_
_
_
_
_

As mensagens atribuídas a facções que indicam o pacto contra o Governo do Ceará

Acordo firmado entre PCC, CV e GDE apontam para união contra inimigo em comum, segundo analistas

Mensagem deixada em um posto de saúde durante os ataques.
Mensagem deixada em um posto de saúde durante os ataques.Reprodução (Arquivo pessoal)
Mais informações
Moro promete linha dura contra as facções criminosas
Guerra de facções deixa Fortaleza sitiada
Uma semana de terror e medo em uma Fortaleza refém das facções

Um total próximo de 100 ataques a prédios públicos, queima de ônibus e até a explosão de uma bomba em viaduto alastrou o clima de insegurança pelo Ceará desde a última quarta-feira. Ao menos 100 pessoas estão presas, suspeitas de participarem dos ataques. Todas as ações são fruto de um pacto firmado entre facções criminosas rivais contra o governo estadual após a fala do secretário de Administração Penitenciária, conforme explicam especialistas e apontam “salves” (mensagens) atribuídas aos grupos.

Os ataques no Ceará tiveram início com uma fala de Luis Mauro Albuquerque, escolhido pelo governador Camilo Santana (PT) para assumir a pasta recém-criada. Em seu primeiro discurso no cargo, ele prometeu que não haveria mais a separação de presos no sistema prisional. Hoje, há cadeias específicas para membros de cada grupo, reflexo de outros ataque feitos em 2017 no Ceará após execuções dentro dos presídios no Amazonas – durante guerra das facções CV (Comando Vermelho, natural do Rio de Janeiro) e PCC (Primeiro Comando da Capital, originária de São Paulo).

A ameaça do secretário fez com que as facções rivais compactuassem em dar uma resposta ao governo. Além de CV e PCC, o estado tem atuação da GDE (Guardiões do Estado, grupo local com parceria junto ao grupo paulista) e da FDN (Família do Norte, atuante principalmente na região Norte e de presença mais reduzida no Ceará, além de ex-parceira do CV – rompeu vínculos no ano passado). O pacto de não agressão é transmitido nos “salves”, nome dado para as mensagens com ordens dadas pelos líderes das organizações e repassadas aos demais membros.

“Meus irmãos GDE, nós pede humildemente que vocês entendam que se chegar qualquer liderança, PCC ou CV na nossas cadeias, que os irmãos acolham e der tratamento de um bandido a eles, der água, comida, escova, pasta, roupas e lençol”, diz trecho de um salve atribuído à cúpula do GDE. A grafia foi mantida conforme as mensagens originais dos grupos. “Em cima desta situação vamos dá essa trégua porquê é o está que está fazendo isso propositalmente no intuito de nós se matar. Como nós sabemos disso e da intenção do estado judiciário, nós não iremos satisfazer a vontade do estado. Iremos recebe-los os nossos inimigos com a dignidade de bandido e esperamos o mesmo feedback do lado deles”, continua o texto.

Outro texto divulgado é atribuído genericamente ao “crime organizado”. “Não iremos tolerar opressão e nem mudança alguma dentro do sistema. Se não estiverem acreditando vão pagar um preço muito alto. Porque não vamos aceitar regime de carrasco de braços cruzados não”, diz o texto, que segue com ameaças ao governo cearense. “Assim que vocês mexer com qualquer um de qualquer facção, a ordem é pra tocar o terror geral, tacar fogo em bancos, Correios, delegacias e derrubar pontes e viadutos. Vamos deixar o estado num estado de calamidade pública”, prometem.

São cinco dias consecutivos de ataques. De lá para cá, o Ceará acelerou a inclusão de 373 novos policiais que estavam na preparação acadêmica, mais 220 agentes penitenciários, além de reforço com 300 integrantes da Força Nacional, enviados pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) e pedido de suporte de policiais militares de outros estados do Nordeste. A Bahia enviou 100 integrantes e há a expectativa de mais suporte. A Polícia Civil também indiciou mais de 50 integrantes de facções que já estão presos, acusados de divulgarem os “salves”. Esta reação é diferente da adotada em outros momentos.

No ano passado, o Ceará registrou outra onda de ataques também voltado à questões prisionais. Segundo Cláudio Justa, advogado e presidente do Copen (Conselho Penitenciário do Ceará), ações interrompidas quando o estado cedeu e dividiu as facções em presídios diferentes. “O que acontece hoje é diferente do que tivemos em 2016 e abril de 2017. Tem uma reação de rua por parte das facções, que estão nos territórios sobretudo mais vulneráveis. Nas outras ações precedentes, houve um recuo do estado, até com receio de se ter o agravamento da situação e um dano maior, não só ao patrimônio, mas também de perder pessoas”, explica.

