_
_
_
_
_

Homem é humilhado e exposto pela polícia do Marrocos por usar vestido

Um homem que sofreu um acidente quando circulava trajando um vestido azul busca refúgio na Europa depois que vários agentes revelaram sua identidade

Francisco Peregil
Chafiq, numa imagem extraída de um vídeo de sua detenção, em 1º. de janeiro, em Marrakesh.
Chafiq, numa imagem extraída de um vídeo de sua detenção, em 1º. de janeiro, em Marrakesh.
Mais informações
Casamentos homossexuais como resistência a Bolsonaro
Kevin Hart desiste de apresentar o Oscar por causa de piadas homofóbicas
Resiliência LGBTI

Chafiq é um marroquino de 33 anos que há duas semanas só se atreve a se deslocar às escondidas pelas ruas de Marrakesh, a cidade onde trabalha. Vive como um pestilento desde que sofreu um acidente às 2h30 da madrugada de ano novo, quando vinha de uma festa. Trajava um vestido azul, com as costas descobertas. A polícia o tirou do carro, um grupo de homens se reuniu ao seu redor para insultá-lo. Chafiq é visto algemado, com as mãos às costas, descalço, enquanto vários meios digitais filmavam a cena e vários transeuntes o insultavam. Os vídeos circulam pelas redes sociais. “Todo mundo os viu”, lamenta-se Chafiq, por telefone, de Marrakesh. “Mas o pior de tudo é que vários agentes tiraram fotos do meu documento de identidade e o divulgaram nas redes.”

Chafiq acabava de comemorar a chegada do novo ano num hotel da cidade. Desde pequeno gosta de se vestir com roupas como saias e vestidos, e foi o que fez naquela noite. Até agora, nem seus pais nem seu irmão sabiam do seu gosto por roupas tidas como femininas, comenta. Tampouco os colegas da clínica onde trabalha como funcionário administrativo. No Marrocos, a homossexualidade é punida com penas de até três anos de prisão. Por isso, Chafiq levava uma vida dupla. Conseguiu mantê-la em segredo também durante os 11 anos em que serviu nas Forças Armadas. Até o Réveillon deste ano.

“Foi um simples acidente de trânsito com um motorista”, relata Chafiq. “Em princípio, continuei circulando com o carro, mas havia um engarrafamento e decidi retornar ao lugar do acidente. Surpreendi-me porque vi muita gente que cercava o meu carro. Tinha medo de sair. Eu queria, acima de tudo, proteger minha vida.”

Chafiq não abriu a porta, e a polícia quebrou a janela dianteira e o tirou por ela. “Todo mundo filmava e me insultava. Era humilhante. Depois me levaram a uma delegacia, e lá foi a catástrofe. Fotografaram minha carteira de identidade e a divulgaram em diferentes redes, como se eu fosse um criminoso. Depois me deixaram ir embora. E no dia seguinte, pela manhã, recebi mensagens dos meus colegas de trabalho que tinham visto o vídeo e minha carteira de identidade.”

A cúpula da polícia marroquina, num fato sem precedentes, anunciou sanções aos quatro agentes da prefeitura municipal de Marrakesh envolvidos na difusão dos dados. Mas o estrago já está feito. “O pior de tudo é o dano feito à minha família. Estou sofrendo muito por eles, quero deixá-los à margem de tudo isto que está acontecendo comigo. Quando viu o vídeo, minha mãe perdeu o controle. Todo mundo já sabe onde vivo e me reconhece na rua. Tenho medo, e gostaria que algum país da Europa me acolhesse. Meu sonho é viver em um país onde os direitos humanos sejam respeitados. A ativista Betty Lachgar está me ajudando a conseguir isso.”

Betty Lachgar, porta-voz do Movimento Alternativo pelas Liberdades Individuais (MALI) conta que “no Marrocos uma pessoa que seja travesti ou trans, depende como se considere, homossexual ou não… deve esconder-se sempre. Mas o pior que pode lhe acontecer é a humilhação que sofrem muitas pessoas LGTB quando sua identidade é revelada nas redes. Em um país como Marrocos é horrível. É um país conservador e homofóbico, de sociedade patriarcal. Chafiq nunca tinha pensado em deixar Marrocos. Vivia relativamente bem, mas agora toda sua vida está arruinada: com sua família, no trabalho, nas relações sociais…”

Lachgar observa que o artigo 489 do Código Penal marroquino, que pune “atos licenciosos e contra natura com pessoas do mesmo sexo” com penas de seis meses a três anos de prisão e multas equivalentes a 85 a 425 reais, aplica-se também a pessoas que as autoridades considerem “homossexuais em razão de sua vestimenta”.

Chafiq nunca saiu de Marrocos. Mas agora não sonha com outra coisa senão tentar a vida na Europa.

Três anos de prisão para homossexuais

FRANCISCO PEREGIL

Os coletivos de direitos humanos no Marrocos não se cansam de pedir a revogação do artigo 489 do Código Penal que pune com até três anos de prisão as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Mas às vezes as autoridades não se contentam com a dureza da lei e divulgam dados pessoais dos detidos para os meios de comunicação.

Em junho de 2015, por exemplo, foram detidos por “exibição impudica” dois homossexuais que se beijaram na Torre Hassan, monumento em cuja esplanada descansam os restos de Hassan II e Mohamed V, pai e avô, respectivamente, do atual monarca, Mohamed VI. O escárnio contra os dois detidos consistiu em revelar suas identidades e seus endereços residenciais, onde viviam com seus pais. Dezenas de pessoas foram para a frente das suas casas gritar contra eles.

No ano seguinte, em março de 2016, cinco homens entraram na casa de um homossexual que estava na cama com seu parceiro, na localidade de Beni Melal, um município de 163.000 habitantes a quatro horas de carro de Rabat. Depois de surrá-los, atiraram-nos nus à rua. Duas semanas depois, publicaram na Internet as imagens da humilhação pública. Num primeiro julgamento, uma das vítimas foi condenada a quatro meses de prisão, enquanto os agressores ganharam o benefício da liberdade condicional. Em segunda instância, os juízes determinaram que as vítimas fossem condenadas a três e quatro meses de prisão condicional, o que as poupa de irem presas, e sentenciaram dois dos agressores a seis meses de pena. Depois da decisão, dezenas de moradores se manifestaram em Beni Melal em defesa dos homofóbicos presos.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_