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Os percalços dos planos A e B de Paulo Guedes para controlar o gasto público

Superministro propõe incluir sistema de capitalização em reforma da Previdência. Ele já pôs na mesa banir regras de gasto obrigatório com saúde e educação

Ministro da economia, Paulo Guedes, em Brasília.
Ministro da economia, Paulo Guedes, em Brasília. Leo Correa (AP)
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A principal pauta econômica de Jair Bolsonaro, a reforma da Previdência, tem sido palco de intensas especulações nos últimos dias. Na noite desta terça-feira, o superministro de Economia, Paulo Guedes, deu mais pistas sobre a proposta que está sendo desenhada pela equipe econômica. Guedes afirmou que, além de reformar o regime atual, a intenção é já incluir no novo texto o sistema de capitalização para as pessoas que ainda entrarão no mercado de trabalho. Este regime consiste em uma espécie de poupança que o próprio trabalhador faz para assegurar sua aposentadoria no futuro, algo semelhante à previdência privada e que tem inspiração chilena –apesar de o próprio país vizinho estar discutindo mudanças em seu modelo. Hoje o sistema atual é o de repartição, em que os trabalhadores ativos pagam os benefícios dos aposentados. “Vai ser tudo junto (...) o sistema de capitalização como nós estamos desenhando é algo bastante mais robusto. É mais difícil, o custo de transição é alto, mas estamos trabalhando para as futuras gerações”, disse Guedes a jornalistas após reunião com chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

O ministro, entretanto, não detalhou o tema e tampouco as regras para idade mínima. Ele apenas indicou que o Governo está estudando uma proposta com regra de transição "da mesma profundidade" da levada pela gestão de Michel Temer, que considerava um tempo de 20 anos anos para essa travessia. Essas mudanças parecem ser ainda os pontos de atrito entra a equipe de Guedes e a ala política. Uma versão da nova proposta deve ser levada ao presidente na próxima semana.

Nos últimos dias, Bolsonaro causou certo constrangimento com a equipe econômica ao falar em uma reforma mais leve. O presidente chegou a afirmar, por exemplo, que a idade mínima para a aposentadoria poderia ser de 62 para homens e 57 para as mulheres. Uma proposta bem mais branda que a de Temer, aprovada pela comissão especial da Câmara, em que se determina uma idade mínima de 65 anos para homens e 62 para as mulheres.

Guedes e Onyx trataram de desfazer a ideia de uma reforma mais light.  “Nós deveremos apresentar uma proposta e o nosso objetivo é que o Brasil, nos próximos 20 anos, não tenha mais que falar de reforma da Previdência”, afirmou Onyx. Ele ressaltou, no entanto, que ela será "humana" e com condições para passar no Congresso. Pensando já no curto prazo, o Governo enviará ainda uma medida provisória contra fraudes e privilégios na Previdência, em que se espera economizar de 17 bilhões a 20 bilhões de reais por ano.

Plano B

Nas poucas vezes que se pronunciou nesses primeiros 9 dias de gestão Bolsonaro, Guedes tem defendido uma reforma mais dura - que realmente ajude a tirar as contas do país do vermelho - ainda que se espera que ela tenha certa dificuldade de ser aceita, na sua totalidade, pelos parlamentares. Em seu discurso de posse, o superministro chegou a causar desconforto ao já apresentar um plano alternativo para lidar com o descontrole das contas públicas caso a Previdência não avance no Congresso. O projeto B de Guedes consistiria em desvincular, desindexar e desobrigar as despesas, desamarrando assim o Orçamento.

A ideia de apresentar uma alternativa à Previdência não foi bem recebida por economistas ouvidos pelo EL PAÍS que não acreditam em uma saída do desequilíbrio das contas públicas sem passar pela reforma das aposentadorias. "Paulo Guedes fez um diagnóstico correto da economia, mas não entendi em uma fala inaugural ele já colocar a possibilidade de não aprovar a Previdência. Não há plano B para ela, ou faz ou faz, estamos falando de uma despesa no nível federal que consome 60% das receitas líquidas do Governo", diz Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. Segundo estimativas do Itaú, hoje a Previdência é responsável por 50% do gasto primário e crescerá 6% ao ano caso as regras da aposentadoria e do valor do salário mínimo forem mantidos.

Na avaliação de Latif, diante de um dos orçamentos mais "engessados" do mundo, falar em desvincular é importante, mas a medida não seria suficiente para resolver o problema fiscal do país. Atualmente, cerca de 91% das despesas primárias da União —aquelas que não têm a ver com dívida pública— são obrigatórias, segundo estimativas do antigo Ministério do Planejamento. "Quem ganha a eleição, ganha como uma amarra e não consegue definir suas prioridades de gastos. Fazer desvinculação é importante, porque as necessidades da sociedade vão mudando, mas não a vejo como plano B para a Previdência".

