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“Acho quase impossível encontrar alguém com vida”

Com a região ainda em estado de alerta, equipes de resgate buscam sobreviventes do tsunami que deixou quase 500 mortos no sábado na Indonésia

Uma mulher chora em meio à destruição de seus pertences nesta segunda-feira em Carita
Uma mulher chora em meio à destruição de seus pertences nesta segunda-feira em CaritaU. IFANSASTI (GETTY)

Alhamdulillah Kikri faz parte do grupo de voluntários que se trasladou de Jacarta, a capital da Indonésia, para o distrito costeiro de Carita, a cerca de quatro horas de carro, para ajudar nas tarefas de busca e salvamento de sobreviventes do tsunami provocado no último sábado, 22, pela erupção do vulcão Anak Krakatoa.

Segundo o último relatório oficial divulgado nesta terça-feira, há 154 pessoas desaparecidas. Nos últimos dois dias, no entanto, Kikri só recuperou cadáveres: "Acho quase impossível encontrar alguém vivo, mas não podemos desistir", lamenta. Pelo menos 429 pessoas foram mortas pela onda gigante, que deixou outras 1.459 feridas. "O número de vítimas e danos continuará aumentando", alertou na segunda-feira o porta-voz da Agência Nacional de Gerenciamento de Desastres, Sutopo Purwo Nugroho, ao atualizar os dados, repetidos nesta terça-feira.

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A região permanece em alerta enquanto prosseguem as buscas por sobreviventes. Os serviços de resgate vasculharam vários quilômetros de praia em Carita, na costa oeste da ilha de Java. A área, anteriormente idílica, como se vê nas fotos que decoram alguns dos estabelecimentos que permanecem abertos, agora está coberta de detritos arrastados pela água.

O grupo de voluntários é acompanhado por dois cães que detectam a presença de corpos sem vida entre as ruínas. Quando isso acontece, os homens começam a remover os escombros com as próprias mãos. Outras brigadas de socorristas têm escavadeiras e máquinas pesadas para limpar a área. A prioridade é desobstruir as estradas para permitir o acesso à cidade de Sumur, onde a ajuda ainda não chegou.

As equipes passam quatro ou cinco vezes por dia no mesmo lugar. Primeiro, para se certificar de que os cães não deixaram ninguém para trás. Segundo, porque a maré ainda devolve à costa alguns cadáveres daqueles que foram arrastados para o mar pelo tsunami na noite de sábado. "É muito provável que haja mais amanhã", diz Kikri, 38 anos.

A busca infrutífera é a norma. A exceção são as imagens mostradas por um vídeo postado nas redes sociais em que um grupo de resgate consegue manter viva uma criança de cinco anos de idade. Passou mais de 12 horas presa em um veículo arrastado pelas águas até a praia de Carita.

Os principais danos são visíveis à beira-mar. A grande maioria das habitações localizadas do outro lado da pequena estrada que margeia a costa aguentou relativamente bem o choque, embora algumas sejam feitas com materiais precários. Quase todos os grandes edifícios ficaram de pé, apesar de terem sofrido alguns danos, mesmo aqueles que estavam a poucos metros de distância da água. As casas baixas, porém, são agora um amontoado de escombros de madeira e ferros.

O fornecimento de eletricidade é estável, a maioria das lojas está aberta e o tráfego de veículos em ambas as direções é contínuo. Não houve escassez de alimentos ou bebida nem episódios de saques. Mas a porta-voz da Cruz Vermelha indonésia, Aulia Arriani, disse nesta segunda-feira à agência Efe que, embora a ajuda humanitária já esteja sendo distribuída na região, ainda são necessárias provisões de alimentos, água potável, medicamentos e outros itens de emergência.

Kikri e os outros socorristas estão hospedados em um abrigo improvisado com alguns dos desalojados, em uma parte alta. Em geral são tendas instaladas provisoriamente onde dormem a céu aberto e só se protegem das tempestades recorrentes que caem na área.

O tsunami forçou a remoção de 12.000 habitantes para áreas altas das ilhas, embora em seu último boletim na segunda-feira a Agência tenha reduzido o número de deslocados para 5.665. As autoridades ainda não permitem que os moradores retornem à praia, por haver a possibilidade de nova erupção do Anak Krakatoa que desencadearia outro tsunami. Este alerta permanecerá ativo até quarta-feira.

O vulcão entrou em erupção quase diariamente nos últimos três meses. A última vez foi no domingo, quando expeliu uma enorme e densa fumaça branca e uma avalanche de rochas e cinzas negras que caiam na água, como se vê em um vídeo divulgado segunda-feira no Twitter pelo porta-voz da Agência Nacional de Gestão de Desastres. Apesar das imagens espetaculares, Purwo Nugroho disse que houve explosões ainda mais virulentas no último trimestre e o nível de alerta se mantém inalterado, ou seja, há risco de perigo a um raio de menos de dois quilômetros do cume da cratera.

Imagem da erupção do Anak Krakatoa
Imagem da erupção do Anak KrakatoaSOCIAL MEDIA (REUTERS)

Carita, um popular destino turístico que o tsunami transformou em um cenário de telhados quebrados e árvores arrancadas, está localizada na área mais afetada: o distrito costeiro de Pandeglang --na ilha de Java­-­-, província de Banten. O presidente Joko Widodo voou de helicóptero nesta segunda-feira para lá, onde 267 pessoas morreram e 38 continuam desaparecidas. "Visitei Banten para ver com meus próprios olhos as devastações do tsunami no sábado passado no estreito de Sonda. Peço a todo o país que reze para que Ele nos proporcione salvação, paciência e força. Amém", disse Widodo em sua conta no Twitter. A onda, originada no estreito de Sonda, entre as ilhas de Sumatra e Java, danificou 611 casas, 69 hotéis, 60 lojas e 420 navios.

Sem sistema de alerta

O porta-voz Purwo Nugroho explicou na segunda-feira em uma coletiva de imprensa as razões pelas quais a população não foi alertada sobre a chegada do tsunami. A Indonésia, disse ele, "tem um sistema de alerta antecipado baseado em terremotos". Por outro lado, falta uma ferramenta equivalente ativada por "lâminas de água submarina e erupções vulcânicas", como foi o caso no sábado. A isso se acrescenta que as boias colocadas para detectar um aumento repentino nas ondas não funcionam desde 2012 "por causa de vandalismo, problemas técnicos e falta de orçamento", reconheceu.

A erupção do Anak Krakatoa –que surgiu menos de um século atrás, anos depois da grande explosão do Krakatoa original em 1883-- "produziu um deslizamento de terra debaixo d'água", concluiu nesta segunda-feira a Agência de Meteorologia, Climatologia e Geofísica. "Analisamos isso e a magnitude do terremoto foi de 3,4", disse a dirigente do órgão, Dwikorita Karnawati, em uma coletiva de imprensa.

O Anak Krakatoa, que em indonésio significa o "filho de Krakatoa", tem cerca de 300 metros de altura, uma cratera lateral e se assenta sobre uma ilha cônica. A Indonésia faz parte do Cinturão de Fogo do Pacífico, a área que concentra mais de 75% dos vulcões do mundo e onde ocorrem 80% dos terremotos mais importantes.

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