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Alta acumulada da Bovespa contrasta com tensão no mundo por temor de crise global

Presidente do banco central norte-americano afirma que será flexível com os juros e que não renunciará mesmo que Trump peça

O presidente da Reserva Federal, Jerome Powell.
O presidente da Reserva Federal, Jerome Powell.Yuri Gripas (REUTERS)
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Wall Street está inquieta e os investidores preocupados pelas dúvidas sobre a crise global. A Bolsa dos EUA acumula perdas de 20% no último trimestre. O petróleo também despencou, as tensões políticas em Washington não ajudam a economia, e o crescimento da China se desacelera sem registrar ainda os efeitos da guerra comercial. O presidente da Reserva Federal (o Fed, banco central dos EUA), Jerome Powell, pediu na sexta-feira “paciência” aos mercados e se mostrou disposto a mudar sua política de aumento de juros se o clima piorar. Wall Street respondeu com ganhos superiores a 3% após perdas na véspera.

Enquanto isso, no Brasil, a euforia com a chegada de Jair Bolsonaro e sua agenda liberal ainda foi a tônica da semana na Bolsa de Valores de São Paulo, que bateu recordes consecutivos. Na sexta-feira, no entanto, já havia os sinais dos primeiros ruídos. Os investidores começaram o dia de mau humor, reagindo às declarações do novo presidente de que defende uma reforma da Previdência mais branda do que a desejada por sua equipe econômica. As dúvidas ventiladas pelo novo ocupante do Planalto sobre o acordo entre a brasileira Embraer e a Boeing também fizeram as ações da companhia brasileira cair. Tudo só melhorou com a declaração de Powell sobre os juros nos EUA - o dado importa para a Bovespa porque taxas maiores no mercado norte-americano podem atrair para lá recursos aplicados em outras economias, como a brasileira.

O presidente do Fed tentou acalmar os ânimos afirmando que será “paciente” ao avaliar os riscos pela preocupação dos mercados por uma desaceleração global. Ao mesmo tempo, se mostrou otimista ao afirmar que a expansão continuará acima do potencial em 2019 apesar de antecipar uma moderação. Wall Street tem muitas coisas a digerir ao determinar o rumo da economia dos Estados Unidos, especialmente após o alerta da Apple aos investidores por seus negócios na China.

Os investidores estão nervosos e as dúvidas aumentam sobre a crise global. Os mercados estão há três meses expressando preocupação pelos rumos da política monetária nos EUA, a baixa econômica da China, o impacto das tensões comerciais e o caos político que domina em Washington. Powell considera, entretanto, que o sentimento dos investidores está adiante dos dados, e esses sinais contraditórios complicam seu trabalho. “Seremos pacientes ao avaliar o desempenho da economia”, afirmou ao se referir ao andamento da estratégia. Nesse sentido, disse, será sensível e está aberto a realizar mudanças se for preciso. “Sempre estamos preparados para mudar os rumos de nossa política monetária de maneira significativa se for necessário”, disse, ao mesmo tempo que frisou que os dados econômicos continuam sólidos. Powell afirmou que o FED está pronto “para ajustar sua política (monetária) de maneira rápida e flexível”.

Recuperação em Wall Street

Powell interveio em uma mesa redonda com Yellen e Bernanke organizada em Atlanta pela American Economics Association. Seus comentários foram recebidos com alívio por Wall Street, que aumentou mais de 2,5% após a queda brusca de quase 3% na véspera. Na Bolsa dão como certo que o próximo aumento dos juros não será iminente. O último aumento foi decidido em dezembro, para situá-los entre 2,25% e 2,5%.

O presidente Donald Trump não hesitou um segundo em proclamar que a retomada na Bolsa era mérito dos planos que tinha para levar o crescimento acima de 3%. Mas agora que os mercados vão na direção oposta, divide a culpa com outros. O primeiro objetivo de seu ataque foi criticar a Reserva Federal por aumentar os juros. Chegou a dizer que era o maior problema da economia.

