_
_
_
_
_

A crescente indignação contra Orbán sai às ruas da Hungria

10.000 manifestantes pedem em Budapeste anulação da norma que estende jornada de trabalho Políticas do Governo do amigo de Bolsonaro, que esteve na posse em Brasília, causam rejeição

Manifestantes na praça Kossuth, em Budapeste, protestam neste sábado contra a ‘lei da escravidão’ do Governo de Orbán.
Manifestantes na praça Kossuth, em Budapeste, protestam neste sábado contra a ‘lei da escravidão’ do Governo de Orbán.FERENC ISZA (AFP)

“Um mês atrás isto era impensável", diz András Biró-Nagy. O cientista político húngaro se refere à onda de protestos que acontecem em seu país desde 12 de dezembro, quando o Governo de Viktor Orbán aprovou a “lei da escravidão”, como vem sendo chamada por seus críticos. Uma legislação que permite a todas as empresas aumentar de 250 para 400 as horas extras anuais por trabalhador e dá um prazo de até três anos para o pagamento dessas horas ao empregado. Neste sábado, milhares de cidadãos voltaram às ruas de Budapeste, desafiando o frio e a neve para protestar contra a controversa reforma de iniciativa do Executivo. Eram cerca de 10.000, de acordo com a mídia húngara. Desde o início de 2019, houve 15 protestos em todo o país. A raiva dos trabalhadores está aumentando.

As passeatas contra Orbán, que esteve em Brasília para prestigiar a posse de Jair Bolsonaro na última terça-feira, vêm sendo lideradas principalmente por jovens, de estudantes universitários ou recém-formados a funcionários de fábricas. Esta indignação conseguiu algo que parecia impensável no país da Europa Central: unir os vários partidos de oposição, que estão fragmentados e têm sido incapazes de oferecer uma alternativa ao mandato de Orbán desde que o líder do Fidesz assumiu o poder em 2010.

"É o momento de deixar de lado nossos interesses partidários e recuperar o Estado de direito na Hungria”, diz a deputada ambientalista Bernadett Szél

"É um fato inusitado: agora estão sentados na mesma mesa os partidos social-democratas, os verdes, os liberais, e até mesmo o Jobbik, de extrema direita", diz o cientista político András Biró-Nagy, codiretor do instituto Soluções Políticas. Todos pedem a revogação da lei, mas também elaboraram um manifesto de cinco pontos no qual exigem do Governo a independência do sistema judicial, o fim da propaganda midiática estatal, liberdade de imprensa, que a Hungria integre o Escritório Europeu de Luta contra a Fraude e melhore as condições de trabalho da corporação policial. Alguns dos grupos sindicais ameaçam promover uma greve geral se o Executivo de Orbán se recusar a negociar.

“Temos que continuar mantendo a pressão. É o momento de deixar nossos interesses partidários de lado e recuperar o estado de direito na Hungria", diz Bernadett Szél, ex-presidenta do partido ambientalista LMP. Em 17 de dezembro, esta deputada independente foi forçada a deixar a redação da emissora de televisão pública húngara depois de passar a noite lá com outros políticos para exigir a leitura ao vivo do manifesto de cinco pontos. O vídeo que mostra a expulsão desses deputados do edifício público se tornou viral em pouco tempo.

Manifestantes contra Orbán neste sábado nas ruas de Budapeste.
Manifestantes contra Orbán neste sábado nas ruas de Budapeste.FERENC ISZA (AFP)

"É cedo para saber qual será o impacto dessas manifestações. Mas o que está claro é que o Governo não esperava por isso. Eles estão confusos, o que representa uma pequena conquista para a oposição", diz Péter Krekó, diretor do instituto húngaro Capital Político.

Enquanto isso, o Executivo emitiu um comunicado acusando a oposição de só estar interessada na "luta política do momento" e dizendo que os "violentos protestos de rua" são financiados pelo magnata e filantropo George Soros, arqui-inimigo de Orbán. Até agora as manifestações foram em grande parte pacíficas, embora tenha havido alguns confrontos com a polícia, que usou gás lacrimogêneo.

Desde que Viktor Orbán, líder e fundador do partido Fidesz, assumiu o poder no Governo húngaro, em 2010, levou a cabo uma série de políticas ultraconservadoras e liberais que deterioraram muito a relação de Budapeste com a União Europeia. Sua reforma dos tribunais comuns enfraqueceu a independência do Judiciário, segundo a oposição.

No total, 5% da população húngara em idade ativa trabalha fora de suas fronteiras, em outros países da UE

A liberdade de expressão também foi afetada com a ascensão dos órgãos da mídia governamental e o fechamento dos principais periódicos independentes. Normas como a lei Stop Soros, que criminaliza a ajuda aos imigrantes, mina os valores fundamentais da União Europeia, segundo a Comissão Europeia. Em dezembro, a Central European University (CEU), financiada por Soros, anunciou que deixará Budapeste e se transferirá para Viena, pressionada pelo Governo.

"Até agora, as pessoas não se sentiam diretamente afetadas pelas mudanças do Governo, embora fossem de natureza constitucional e minassem nossa democracia. Mas a lei da escravidão realmente as prejudica, pois as obriga a trabalhar mais horas. Foi a gota que encheu o copo", diz o cientista Krekó.

Mais informações
A Hungria ultraconservadora elege George Soros como inimigo
Hungria aprova a polêmica lei que criminaliza a ajuda aos imigrantes

A lei sobre horas extras é uma medida para tentar agradar aos empresários, especialmente multinacionais estrangeiras sediadas na Hungria, que reclamavam havia muito tempo da falta de pessoal em um país que, segundo o FMI, deve ter crescimento do PIB de 3% este ano. No total, 5% da população húngara em idade ativa trabalha fora de suas fronteiras, em outro país da UE. Desde 2010, entre 350.000 e 500.000 pessoas deixaram a Hungria. A maioria delas é jovem e procura oportunidades de emprego com um salário melhor do que os cerca de 600 euros líquidos (2.550 reais) pagos em média na Hungria. "Se os imigrantes não podem vir para o país e há uma demanda de trabalho, quem trabalhará?", pergunta ironicamente Krekó.

“Os jovens sentem que não têm futuro aqui, muitos estão cansados desta atmosfera política e conservadora", explica Biró-Nagy. O partido político que aglutina essa indignação juvenil é o Momentum, uma legenda que não conseguiu entrar no Parlamento nas últimas eleições. Sua vice-presidenta, Anna Donáth, 31 anos, anunciou há algumas semanas que "2019 será o ano da resistência". E 2019 será também um ano eleitoral na Hungria: no segundo trimestre haverá eleições para o Parlamento Europeu e no segundo semestre, as eleições locais. "Estou convencido de que essa mobilização de cidadãos pode influenciar os resultados", diz Bálazs Bárány, do partido socialista húngaro MSZP.

O melhor do EL PAÍS Brasil no seu email

Clique aqui para assinar a nova newsletter diária.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_