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Busca por menino que caiu em poço mobiliza e comove a Espanha

Equipes de resgate fazem esforço descomunal para encontrar Julen, de dois anos, em Totalán. Buraco pelo qual passou tinha 25 cm de diâmetro e se tapou depois da queda no último domingo

Manuel Jabois
Moradores de Totalán (sul da Espanha) se reúnem nesta quarta-feira para expressar apoio aos familiares de Julen
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Em Totalán, um povoado cheio de oliveiras, amendoeiras, alfarrobeiras e muita vegetação no sul da Espanha, os vizinhos trabalham a terra, de onde obtêm sobretudo abacates e mangas. Apesar do clima subtropical, a região é extraordinariamente seca e costuma ter problemas de água. Na verdade, durante o verão a maioria dos povoados da comarca de La Axarquia sofre cortes de abastecimento em determinados horários. Esse é o motivo pelo qual tantos imóveis têm poços artesianos, muitos deles sem fiscalização das autoridades; são feitas prospecções em busca de um tesouro, que aqui é a água, e se esta não é encontrada até determinada profundidade, lacra-se o poço e vai-se embora. Em um desses poços, situados em uma propriedade de Totalán imediatamente vizinha ao município de Málaga, encontra-se preso desde domingo, 13, Julen Rosello, um menino de dois anos. Ninguém sabe em que estado se encontra o garoto, que caiu num poço – não lacrado – com 113 metros de profundidade. Foi como cair do alto de um prédio, com a diferença que na laje de um arranha-céu se vê o final, ao passo que um poço escuro, com 25 centímetros de diâmetro, é impossível enxergar. Julen foi tragado pela terra enquanto seu pai e sua tia tentavam alcançá-lo.

A Prefeitura de Totalán, um vilarejo minúsculo encravado na serra, fica numa rua estreita, e sua porta se distingue das demais casas porque sobre ela há um letreiro que diz “Casa Consistorial”, e quatro bandeiras pendem da fachada. Nesse bloco modesto, idêntico aos demais do povoado, desde 2007 quem manda é Miguel Ángel Escaño. Seu gabinete está decorado com um retrato do rei Felipe VI, uma paisagem de Totalán e, nas paredes, os cartazes eleitorais do seu partido, o centro-esquerdista PSOE, em todas as eleições municipais que disputou. "Uma concentração?", pergunta o prefeito, enquanto agita os braços. É terça-feira. Acaba de saber pelas redes sociais que haverá uma manifestação popular de solidariedade à família de Julen. Avalia as perspectivas de comparecimento para saber se é preciso interromper o trânsito em alguma rua.

De resto, em meio ao suplício que vive desde domingo, Escaño recupera o ânimo por um momento: encontrou casa para os mineiros da brigada de salvamento de Hunosa que chegaram das Astúrias, no outro lado da Espanha, em um avião disponibilizado pelo Exército, e outra casa para a família de Julen, entre eles seu pai, José, e sua mãe, Vicky, que até agora não se separaram do poço, dividindo-se entre uma tenda improvisada na propriedade e seu carro, onde passaram as noites. Pelo Facebook, moradores e proprietários não residentes de casas na área se ofereceram para dar um teto aos membros do gigantesco dispositivo de busca. Da mesma forma, dezenas de empresas de todo tipo ofereceram desinteressadamente suas ferramentas, seu conhecimento e sua mão de obra. A mais midiática foi a firma sueca de geolocalização SPT, que em 2010 ajudou a resgatar com vida os 33 mineiros chilenos retidos a 700 metros de profundidade.

“Se eu conheço alguém? Conheço o menino, acha pouco?” Carmen, uma moradora do bairro de El Palo, na cidade de Málaga, a 20 minutos de Totalán, vê as últimas notícias do caso pela televisão de um bar de frente para o mar. As últimas câmeras que pululam por aqui a estas horas, 20h de segunda-feira, só encontram malucos que dão trela a todo tipo de comentário e não querem que a conexão seja interrompida. Outra moradora agarra este jornalista e o leva ao lugar onde, nos primeiros meses de 2017, quando o tempo começava a firmar nesta paisagem espetacular das praias de El Palo, Oliver Rosello, de três anos – irmão mais velho de Julen –, desabou na rua, sofrendo um forte golpe na cabeça. Havia sido fulminado por um enfarte. “Morreu aqui”, diz. “Agora me diga, qual a chance de que uma criança morra desse jeito. Eu digo: quase nenhuma. E agora outro que ia fazer a mesma idade? Que caia num poço? Que é isso? Qual é a probabilidade de tudo isso? Nenhuma, digo eu. Então como vamos ficar aqui? Que nos expliquem isso, que expliquem como isso pode acontecer com uma família.”

