_
_
_
_
_

As transações de Flávio Bolsonaro e Queiroz: o que se sabe e não sabe até agora

Documentos do Coaf apontam pagamento feito pelo senador eleito, que diz ser referente à quitação de um imóvel. Procurador do Rio diz que filho do presidente é alvo de investigação cível

Flávio Bolsonaro ao lado do pai.
Flávio Bolsonaro ao lado do pai.Silvia Izquierdo (AP)
Gil Alessi

Flávio Bolsonaro, o primogênito do clã Bolsonaro, está no olho do furacão. O que começou em dezembro passado como uma investigação para apurar movimentações financeiras suspeitas de seu ex-assessor Fabrício Queiroz agora coloca o nome de Flávio no centro dos questionamentos. O parlamentar, que sempre negou ser investigado desde a eclosão da crise, acionou na semana passada o Supremo Tribunal Federal para paralisar a apuração do caso, e também fez acenos no sentido de evocar seu direito ao foro privilegiado. A situação do ex-deputado piorou depois que documentos obtidos pelo Jornal Nacional mostraram que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou uma série de depósitos na conta corrente do parlamentar, em valores fracionados e sempre em espécie. Veja o que já se sabe até o momento e o que Queiroz, Flávio e o presidente disseram sobre o caso:

Mais informações
O elo entre Flávio Bolsonaro e a milícia investigada pela morte de Marielle
Flávio Bolsonaro: “Deixou de ser investigação, virou perseguição para atingir o Presidente”
Flavio Bolsonaro vai a STF por foro privilegiado e eleva temperatura da crise Queiroz
Apontadas como suspeitas pela execução de Marielle, milícias atuam no Rio sem serem incomodadas

O que se sabe sobre os depósitos fracionados, todos em dinheiro somando 96.000 reais, para Flávio Bolsonaro?

Na sexta-feira, o Jornal Nacional informou ter obtido dois documentos do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que mergulham o senador eleito de vez no caso. O primeiro deles indica uma série de depósitos feitos em dinheiro vivo na conta do então deputado, entre junho e julho de 2017. No total foram 48 depósitos no mesmo valor: parcelas de 2.000 reais, somando 96.000 no total. Ainda de acordo com o documento do Coaf, o senador e Queiroz possuem registros de operações bancárias semelhantes: os depósitos e saques eram feitos em caixas de autoatendimento dentro da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em operações feitas em espécie e com valores fracionados. O outro fato revelado pelo JN diz respeito ao pagamento de 1.016.839 de reais de um título bancário da Caixa Econômica Federal. O Coaf não sabe quem seria o beneficiário deste pagamento.

O que Flávio disse a respeito do título bancário da Caixa no valor de um milhão?

Com relação ao título de mais de um milhão de reais, Flávio afirmou que é referente ao pagamento de um imóvel comprado por ele. "É um apartamento que eu comprei na planta. Quando você compra um apartamento na planta, o financiamento fica com a construtora. Quando sai o Habite-se [documento que autoriza que o imóvel seja ocupado], que é quando a Caixa pode fazer o financiamento, você busca a Caixa que tem juros menores. A Caixa paga a dívida com a construtora e deixo de ser devedor da construtora e passo a ser devedor da Caixa. Quem fez essa operação foi a Caixa Econômica, não foi dinheiro meu", afirmou em entrevista à TV Record. "Aparece porque o CPF é meu, mas não é o meu dinheiro", diz. Especialistas em direito imobiliário confirmaram que o CPF de quem contrata financiamento bancário para pagar dívida com construtoras aparece na documentação quando o débito do imóvel é quitado, o que daria respaldo à versão de Flávio.

Por que ele depositou o dinheiro que diz ter recebido pelo imóvel em cotas de 2.000 reais, e não de uma vez só na boca do caixa?

Já sobre os 48 depósitos de 2.000 reais feitos em sua conta, ele diz que a origem do dinheiro são lucros de sua empresa (ele não disse qual) e de parte de um imóvel vendido no valor 2,4 milhões de reais. "Se colocava de 2.000 em 2.000 reais porque era o limite do caixa eletrônico. Se fosse dinheiro ilícito, eu depositaria na minha conta?", questionou em uma outra entrevista também na noite de domingo, desta vez na Rede TV. O filho do presidente não disse disse o motivo pelo qual não foi com a soma até uma agência e depositou tudo de uma vez, já que a maioria dos depósitos foi feito em horário comercial. Segundo a Folha de S. Paulo, o ex-atleta Fábio Guerra confirmou ter feito um pagamento em dinheiro vivo ao senador para saldar parte da dívida da compra de um imóvel. Disse, no entanto, que não tinha os recibos e que entregou valores superiores a 20.000 reais, não sabendo porque o senador eleito resolveu depositar da maneira fracionada. Ainda segundo a Folha, Flávio Bolsonaro registrou a compra, entre 2014 e 2017, de dois apartamentos em áreas nobres do Rio por 4,2 milhões de reais. Quando ele entrou na vida pública, em 2002, ele só declarou ter um único bem, um Gol 1.0.

Como começou o caso?

