço da lama pelas cidades. Anivaldo Miranda, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, afirma que há uma perspectiva que quando a água contaminada pelos rejeitos da barragem chegar ao lago do Sobradinho, já na Bahia, ela estará diluída e não deva afetar os usos do rio. “Este é o melhor cenário, que aponta impacto praticamente aceitáveis. Mas é muito cedo para fazer previsões. Se chover muito, tudo pode mudar”, diz Miranda. As características do rio Paraobepas, mais plano do que o rio Doce, por exemplo, e as características da lama de rejeitos, são alguns dos fatores que podem ser considerados positivos para que o estrago não seja tão grande quando no desastre da Samarco, em Mariana.

A previsão do Serviço Geológico do Brasil é que a pluma comece a chegar à Usina Três Marias, a fronteira para entrar no rio São Francisco, localizada a cerca de 300km de Brumadinho, entre os dias 5 e 10 de fevereiro. A expectativa é que a própria contenção da represa ajude a mitigar os danos. “A velocidade da água está diminuindo. Estávamos em 1 km por hora, e hoje não passamos de 0,8 km”, afirma Miranda. Ele acredita que existe a possibilidade de a lama ficar pelo caminho. “O cenário para o São Francisco é bem menos ameaçador do que se imaginava, mas, em termos de biodiversidade, as perdas são incalculáveis.”

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