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Vale derrete no mercado e custo da tragédia deve subir com ações contra a empresa

Papeis da companhia caíram 24% nesta segunda e nota de risco foi rebaixada. Nos EUA, escritórios de advocacia estudam ações coletivas por eventuais informações enganosas

Protesto na sede da Vale no Rio de Janeiro pelo acidente de Brumadinho.
Protesto na sede da Vale no Rio de Janeiro pelo acidente de Brumadinho.P.Olivares (Reuters)
Carla Jiménez
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Já se esperava que o mercado financeiro viesse a castigar a Vale depois do rompimento da barragem da Mina do Feijão, em Brumadinho (MG), que matou ao menos 65 pessoas. A expectativa se confirmou e as ações da empresa derreteram 24% nesta segunda-feira, perdendo cerca de 70 bilhões de reais do valor acionário. Foi a reação imediata enquanto a comoção com o acidente tomou o mundo, e diante do risco de que os quase 280 desaparecidos aumentem drasticamente o número de óbitos. Brumadinho ultrapassou, e em muito, o tamanho da tragédia protagonizada pela Vale três anos atrás em Mariana, quando 19 pessoas morreram vítimas do rompimento da barragem da mina do Fundão.

Para além da associação do seu nome à dor e sofrimento das famílias de seus empregados — ganhou a alcunha de ‘Vale da morte’ depois da tragédia — a mineradora começa a mergulhar num inferno entre investidores. A companhia que faturou 34 bilhões de dólares em 2017 perdeu a confiança das agências de risco. A Fitch foi a primeira a rebaixar a sua nota e a Standard & Poors, de BBB+ para BBB-, pode seguir na mesma linha. Em comunicado ao mercado, a S&P anunciou que a nota de risco da mineradora está em CreditWatch (observação) com implicações negativas, uma tendência que pode acabar no rebaixamento da nota atual da empresa em “vários degraus dependendo do impacto gerado pelo acidente”, diz a agência em comunicado.

A reação nem de longe indica que o mercado tenha coração ou sentimentos punitivistas contra a maior produtora de minério do mundo. “É que agora começa uma enxurrada de contestações jurídicas sobre a postura da Vale”, observa Alex Agustini, economista-chefe da Austin Ratings. Esse périplo na Justiça vai cobrar um preço da empresa que não estava previsto. Das multas que pode vir a receber caso seja responsabilizada criminalmente, até as ações na Justiça do Trabalho (diferentemente de Mariana, a maioria das vítimas em Brumadinho eram seus empregados), e a resposta a eventuais ações coletivas de investidores estrangeiros.

Dois escritórios dos Estados Unidos, The Schall Law e The Rosen Law Firm, já anunciaram que investigarão se a Vale forneceu informações enganosas a seus investidores — os papeis da empresa são negociados em Nova York — sobre o real estado da barragem de Brumadinho. A Petrobras também enfrentou ações coletivas em solo americano por ocasião da corrupção apurada na Lava Jato, o que lhe custou 3 bilhões de dólares num acordo firmado este ano.

A empresa já foi multada em 250 milhões de reais pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e teve 11 bilhões de reais retidos pela Justiça de Minas Gerais. Além disso, está sob a pressão da Procuradoria Geral da República que anunciou que vai apurar a “cadeia de responsabilidades” para o rompimento da barragem de Brumadinho. Até o presidente em exercício, Hamilton Mourão, chegou a falar na ideia de afastar a diretoria da Vale. O advogado da empresa, Sergio Bermudes, chegou a dizer que a empresa não tinha responsabilidades pelo acidente e que a Vale contestaria a retenção de recursos na Justiça. Mas a empresa se manifestou na sequência dizendo que ninguém poderia falar por ela.

Na tarde desta segunda, o diretor financeiro do grupo, Luciano Siani, se reuniu com jornalistas para uma coletiva e repetiu as palavras do presidente da Vale, Fabio Schwartsman. “A família Vale está dilacerada”, disse ele, que anunciou o pagamento emergencial de 100.000 reais para cada família que perdeu um familiar na Mina do Feijão, independentemente do pagamento de indenizações que precisará ser feito mais adiante. A mineradora anunciou logo cedo a suspensão de pagamento de bônus e dividendos neste ano em função do acidente.

O inferno da Vale chega justamente quando a empresa parecia ter virado a página de Mariana, ao menos entre investidores. As ações da empresa já haviam subido 500% desde o rompimento da barreira do Fundão, em 2015, até a última sexta-feira antes do acidente. O economista André Perfeito, da corretora Necton, avalia que o desafio da mineradora a partir de agora vai depender da postura do novo Governo. “ O que pode virar um problema é uma questão institucional em torno do acidente. Como o novo Governo vai reagir? Parece que não serão muito duros com a empresa”, sugere Perfeito. Agostini, da Austin Ratings, lembra que o colapso de Brumadinho é uma péssima notícia para a economia como um todo. “É um banho de água fria para o novo Governo”, pondera.

Seja como for, a Vale, que tem entre seus acionistas fundos de pensões e o BNDESpar, produz uma das commodities mais procuradas no mundo, especialmente pela China, o que ainda deixa a empresa numa posição cômoda para o longo prazo. No curto e médio prazo, porém, é a pressão da Justiça e dos órgãos governamentais que vai definir o futuro financeiro da mineradora. Reincidente, pode ter punições exemplares, como aconteceu com a Petrobras, que tornou-se símbolo da corrupção no Brasil. Por ora, a Vale passou a ser percebida como o retrato da negligência que priorizou o lucro em detrimento da segurança de seus funcionários.

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