Seleccione Edição

Lady Gaga: A ambição loira invade Hollywood

Lady Gaga, durante a estreia de ‘Nasce Uma Estrela’ no Festival de Cinema de Toronto, em setembro passado.
Lady Gaga, durante a estreia de ‘Nasce Uma Estrela’ no Festival de Cinema de Toronto, em setembro passado. AFP / Getty Images

É uma estrela com maiúsculas. Conseguiu tudo no mundo da música. Agora, seu desafio é o Oscar de melhor atriz.

Apesar de ter sido batizada por seus pais como Stefani Joanne Angelina Germanotta, ela bem poderia se chamar Maria Madalena. Falar com ela é enfrentar um glamouroso rio de lágrimas. Ícone da música, da moda e da cultura popular do nosso tempo, seja vestida de Armani ou Valentino, há um olhar de emoção sob a couraça sofisticada desta ganhadora de seis prêmios Grammy.

Seu salto da música para o cinema não para de lhe render reconhecimentos. E, por causa disso, há meses não para de chorar. Até Bradley Cooper, renascido como diretor, produtor, roteirista e colega de elenco de Lady Gaga em Nasce Uma Estrela, sorri quando recorda os berreiros que sua amiga abre. Menos mal, diz durante um encontro em Los Angeles (Califórnia, EUA), que as lágrimas caem agora, e não durante a rodagem de um dos filmes que mais seduziram a crítica nesta temporada. E que pôs Lady Gaga nos bolões de aposta para o Oscar. “Imagina? Nós rodamos em 42 dias, e o choro dela teria me colocado num tremendo aperto, atrasando tudo”, diz Cooper. “Ela não só é uma atriz incrível. Tem suas emoções à flor de pele, e isso é o que a gente busca na hora de trabalhar.”

Bradley Cooper não é só seu fã número um. Virou o profissional da indústria responsável por levar Lady Gaga à telona. E Hollywood abriu suas portas para ela. Seu nome corre entre os membros da Academia com vistas à festa do Oscar, em 24 de fevereiro. “Os prêmios não acabam com suas inseguranças, mas são um momento de alegria e ao mesmo tempo de humildade”, disse meses atrás esta nova-iorquina de 32 anos, durante sua passagem pelo Festival de Cinema de Toronto (Canadá). Seu Oscar é pressentido desde que Nasce Uma Estrela – quarta interpretação de um clássico pelo qual já passaram Janet Gaynor, Judy Garland e Barbra Streisand – estreou no ano passado no Festival de Veneza, em meio a uma tempestade que não foi capaz de calar o estrondo dos aplausos. “Bradley dirá o que for, mas para mim foi um sinal divino”, diz Lady Gaga. “Imagine se tivesse chovido no tapete vermelho com o vestido que eu estava usando. Ia ficar parecendo o Garibaldo [de Vila Sésamo]! Mas o céu se comportou bem com a gente, nos deu outra amostra de humildade.”

“Não é só uma atriz incrível, tem suas emoções a flor de pele”, diz Bradley Cooper

Essa palavra, “humildade”, é a última que alguém associaria a Lady Gaga. Ela soma mais de 77 milhões de seguidores no Twitter e uma fortuna equivalente a 1,2 bilhão de reais. Seu amigo Elton John é quem melhor define esta cantora transformada em atriz. “É como minha filha bastarda.” O falso parentesco a que se refere o cantor, que convidou Lady Gaga para ser madrinha de seus dois filhos, está centrado na sede de sucesso e no amor pelos holofotes.

Lady Gaga: A ambição loira invade Hollywood
Wirelmage / Getty Images

“A primeira coisa que pensei quando estive com ela pela primeira vez foi: ‘Deus nos acuda!”, recorda o ator Danny Trejo. Foi na rodagem de Machete Mata, cujo set recebeu uma visita da estrela. “Eu não poderia ter sido mais idiota”, arrepende-se Trejo. “Ela me demonstrou que não se pode acreditar em tudo o que se lê. É alguém incrível, mais profissional do que ninguém, uma pequena grande atriz que ainda por cima cozinha sua própria comida”. A coleção de panelas de Lady Gaga hoje está na casa de Trejo.

