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Videogames olímpicos?

Em busca dos mais jovens, COI faz reuniões para se aproximar da indústria dos esportes eletrônicos. Os envolvidos pleiteiam entrar no programa dos Jogos de Los Angeles-2028

David Álvarez
Final da Iberian Cup de 'League of Legends', em dezembro em Barcelona.
Final da Iberian Cup de 'League of Legends', em dezembro em Barcelona.JUAN BARBOSA (EL PAÍS)
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Thomas Bach, 64 anos, ouro olímpico na esgrima em Montreal-1976, presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), sentou-se em julho passado no palco do auditório do museu do COI em Lausanne com Jacob Lyon, mais conhecido como Jake, 21 anos, profissional do videogame Overwatch. Estavam ali para falar de suas coisas: Bach, dos Jogos Olímpicos; Jake, das competições de elite dos videogames (eSports, ou esportes eletrônicos), e ambos, do que podia haver em comum entre esses dois mundos. Bach tinha apresentado o encontro como um “choque de culturas”, e no entanto lá estavam eles, forjando um entendimento que aponta para a inclusão dos videogames no programa dos Jogos Olímpicos de Los Angeles-2028.

Depois do evento em Lausanne, o COI incluiu os eSports na agenda de quatro reuniões de alto escalão realizadas até o final de 2018, entre elas a do comitê executivo do COI, em 1º de dezembro em Tóquio. Uma aproximação convicta, mas cautelosa.

Durante a conversa com Jake, Bach se mostrou amável, mas receoso, especialmente com os jogos violentos (uma “linha vermelha”) e com os procedimentos. O COI quer ditar o ritmo sem se sentir pressionado. Mas havia razões para que se sentassem juntos. Várias foram vistas no vídeo apresentado durante o evento: 165 milhões de “entusiastas” dos eSports em 2018, 15,2% a mais que em 2017; audiência global de 380 milhões; 52 milhões de euros (222,7 milhões de reais) em ingressos para eventos; 100 milhões de euros (428,3 milhões de reais) em prêmios. Os eSports vivem a efervescência de uma explosão, enquanto os Jogos Olímpicos procuram atrativos para audiências jovens: em Tóquio-2020 serão conhecidos os primeiros campeões olímpicos de skate, escalada, surfe e basquete 3x3.

Em 2018, o COI fez pelo menos cinco reuniões com foco em se aproximar dos eSports

A bola que levou Bach e Jake a se sentarem juntos começou a rolar em setembro de 2017, por iniciativa do presidente da candidatura de Paris-2024, Tony Estanguet: “Não podemos dizer que [os eSports] não têm nada a ver com os Jogos Olímpicos. Há tempo para estudar isso. Não quero dizer ‘não’ desde o começo”, afirmou.

Agora, com os Jogos já atribuídos à capital francesa, uma fonte oficial do comitê organizador aponta outra vertente do interesse: “Paris investiu muito nos últimos quatro anos para se tornar a capital europeia dos eSports. A candidatura trabalhou com a cidade para ver de que forma podiam colaborar nisto”, diz. O programa olímpico consta de 28 esportes fixos, aos quais em cada edição um ou mais são acrescentados. Em Tóquio serão cinco, chegando a 33. Paris ainda não fechou sua programação, e em sua elaboração o COI sempre leva os interesses da sede em conta; por isso em Tóquio haverá a estreia do caratê e a volta do beisebol, paixões dos japoneses.

Thomas Bach e Jake, em julho passado no museu do COI em Lausanne.
Thomas Bach e Jake, em julho passado no museu do COI em Lausanne.Greg Martin (COI)

O caso dos videogames tem peculiaridades únicas. Na verdade, os eSports são vários: joga-se League of Legends, Overwatch, Counter Strike, FIFA e os PS. Os jogos são propriedade das empresas que os criaram, redigiram suas regras e organizam os torneios. A existência de uma federação internacional carece de sentido, exceto como um trâmite imprescindível para o reconhecimento olímpico. Embora encaixe mal na lógica dos eSports, criou-se uma, embrionária, que representa alguns países e já mostrou interesse no reconhecimento olímpico.