A investigação começou como parte da Operação Furna da Onça, um desdobramento da Lava Jato no Rio que já levou dez parlamentares fluminenses para a prisão e está a cargo do Ministério Público Federal do Rio. Na investigação do esquema, as autoridades do Coaf fizeram um pente-fino nas movimentações de assessores parlamentares e dos próprios parlamentares. Entre as operações consideradas atípicas, apareceram as de Fabrício Queiroz, PM da reserva, ex-motorista de Flávio e amigo de longa data da família Bolsonaro, que havia registrado movimentação bancária de 1,2 milhão de reais, “incompatível com seu patrimônio”, entre 2016 e 2017. Agora se sabe que as operações do próprio Flávio apareceram também em relatórios do Coaf.

Quem investiga agora?

Inicialmente o caso de Queiroz e e de deputados estaduais, incluindo o de Flávio Bolsonaro, foi remetido ao Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro, por não terem ligação direta com o esquema investigado pela Operação Furna da Onça. O caso está sobre sigilo de Justiça.

Todos os que tiveram operações atípicas rastreadas pelo Coaf, como Flávio, são alvo de ações por improbidade administrativa no nível cível, segundo o procurador-geral do Ministério Público do Rio, Eduardo Gussen. Flávio Bolsonaro é um dos 27 deputados estaduais investigados.

Como o Supremo entrou na história?

A defesa de Flávio Bolsonaro acionou o Supremo Tribunal Federal questionando a legitimidade do MP-RJ para conduzir a investigação. Os advogados alegam que agora ele, por ter sido eleito e diplomado senador, teria prerrogativa de foro, e também afirmaram que os sigilos bancários do parlamentar haviam sido quebrados ilegalmente pelos promotores – informação negada pelo procurador de Justiça do Rio, que disse que o Coaf só cumpriu as regras de rastreamento. O ministro Luiz Fux concedeu decisão liminar congelando temporariamente as investigações. Agora caberá ao ministro Marco Aurélio, relator do caso, decidir sobre a continuidade ou não do processo, o que deve ser feito à partir de fevereiro, quando o Judiciário volta do recesso.

Caso a investigação suba para o Supremo, o Ministério Público Federal deve assumir. No entanto, Marco Aurelio já sinalizou que irá seguir o entendimento recente do STF de que o foro privilegiado é restrito para crimes cometidos no exercício do cargo, o que não seria o caso de Flávio.

Qual suspeita paira sobre Flávio Bolsonaro?

Os investigadores não falam abertamente, mas uma linha de apuração é a suspeita de que o dinheiro que passou pela conta de Queiroz fosse parte do confisco de parte dos salários dos servidores do gabinete de Flávio, prática proibida, mas comum, em Câmaras, Assembleias e prefeituras do país. Isso porque os depósitos feitos na conta do ex-assessor coincidiam com as datas de pagamento da Alerj. Ele sempre negou essa hipótese, e afirmou que “não havia confisco” em seu gabinete.

O que já disse Queiroz em sua defesa?

O motorista, que faltou a vários depoimentos convocados pelo Ministério Público alegando problemas de saúde, deu sua versão dos fatos em uma entrevista para o SBT. Ele afirmou “não ser laranja” dos Bolsonaro, disse que os depósitos e saques (que totalizam 1,2 milhão de reais) são referentes à “compra e venda de carros usados”. “Sou um cara de negócios. Eu faço dinheiro, compro carro, revendo carro. Sempre fui assim, gosto muito de comprar carro de seguradora. Na minha época, lá atrás, comprava um carrinho, mandava arrumar e revendia. Tenho uma segurança

O presidente Bolsonaro é implicado no caso?

Segundo as investigações, Queiroz transferiu 24.000 reais para a conta corrente da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O presidente disse que a quantia é o pagamento de vários empréstimos feitos por ele ao motorista, que quitou a dívida com dez cheques de 4.000 reais. Jair afirmou que utilizou a conta da mulher porque ele não teria tempo de ir ao banco em função da rotina. Ele sempre negou qualquer irregularidade, mas confirmou não ter declarado o valor do empréstimo em seu de Imposto de Renda, uma vez que os valores “eram pequenos”, muito parcelados, e foram se "avolumando". "O empréstimo foi se avolumando e eu não posso, de um ano para o outro, [informar ao fisco] mais 10.000, mais 15.000. Se eu errei, eu arco com a minha responsabilidade perante o fisco. Não tem problema nenhum".

Outros familiares de Queiroz também estão envolvidos?

Duas filhas e a mulher do ex-assessor também são citadas pelo Coaf. Elas faltaram a um depoimento no MP-RJ, e alegaram que estavam acompanhando o pai no tratamento médico em São Paulo. que estava agendado para a terça-feira, 8. Nathalia, filha do motorista, trabalhava como personal trainer enquanto estava locada no gabinete de Flávio, como revelou a Folha de S.Paulo. No relatório do Coaf o nome dela aparece ao lado de transações de 84.000 reais.

Quando Queiroz irá prestar depoimento?

Ainda não há prazo para que isso ocorra. O advogado do ex-assessor pediu às autoridades que a oitiva de Queiroz e seus familiares seja marcada após o término do tratamento médico a que ele se submeteu para a retirada de um tumor no intestino

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_