A mesma análise é feita por Lívio Ribeiro, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV IBRE. "O discurso deu a entender que são medidas substitutas, mas na verdade são complementares. Todo mundo tem consciência da importância da Previdência e, quando ele apresenta um plano alternativo, ele sinaliza que pode dar errado. Em termos de negociação é um passo perigoso", diz Ribeiro.

Além de gerar um problema fiscal, nas próprias palavras do novo superministro da Economia, o sistema previdenciário é uma "fábrica de desigualdade". Hoje, o gasto per capita com militares, por exemplo, é sete vezes maior que com pessoas do regime geral privado. " A reforma quer alterar algumas dessas desigualdades, tem um efeito distributivo, um efeito colateral benéfico que não pode ser substituído também", completa o pesquisador.

Mas o que realmente significa desvincular, desindexar e desobrigar as despesas?

Especialistas em contas públicas apontam a necessidade de desengessar o Orçamento Público há anos. A tarefa, no entanto, assim como a reforma da Previdência não é fácil. Para que isso seja feito é preciso, primeiramente, mudar a Constituição, sendo necessária a aprovação de três quintos dos parlamentares. A pauta tampouco é popular, pois significa entre outras medidas permitir maior flexibilidade do Governo nos gastos em saúde e educação e permitir que pensões e aposentadorias, por exemplo, aumentem menos que a inflação.

Gastos com saúde e educação

Atualmente, cerca de 90% dos gastos são despesas que o Governo precisa, por lei, realizar. Estão nesta lista os gastos obrigatórios, como com Previdência, folha de pagamento e abono salarial, e também os chamados vinculados, que se aplicam apenas para as áreas de saúde e educação. Esta regra prevê que Estados têm que destinar 12% da receita líquida de impostos e de valores transferidos pela União para saúde e os municípios, 15%. Já no caso da educação, tanto Estados como municípios precisam destinar 25% da arrecadação.

Na prática, elas passaram, no entanto, a ser indexadas (a ser reajustadas apenas de acordo com a inflação do ano anterior) depois de que o teto de gastos entrou em vigor. Mas ao contrário do conjunto das despesas do Governo que, submetido ao teto não pode crescer acima da inflação, os valores gastos em educação e saúde usam o reajuste pela inflação como um piso: elas precisam aumentar pelo menos isso, mas podem subir mais, caso o Governo julgue necessário. Caso Paulo Guedes quisesse flexibilizar essas despesas, ele teria que modificar também a regra do teto, o que também precisa de três quintos do Congresso. O temor de alguns especialistas é que ao desobrigar os gastos em saúde e educação, esses setores que são essenciais para todo população, mas principalmente para os mais pobres, sejam impactados.

Em seu discurso, ao falar de desindexação, mas sem dar detalhes, o novo ministro também deixa no ar se a forma como é calculado o salário mínimo seria modificada, em uma eventualidade de um plano B. Nos últimos anos ele tem sido corrigido pela inflação do ano anterior mais o crescimento do PIB de dois anos antes, o que muitas vezes, tirando os anos de recessão, significa um aumento real.

A questão é importante porque o salário mínimo é hoje o piso de benefícios pagos pela Previdência, Benefício de Prestação Continuada (BPC), seguro-desemprego e o abono salarial. O que significa que qualquer aumento do salário mínimo gera impacto nas contas públicas.

Na avaliação da economista Juliana Inhasz, coordenadora do curso de graduação em economia do Insper, ainda que as desvinculações e desindexações fossem realizadas ela não substituiria a questão da Previdência. "Temos um problema de aposentadorias estrutural e precisamos de uma mudança estrutural. A alternativa dada por Guedes é de curto prazo, pode funcionar no início, mas depois as contas não vão fechar, e ações como mandar pessoas embora, ou terminar, por exemplo, com o abono salarial, podem surgir", diz.

Inhasz acredita, no entanto, que a intenção de Guedes ao colocar essa opção na mesa era apenas pressionar os parlamentares. "Acho que foi uma forma de sinalizar que a equipe econômica está comprometida com uma proposta de reformar a Previdência e que, se eles não ajudarem a passar, a bomba será jogada no colo deles. Hoje um problema que é da esfera federal pode cair para Estados e municípios, serão eles que terão que fazer os cortes de gastos. Caberia a Estados e municípios a responsabilidade e a impopularidade se PECs de desvinculação e desindexações passassem", completa.

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