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A trajetória do chefe miliciano que recebia parte da “rachadinha” de Flavio Bolsonaro, segundo o MP

Adriano Nóbega, ex-caveira do Bope, trabalhou com segurança para bicheiros e tinha parentes empregadas no gabinete do filho do presidente na Assembleia do Rio

Gil Alessi
O ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega.

A trilha de dinheiro seguida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro na investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) chega às mãos de um caveira —apelido dado aos agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio (Bope). Trata-se do ex-capitão da Polícia Militar fluminense Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como líder de uma milícia e do grupo criminoso conhecido como Escritório do Crime. Ele está foragido desde janeiro.

Os laços que unem Nóbrega ao primogênito do clã Bolsonaro são familiares e financeiros. A ex-mulher e a mãe do ex-Bope trabalhavam no gabinete de Flávio, então deputado estadual. Existe a suspeita de que ambas eram funcionárias fantasma. Além disso, os promotores acreditam que o miliciano se beneficiava diretamente do esquema de rachadinha (o confisco de parte dos salários de funcionários) que supostamente ocorria no escritório de Flávio (algo que o senador sempre negou). Em mensagem de WhatsApp trocada com a ex-compaheira o miliciano diz que “contava” com o dinheiro que ela repassava a Fabrício Queiroz, então assessor do parlamentar e suposto operador do esquema.

A admiração do filho do presidente pelo ex-caveira é antiga. Em 2005, quando Nóbrega cumpria pena de prisão pelo assassinato de um guardador de carros que denunciou a prática de extorsão por parte de PMs, ele recebeu do deputado a Medalha Tiradentes, uma das maiores honrarias concedidas pela Assembleia Legislativa do Rio. Posteriormente o PM foi inocentado em segunda instância e colocado em liberdade.

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A carreira de Nóbrega na polícia, onde ele entrou em 1996, parecia destinada ao sucesso. De porte atlético, destacou-se no manuseio de armas de fogo e fez diversos cursos de aperfeiçoamento, dentre eles o de atirador especialista do Grupo de Ações Táticas Especiais da Polícia Militar de São Paulo. Era considerado “um bom matador”, como disse um delegado de Polícia Civil ao UOL. Foram estas mesmas habilidades úteis ao agente de Segurança Pública que despertaram o interesse do contraventor Waldomiro Paes Garcia, conhecido como Maninho. À época ele era patrono da escola de samba Salgueiro e um dos mais temidos bicheiros do Rio, responsável também pelo milionário negócio das máquinas de caça-níqueis em Copacabana.

Inicialmente Nóbrega trabalhou como segurança para parentes do contraventor. Foi durante esta época, transitando entre o ofício de policial e o de leão de chácara que o caveira conheceu o policial Fabrício Queiroz (que depois viria a ser assessor de Flávio Bolsonaro). Os dois estavam lotados no 18º Batalhão de Polícia, em Jacarepaguá, e ambos são investigados até hoje pela morte de Anderson Rosa de Souza em maio de 2003, na Cidade de Deus, segundo revelou a revista Veja. A suspeita é de que o caso tenha relação com a recusa em pagar propina para a realização de um baile na comunidade. A relação de amizade entre Nóbrega e Queiroz sobreviveu ao tempo. Coube ao assessor de Flávio contratar a ex-mulher e a mãe do miliciano para trabalhar no gabinete do deputado.

Tudo ia bem para o Capitão Adriano, como era conhecido, até que a disputa pelos territórios do jogo do bicho mudou a configuração do xadrez do crime no Rio. Em 2004 Maninho, seu patrão informal, é metralhado quando saía de uma academia em Jacarepaguá, zona Oeste do Rio. Os anos que se seguem são de guerra no interior do clã Garcia, com o início de uma disputa fratricida pelos bens e esquemas milionários do bicheiro. O ex-caveira não ficou de fora da batalha pelo poder, e a ele são atribuídos vários homicídios ocorridos no período. Em 2014 ele é expulso da corporação por seus “trabalhos informais” para contraventores.

Fora da PM, Nóbrega mergulhou de cabeça no mundo do crime. A carreira de matador de aluguel para bicheiros parecia ter chegado ao fim, mas uma nova empreitada nascia. De acordo com o MP-RJ, ele passou a organizar e chefiar um dos principais grupos milicianos do Rio e o Escritório do Crime, com presença em diversos bairros da zona oeste da cidade.

Além de praticar extorsão, venda de gatonet e botijões de gás aos moradores, sua milícia também é suspeita de oferecer o serviço de pistolagem: a Polícia Civil apura se o sargento aposentado Ronnie Lessa, principal acusado da morte da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, em 2018, tinha ligações com o grupo. As investigações apontam que os tentáculos da milícia de Nóbrega são muitos. Eles se estendem até para o setor imobiliário —os edifícios que desabaram na zona oeste do Rio em maio deste ano teriam sido construídos pelo grupo criminoso. De Jacarepaguá, passando pelos escombros de Muzema até a Assembleia Legislativa do Rio, a caveira está de volta para assombrar o clã Bolsonaro.

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