A longa rua da praia em El Palo se chama Quitapenas, zona tradicional de pescadores, e nela se enfileiram, já fechados, bares, mesas na calçada, lugares que servem peixe na brasa, uma escola de dança, uma pequena academia onde uma pessoa corre na esteira. No verão, as famílias jogam ludo e videogame na frente das suas casas. Agora, numa mesa colocada na calçada, quatro homens jogam dominó a poucos metros de uma casa baixa com a porta aberta e cadeiras fora, onde rapazes e moças conversam, fumam e se divertem com a música ligada. Vários cartazes grudados nas paredes perguntam: “Precisa de dinheiro? 5.000 euros, 33 euros ao mês. Só com propriedade ou veículo”. Em um balcão se vê o vulto de um homem que, visto mais de perto, é apenas um busto de Jesus Cristo com uma bandeira espanhola que não tremula.

O povoado está tomado

Em seu gabinete, o prefeito de Totalán fica em pé. Dias antes pediu a vários jornalistas o telefone do primeiro-ministro Pedro Sánchez porque queria lhe falar sobre um sistema de buscas que havia convencido a ele, mas não à equipe de resgate. Também apareceu na televisão para dizer que estavam “improvisando”. “Eu falo claramente, mas não me pegam de novo”, diz, sobre a televisão. “A ministra já me disse que terei o que quiser, que pode se apresentar aqui qualquer um do Exército para me ajudar”, acrescenta. Recorda sua pouca margem de ação, exceto em assuntos logísticos que afetem o povoado. O comando da operação cabe ao coronel Jesús Esteban, e, enquanto o prefeito recorda isso, alguém lhe traz um telefone que toca. Faz sinal de que não vai atender, mas o avisam: “É o coronel”. “Diga, meu coronel!” Aparentemente, a equipe de resgate foi informada sobre a concentração da tarde. Escaño compartilha a informação que tem. As medidas serão umas ou outras, dependendo de serem mais ou menos de 20 pessoas. De seu pequeno escritório, o prefeito zela para que o inferno que sua cidadezinha virou seja o mais cômodo possível para quem tenta salvar a vida de Julen.

Totalán está tomada. Há dezenas de carros, jornalistas e guardas civis por toda parte fora do cordão de isolamento, a um quilômetro e meio de onde a operação acontece. Às 13h há gente de manga curta sob o sol de inverno; às 22h, cai um frio insuportável, e carros, trailers e peruas começam a descer em silêncio por uma sinuosa estrada no meio da serra. Lá em cima, no poço, permanecem operários, mineiros, bombeiros, engenheiros, técnicos e motoristas em uma corrida contra o relógio. Muitos dobraram seu turno, muitos acumularam mais de um dia inteiro sem dormir. Nesta zona no meio do campo, durante toda a noite, só se escutam os ruídos das máquinas.

Também a família continua ali; Vicky e José, os pais, recebem assistência psicológica enquanto esperam que Julen apareça vivo. “Estou vendo um pouco de luz”, diz o pai aos jornalistas. “Dou minha vida pelo meu neto, já não sou mais necessária”, afirma a avó materna. A última coisa que souberam dele foi quando o pai do menino, na corrida, jogou-se no chão para esticar o braço, pensando que o poço não era profundo e que poderia agarrar o menino. Segundo relatou ao jornal Sur, ele disse ao filho que seu pai estava lá, e que seu irmão Oliver, que morreu em 2017, os ajudaria. Escutou o menino chorar, e depois não ouviu mais nada. Não só era o segundo filho que sofria um acidente grave, depois da morte do primeiro. Quis a má sorte que caísse num buraco por onde não cabe ninguém maior que ele, e que ainda por cima se tapou depois da queda, numa área com um desnível muito complexo para trabalhar e deslocar a terra, no alto de um caminho quase inacessível para máquinas pesadas. Não há trégua para os pais de Julen.

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