O que é esporte?

Outro reparo é inclusive anterior: podem os eSports serem considerados esporte? O xadrez passou por esse escrutínio há quase vinte anos, como recorda o jornalista Leontxo García: “Samaranch [então presidente do COI] ligou para Lausanne quando a Federação Internacional de Xadrez pediu seu ingresso no COI. Disse-me que tinha perguntado ao arquivo qual definição de esporte eles guardavam. Mas não tinham nenhuma”. Naquele dia Samaranch tinha sobre sua mesa um relatório da Universidade da Leuven (Bélgica) com exames médicos apontando o desgaste físico no xadrez. “Em uma pessoa normal, o cérebro consome 20% da energia. Em um profissional, mais”, diz García. Em sua assembleia seguinte, o COI acolheu por unanimidade o xadrez como esporte não olímpico.

Jake oferece outra comparação: “O arco e flecha está nos Jogos, e não vejo uma diferença física radical entre as habilidades do tiro e as implicadas nos eSports. Eu adoraria ver a competição a que dediquei minha vida sendo reconhecida nos Jogos”. Por enquanto estarão, com medalhas, nos Jogos Asiáticos de 2022 em Hangzhou (China).

Paris cogita organizar um evento de eSports na cidade na mesma época dos Jogos Olímpicos de 2024

O COI assumiu em outubro de 2017 que os videogames “poderiam ser considerados uma atividade esportiva”. Seu diretor de Esportes, Kit McConnell, já não vê a fronteira com tanta clareza: “Muitos esportistas estão também nos eSports. Não os vemos como mundos separados. No nível de elite, reconhecemos que as características dos jogadores de eSports refletem características dos esportistas olímpicos: concentração, reação, espírito de equipe”, diz. Sua preparação também é parecida: os profissionais treinam oito horas por dia e contam com preparadores físicos, nutricionistas, fisioterapeutas.

Entretanto, sua chegada aos Jogos não será tão rápida como imaginada por Paris-2024. “Não estamos criando uma rota para incluir os eSports no programa olímpico”, alerta McConnell. “No final de ano será criado um grupo de trabalho para vermos como podemos colaborar.”

A candidatura de Paris já assumiu que não há tempo para cobrir o trajeto burocrático que levaria os eSports ao seu programa, mas não descarta uma função para eles. “Temos a mente aberta. Podemos imaginar os eSports em uma fan zone, como exibição, em uma competição que Paris organize paralelamente aos Jogos. Ou antes, ou depois. Mas vemos claramente que eles têm chance para os Jogos de 2028”, diz um porta-voz oficial parisiense.

"Os eSports estarão bem com ou sem os Jogos", diz um jogador

Na comunidade dos videogames também há quem desconfie da aproximação olímpica. Como Ian Smith, comissário de integridade do ESIC, um organismo anticorrupção aceito por todo o setor. “Os eSports não precisam dos Jogos, cujas audiências envelhecem, justamente o contrário da dos eSports. Em 2028, a audiência dos eSports vai estar quilômetros à frente na métrica mais importante: homem jovem com tempo”, diz.

Jake concorda: “Os eSports estarão bem com ou sem os Jogos Olímpicos. Mas a experiência do COI com os esportes de ação [BMX, skate] provavelmente lhes diz que eles não desejam que esses esportes os ignorem e se instalem em seu próprio espaço competitivo”, diz.

Em vários momentos da conversa de julho no museu do COI, Jake, confraternizador, pôs o foco na paixão competitiva, em como isso ligava ambos os mundos, e recordou a conexão que tinha sentido com jogadores de lugares longínquos contra os quais competia. Bach sorria contente e, com tom ambíguo, repetia: “Bem-vindo ao mundo olímpico”.

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