Segundo Justa, a resposta diferente do estado fez com que as facções se unissem temporariamente contra o “inimigo comum”. “A preocupação para nós que conhecemos a realidade dos presídio, conhecemos as famílias, estes jovens dão o retrato fiel do que acontece. Vemos que tem disposição de tudo ou nada por parte das facções, não só questão do governo estadual, um tanto indulgente, mas com a presença do governo federal e a doutrina de ‘vamos por a casa em ordem’, ‘extirpar o crime’, essa lógica que assumiu o estado no discurso”, aponta.

Os grupos criminosos são formados por jovens “nem, nem, nem”, como explica o advogado. “São garotos jovens e adolescentes que nem frequentam a escola, nem atividade de comércio ou trabalho, nem estão integrados a qualquer atividade social. Esse é o exército cooptado, regimentado pelas facções. É um volume muito grande, eles não tem nada a perder, conseguem levantar dinheiro que dificilmente conseguiriam dentro de um trabalho lícito”, diz.

Estes grupos estão atuantes sobretudo nas periferias das cidades cearenses, locais apontados como escolha de onde a onda de crimes acontece. “Tenho observado que, no lado rico da cidade, não está acontecendo nada, nem um traque. É um silêncio… O pessoal está em casa. Onde está acontecendo tudo isso é na periferia, são nos bairros mais populosos e distantes do lado rico. As facções conhecem o território, sabe onde entrar, onde sair e onde ficar”, aponta Glauciria Mota, socióloga coordenadora do Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética da UECE (Universidade Estadual do Ceará).

A socióloga explica que há dez anos os governantes que comandaram o estado erraram ao não traçarem políticas públicas que combatessem a entrada das facções. Segundo ela, quando o CV e PCC se propagaram para o restante do país e o Ceará, a escolha foi para negar a existência de grupos criminosos nestes territórios e agir na base do enfrentamento. Ela ainda trata da questão com temor de se expandir.

“Também tememos que esta situação possa desencadear algo nacional ou nas regiões Norte e Nordeste, principalmente porque policiais estão vindo de outros estados. O pacto de PCC, GDE, CV e FDN é para combater o que for. Se houver assassinato, não acredito que será dentro do sistema penitenciário, é contra o estado opressor, segundo eles”, explica, listando dois pontos que fazem o governo agir com mais cautela. “Pode ser que o governo endureça. Por enquanto, tem dado proteção e tentado evitar mortes de agentes de segurança. Tem uma rede muito grande de soldados e não atacou o lado rico da cidade, nem pessoas foram mortas. São dois fatores que colocam o governo mais na retaguarda”, argumenta Glauciria.

Posicionamento oficial

Segundo a SSPDS (Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará), o número de presos por envolvimento nas ações criminosas” é de 110. Três pessoas morreram em suposto confronto com a polícia: duas ao atearem fogo em um posto de atendimento do Detran (Departamento Estadual de trânsito) e trocarem tiros com a PM, na madrugada de domingo (6/1), e uma ao atirar contra policiais na estrada CE-010, na quinta-feira (3/1).

“Entre as autuações, está ainda a de um suspeito, preso em flagrante, pela venda irregular de combustíveis a grupos criminosos. Um caminhão-tanque foi apreendido e o homem foi encaminhado para a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco). De acordo com as apurações, o suspeito vendia cada galão de gasolina a R$ 70”, explica a pasta sobre os presos.

A Ponte questionou a SSPDS sobre os reforços solicitados para as Polícias Militares de outros estados nordestinos (quantos estados foram acionados, quais corporações acataram o pedido e quantos integrantes serão enviados), bem como a confirmação de que 100 PMs da Bahia já estão no Ceará. Contudo, a nota da pasta omite responder estas questões.

Através de sua página no Facebook, o governador Camilo Santana explicou que “o esquema reforçado de segurança continuará, e com mais força ainda, por todo o tempo que for necessário para garantir a ordem e colocar atrás das grades todos aqueles que atentarem contra a sociedade”, garantiu. “Esse tem sido justamente o motivo desses atos criminosos: fazer com que o Estado recue dessas medidas fortes, o que não há nenhuma possibilidade de acontecer. Pelo contrário: endureceremos cada vez mais contra o crime. Criamos uma secretaria especialmente para a atuação rigorosa em todos os presídios, agindo com firmeza, dentro da lei e mostrando que o comando é do Estado”, posicionou-se o petista.

Texto originalmente publicado no site da Ponte Jornalismo

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_