Mas nessa semana começou a admitir que existem outros fatores que criam ansiedade entre os investidores. “Nosso país está, de longe, muito melhor que outros no mundo”, afirmou durante a reunião de seu gabinete na quarta-feira, “todo mundo fala de nós”. Para depois dizer que apesar do tropeço de dezembro, os mercados estão 30% acima de quando foi eleito presidente.

A partir daí previu que Wall Street voltará a subir quando “as questões comerciais forem resolvidas”. O republicano negou até agora que a guerra tarifária entre os EUA e a China fosse um fator de risco ao crescimento econômico. As duas potências acertaram em 1 de dezembro uma trégua de três meses para negociar um pacto que permita acabar com a disputa.

Temor pela desaceleração chinesa

O alerta da Apple aos seus investidores reflete perfeitamente os temores que dominam a Bolsa. Tim Cook, o executivo chefe, citou expressamente a diminuição do crescimento na China como o principal fator que o levou a rebaixar a projeção de lucro para o trimestre das compras natalinas. E alertou que o litígio comercial só acrescentou mais pressão à situação.

Apesar da tensão que domina em Wall Street, o dado de emprego de dezembro mostra que a economia avança com solidez. Os membros da Reserva Federal que falaram nessa semana afirmam que escutam o mercado “com cuidado” e que por isso tentam incorporar esses riscos em sua estratégia. Também dizem que ninguém espera um crescimento de 3% como no último exercício nos Estados Unidos.

Essa moderação, afirmam, não significa que se caminha a uma recessão. Larry Kudlow, principal assessor econômico de Donald Trump, fez a mesma afirmação ao avaliar o dado de emprego e considera que os temores do mercado são exagerados. Também afirma que as empresas estão “investindo muito”. Acha que o problema da Apple com a China é que sua tecnologia chegou a um limite e tem mais competidores.

Kevin Hassett, economista chefe da Casa Branca, não descarta, entretanto, que outras grandes multinacionais sigam o caminho da Apple e mostrem nos resultados o efeito da desaceleração da economia na China. “Será ruim aos lucros de empresas norte-americanas”, afirmou. Isso, na sua opinião, coloca ao mesmo tempo “muita pressão na China para realizar um pacto” comercial com os EUA.

Jerome Powell deu a entender que não há urgência por aumentar mais rapidamente os juros, porque a inflação dá margem de manobra e porque os juros atuais já estão muito próximos a uma posição neutra. E ainda que os dados continuem sendo sólidos no geral, admite que existem muitas correntes em jogo, algumas dais quais alimentam a incerteza. Por isso reiterou que o desafio é conquistar um equilíbrio.

Powell, como Cook, tem a esperança de que se consiga um acordo na frente comercial que permita acabar com a incerteza. E deixou claro que a cultura do Fed é robusta e não se deixará levar por pressões políticas. Também disse que não pensa em renunciar se Trump pedir. Yellen disse que espera que acabem as críticas contra o banco central para que o trabalho da instituição não seja questionado.

No Brasil, euforia (ainda) com agenda reformista de Bolsonaro

AFP

A Bolsa de São Paulo fechou, nesta sexta-feira, a primeira semana do Governo de Jair Bolsonaro com seu terceiro recorde consecutivo. A euforia entre os investidores, no entanto, veio acompanhada de cautela em razão das declarações desencontradas do mandatário e de seus auxiliares sobre propostas econômicas do Governo.

Um dia depois da posse de Bolsonaro, o índice Ibovespa superou pela primeira vez a marca dos 90.000 pontos, um aumento de 3,56%. Na quinta-feira o avanço foi de 0,61% e, na sexta, houve novo incremento de 0,3% (atingindo assim 91.840 pontos).

Para a consultora Capital Economics, os mercados brasileiros “registraram um forte desempenho” nesta semana, na esteira do otimismo gerado pela agenda reformista de Bolsonaro. Está nessa agenda um amplo programa de privatizações, a redução do tamanho do Estado e do gasto público. A consultoria adverte, no entanto, que o otimismo pode ter vida curta, uma vez que ainda não há sinais claros de que o Bolsonaro terá a força necessária no Congresso Nacional para levar adiante uma reforma da Previdência nos moldes da esperada pelo mercado.

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