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A verdadeira continuação de ‘O Planeta dos Macacos’ que nunca foi filmada

Jean Loriot-Boulle, genro do autor do romance original, de 1963, conta que o roteiro escrito por Pierre Boulle para uma sequência não agradou a Hollywood e permaneceu inédito

Fotograma de 'O Planeta dos Macacos', filme de 1968.
Fotograma de 'O Planeta dos Macacos', filme de 1968.
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Há 50 anos, a 20th Century Fox estava envolvida em planejar a sequência de um longa metragem, o que na época não era uma prática habitual dos estúdios de cinema. No ano anterior, a cena de Charlton Heston ajoelhado numa praia em frente aos restos da estátua da Liberdade havia deixado milhões de espectadores sem fôlego e com gosto de quero mais: aquela revelação de que o Planeta dos Macacos não era senão a Terra, com um desenlace tão visualmente poderoso e afastado do cânone hollywoodiano dos finais felizes, pedia uma continuação; parecia evidente que aquele final não era um final, e sim o começo de uma nova história.

E não foi uma, e sim muitas. Quatro outros filmes, duas séries de televisão, um remake em 2001 e uma nova saga cinematográfica lançada em 2011, aos quais se somam HQs, livros, videogames, brinquedos… O que originalmente era um planeta se transformou em toda uma galáxia de símios que começou a ser gerada no começo dos anos sessenta na imaginação de um escritor, durante uma manhã de visita ao zoológico do Jardin des Plantes, em Paris.

“A cada manhã, Pierre Boulle se levantava pensando: espero ter hoje uma ideia genial para meu próximo romance”, recorda o genro desse escritor, Jean Loriot-Boulle, professor de cirurgia na Faculdade de Medicina da Universidade de Montpellier (França). Seu sogro, Pierre Boulle (20 de fevereiro de 1912 – 30 de janeiro de 1994), nunca teve filhos; viveu a maior parte de sua vida em Paris com sua irmã Madeleine e a filha dela, Françoise-Caroline, que chegou a ser também como uma filha para Pierre, e que foi a esposa de Jean até o falecimento dela, em 2011.

Durante aquelas manhãs, Pierre Boulle costumava fazer longos passeio por Paris, prossegue Loriot-Boulle: o Bois de Boulogne, Notre-Dame, o Arco do Triunfo… Seu trabalho como escritor lhe permitia, pois àquela altura já havia se consagrado como um autor de sucesso internacional graças ao seu terceiro romance, A Ponte do Rio Kwai (1952): se o livro já havia sido um best-seller, o filme de David Lean (1957) fez o mundo inteiro assoviar. Tinham ficado para trás as penúrias que inspiraram aquela novela, não autobiográfica, mas sim documentada nas experiências do próprio Boulle como prisioneiro condenado a trabalhos forçados no Sudeste Asiático durante a Segunda Guerra Mundial.

Uma mente científica

Em seus anos aventureiros de juventude, havia deixado de ser um engenheiro que trabalhava num seringal da Malásia britânica para se alistar como espião a serviço da França livre na Indochina, depois da invasão de seu país pelo Terceiro Reich. Mas, apesar de sua drástica mudança de vida e de ocupação depois da guerra, algo restou de sua profissão original: seu amor pela ciência, e o que Loriot-Boulle descreve como um ponto de vista científico para observar a realidade.

Essa visão científica das coisas se junto com a sua fome de novas ideias literárias naquela manhã em frente à jaula dos macacos do Jardin des Plantes, quando outro visitante atirou um objeto aos animais. “Observou como o macaco brincava com o objeto, e pensou então que seriam capazes de montar numa bicicleta, mas não de entenderem como funcionava, nem de construírem uma; só os humanos podiam fazer isto”, diz Loriot-Boulle. “Mas o que ocorreria se fosse ao contrário? E se eles fossem os senhores e nos tratassem como nós os tratávamos?”

Jean Loriot-Boulle, genro do escritor Pierre Boulle, autor de O Planeta dos Macacos' (1963).
Jean Loriot-Boulle, genro do escritor Pierre Boulle, autor de O Planeta dos Macacos' (1963).J. L.-B.

Naquela manhã, Boulle voltou para casa com a ideia genial que procurava. Mas não a contou a ninguém. “Era um homem muito silencioso, quase não falava e não suportava que lhe perguntassem sobre seus romances. Dizia ‘não, não, não’, e saía para outro cômodo!”, ri Loriot-Boulle. Só uma pessoa tinha autorização para se meter no seu trabalho: sua sobrinha Caroline. “Era uma superdotada, prestou o baccalauréat [o ENEM francês] aos 14 anos.”