“Gosto de cozinhar”, confirma ela. Segunda geração de sicilianos e venezianos nos EUA, herdeira das melhores tradições culinárias italianas, diz que a conexão com Bradley Cooper foi imediata diante de um prato de macarrão amanhecido. Cooper assente. “Foi assim, como ela conta. Em cinco minutos eu sabia que ela tinha que ser a protagonista de Nasce Uma Estrela. Você acredita que eu não a conhecia? Mas escutei sua versão de La Vie en Rose e fiquei encantado. Aí vi seus olhos. Soube que nós dois tínhamos ascendência italiana. Foi mágico. A coisa se complicou quando falei com a Warner Bros. Tivemos que rodar uma cena como prova e fazer vários testes, mas no final nos deram luz verde. E fomos adiante.”

O estúdio tinha pouco a perder com o filme de estreia de Cooper como diretor. O orçamento, 132 milhões de reais, é baixo para Hollywood. A história do cinema está cheia de oportunidades musicais desperdiçadas. De Bowie a Taylor Swift, passando por Britney Spears, Rihanna, Eminem e Madonna. Mas Lady Gaga se desvincula de seus predecessores, esboçando um discurso sobre como se preparou para ser atriz antes que cantora. “O que aconteceu é que a música me aceitou primeiro.” Conta que estudou interpretação no Instituto Lee Strasberg, “uma derivação do método Stanislavski”. E que cada um de seus vídeos, de seus shows e suas interpretações em público tem muito de atuação. “Eu a chamo de Lady”, diz a atriz Chlöe Sevigny, que trabalhou com ela na série American Horror Story. “É uma figura icônica, e você pode ver em seus vídeos musicais e sobre o palco que se trata de alguém que controla, que sabe onde estão as luzes e a câmera.”

Lady Gaga com Bradley Cooper, em cena do filme 'Nasce uma estrela'.
Lady Gaga com Bradley Cooper, em cena do filme 'Nasce uma estrela'. Warner Bros / Everett Collection

Ela própria tampouco nega a dicotomia entre as duas formas de arte. “Quando canto libero uma vibração que sinto por todo o corpo. Tudo em mim reverbera antes de dar saída para o que tenho dentro. Quando atuo, vejo tudo tão grande na tela e desço a tal ponto em meu interior… É um lugar tão profundo que me dá medo. Nada a ver com a adrenalina de um show. Não posso estar mais grata por contar com um companheiro de viagem como Bradley Cooper para me guiar neste processo.” E volta a secar as lágrimas.

Barbra Streisand interpretou o mesmo papel há mais de quatro décadas. E considera Lady Gaga uma estrela, mas sobretudo no campo da música. “Tem um verdadeiro dom, um grande talento. É, em resumo, uma grande cantora.” O veterano John Travolta, outro ator e cantor, admirador das duas divas, contou ter propiciado o encontro entre ambas na casa de Streisand. “Adorei ser a cola que juntou essas duas grandes intérpretes para que se professassem sua admiração. Até proporcionei o chef e o jantar.”

Diante da perda de peso específico de muitas das novas estrelas de Hollywood, a meca do cinema parece abrir seus braços ao poder de fascinação que alguém como Lady Gaga desperta sobre o palco. Foi seduzindo os mandas-chuvas da indústria. O realizador Ryan Murphy foi quem lhe deu a oportunidade de trabalhar na série American Horror Story. “Pertence à velha escola. Seu estilo me lembra uma Barbara Stanwyck. E sua pele reflete a luz como a de Marilyn Monroe. Isso além de ser a pessoa com mais talento de todo o planeta.” O Sindicato de Atores já se apressou em selecionar seu trabalho em Nasce Uma Estrela entre os melhores do ano. “Faça o que fizer, ela tem um grande talento”, diz o cineasta Robert Rodriguez. “É alguém capaz de dizer a mesma coisa repetidas vezes e soar com tal convicção que parece a primeira vez: isso é ser boa”, salientou o ator Jonah Hill, respondendo aos ataques de quem reclamou da “afetação” da estrela na hora de promover o filme.