Boulle acreditava na extraordinária inteligência de sua sobrinha para caçar qualquer descuido que minasse a coerência de suas histórias. Graças a essa contribuição e ao pequeno segredo da técnica narrativa de Boulle – começava a escrever as histórias pelo final e ia retrocedendo –, seus romances são perfeitos quebra-cabeças sem fissuras. “Não há um só erro de lógica em seus livros”, gaba-se Loriot-Boulle.

Ficção científica, a contragosto do autor

Sobre aquela premissa de trocar os papéis de humanos e símios, Boulle inventou uma aventura espacial, algo diferente do que depois seria a versão cinematográfica: corre o ano 2500 quando uma nave parte rumo à estrela Betelgeuse (Alpha Orionis) com três tripulantes a bordo. Ao chegarem lá, descobrem um planeta onde os humanos primitivos vivem sob o jugo de seus senhores símios, o que transforma os exploradores terrestres em escravos tratados como animais. O resultado foi La Planète des Singes (1963), um romance que a Fox comprou antes mesmo de chegar às livrarias.

Graças ao diretor Franklin J. Schaffner, ao produtor Arthur P. Jacobs e, claro, às pétreas feições do Heston, o filme teve a nona maior bilheteria daquele ano de 1968, decolando imediatamente para o firmamento dos clássicos da ficção científica, para desgosto de Boulle, que “zangava-se muito quando lhe diziam que era um romance de ficção científica, porque não era isso o que ele pretendia escrever, embora afinal tenha tido que aceitar”, segundo seu genro.

Mas curiosamente aquela sequência final tão memorável não saiu da mente de Boulle, e sim, aparentemente, foi uma contribuição conjunta do produtor Jacobs, do roteirista Rod Serling e do cineasta Blake Edwards, que esteve envolvido nas primeiras fases do projeto. O escritor sempre preferiu seu próprio final, um pouco mais semelhante ao do remake de Tim Burton de 2001: os terráqueos retornam ao seu planeta para comprovar que transcorreram milhares de anos e que aqui também os símios submeteram os humanos.

O planeta dos homens

Porém, quando Jacobs se dirigiu a Boulle depois do sucesso do filme com a ideia de rodar uma continuação da história, o escritor aceitou como ponto de partida o cenário do astronauta Taylor (Heston) diante da estátua da Liberdade. “Pediram-lhe que escrevesse um roteiro, algo que ele nunca tinha feito. Mas fez”, relata o genro.

O resultado foi O Planeta dos Homens. Taylor se encontra novamente com seus semelhantes, selvagens e embrutecidos, mas vê um sinal de esperança: sua companheira, Nova, está grávida. O nascimento do menino Sirius serve de ponte entre a antiga civilização que Taylor representa e aquela nova raça humana mergulhada na barbárie. Assim, os humanos começam a transitar novamente o caminho que já percorreram milhares de anos atrás: aprendem a dominar o fogo, pintam em cavernas, constroem, cultivam, escrevem em tabuletas de argila. Finalmente, estão dispostos a travar uma batalha para restaurar o progresso perdido. A história acaba com o malvado Dr. Zaius, o despótico líder símio, balbuciando em um espetáculo circense como uma paródia de si mesmo.

Mas Hollywood não comprou. O roteiro de Boulle era literário demais. Não tinha aventura suficiente. “Foi abandonado e permaneceu inédito”, observa Loriot-Boulle. Em vez dele, em 1970 foi rodado o longa De Volta ao Planeta dos Macacos, sobre um texto do roteirista Paul Dehn centrado no apocalipse atômico, um argumento muito do seu tempo. E no qual Taylor morria assassinado, não sem antes apertar o botão da arma nuclear que aniquilava definitivamente a vida na Terra.

O manuscrito de Boulle caiu no esquecimento durante décadas, até que, após a morte do escritor, Jean e Caroline abriram seu baú para catalogar e conservar seu arquivo. Ali apareceu O Planeta dos Homens, hoje guardado na Biblioteca Nacional da França. “Nós o enviamos à Fox, eles têm o texto há dois ou três anos e parece que estão interessados, mas no momento não há nada concreto. Espero que algum dia seja rodado”, suspira Loriot-Boulle. Taylor ainda espera sua oportunidade de redimir o ser humano.

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