O próximo Oscar será o terceiro da vida de Lady Gaga. O primeiro foi em 2015, quando Scarlett Johansson a apresentou como “única e inigualável” antes de cantar uma memorável versão do tema principal de A Noviça Rebelde. Sua segunda aparição estelar no tapete vermelho foi como candidata a melhor canção por Til It Happens To You, do documentário The Hunting Ground. Nas duas vezes saiu do teatro sem os prêmios, e nas duas vezes acabou vomitando de nervosa no carro a caminho da cerimônia. Ela, sempre melodramática, diz que é algo que acontece com frequência. Músicas como Shallow, Always Remember Us This Way e I’ll Never Love Again, que escreveu em parceria e interpreta em Nasce Uma Estrela, já soam como candidatas ao Grammy e ao Globo de Ouro. As duas versões anteriores do filme também concorreram ao Oscar por canções como The Man That Got Away (1954) e Evergreen (1976), interpretadas por Judy Garland e Barbra Streisand, respectivamente. O crítico de cinema britânico Robbie Collins disse no The Daily Telegraph que seria um pesadelo para qualquer cantora seguir os passos de Judy Garland em seu primeiro filme. “Mas Gaga está à altura”.

“A ambição é como o oxigênio que alimenta o fogo, a única forma de seguir adiante”

Lady Gaga nunca escondeu sua ambição. “É como o oxigênio que alimenta o fogo. Sem ambição no começo de minha carreira nunca teria chegado onde estou. As negativas são contínuas e você precisa estar motivada para seguir em frente”. Contou com o apoio de sua família, que lembra dela como um prodígio musical que aprendeu a tocar piano com quatro anos. “E se não queria praticar, a outra opção era ficar sentada diante do instrumento sem fazer nada. Na minha casa eram rígidos. Meu pai colocava com seis anos Thunder Road, do Bruce Springsteen, enquanto dávamos voltas dançando com lágrimas nos olhos escutando a música. Cresci amando música e cinema da mesma forma. Por isso é uma honra ter participado desse filme. Sempre acreditei que um artista pode mudar de meio. E que isso causa uma explosão de talento. O que ainda não acredito que é o meu caso”.

Fora do entorno familiar sua vida foi se complicando. Filha de imigrantes italianos nos Estados Unidos, seu look era muito diferente do de suas colegas de classe. Seja no Convento do Sagrado Coração, uma escola particular de Manhattan em que estudou piano, seja na Escola de Artes Tisch. “Minhas feições não tinham nada a ver com as das jovens loiras de olhos azuis e rostos simétricos que tinha como colegas. Somente quando cresci aprendi a apreciar meus traços, minha herança”. Depois precisou ouvir sugestões indesejáveis, como a do executivo do mercado da música que sugeriu que ela fizesse uma rinoplastia antes de lançar seu primeiro álbum. Também precisou lidar com os abusos. “Comecei na música aos 19 anos. Os abusos eram a regra e não a exceção quando você entrava em um estúdio de gravação”, disse recentemente em uma entrevista à The Hollywood Reporter.

Lady Gaga: A ambição loira invade Hollywood
WireImage / Getty Images

Por isso sente sua própria carreira como uma vocação não somente artística e sim também humanitária. Uma forma de dar voz aos que não a têm. “É muito consciente de seu papel, da plataforma que tem e de como os jovens - as garotas em particular - prestam atenção nela. Sabe o poder e a influência que tem e quer ser generosa com isso”, diz Chris Moukarbel, autor do documentário Gaga: Five Foot Two. “Essa é parte do que me atrai nela, eu também sou um dos diferentes. E me atrai a luz que emana alguém como eu que além disso faz sucesso na hora de fazer o bem”. Já está há muito tempo na estrada com seu ativismo no coletivo LGBT e com sua organização Born This Way contra o abuso agora que já falta pouco para saber se Hollywood irá glorificá-la de vez. “É o que me faz sentir que tudo valeu a pena. Os altos e baixos. Os erros, as quedas e as vitórias me deram uma carreira com a qual ajudo mais pessoas no mundo”.

Talvez sejam lágrimas de crocodilo. Ou discursos para esquentar o Oscar. Mas a meca do cinema encontrou a estrela que há tempos procurava.

Lady Gaga canta no Super Bowl em Houston, Texas, em 2017.
Lady Gaga canta no Super Bowl em Houston, Texas, em 2017. AP

MAIS INFORMAÇÕES