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Críticas obrigam Anistia Internacional a retirar esta foto de capa

A filial holandesa da ONG queria chamar a atenção para a situação dos refugiados com outra estética em sua revista digital, mas teve de se desculpar diante das críticas recebidas

Isabel Ferrer
Capa da revista ‘Glamoria’.
Capa da revista ‘Glamoria’.

A filial holandesa da Anistia Internacional (AI) enfrenta uma crise inesperada: a rejeição causada pela capa de sua revista digital, Glamoria, dedicada aos refugiados, a obrigou a fazer um pedido oficial de desculpas. Glamoria combina o termo glamour com Moria, o acampamento de refugiados aberto em Lesbos, e a organização humanitária tentava chamar a atenção do leitor para um drama que parece perder fôlego.

O problema é que ela usou o estilo das revistas de moda: a modelo escolhida, a atriz holandesa Jouman Fattal, está usando uma roupa tipo biquíni feita de dois coletes salva-vidas de cor laranja. Pouco importa que ela mesma tenha fugido da Síria quando criança até desembarcar na Holanda. O suposto sexismo da composição – ou a aparente frivolidade da composição – forçou a ONG a mudar às pressas a imagem de capa.

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"É o oposto do que pretendíamos. Nós não queríamos ofender ninguém. Trabalhamos com refugiados há anos e esperávamos alcançar outro público. A foto é irônica porque Fattal sofreu na pele esse destino e agora é uma atriz conhecida na Holanda. Trata-se de um número monográfico e a pose é de revista de moda, mas ela está jogada sobre os salva-vidas usados por aqueles que atravessam o Mediterrâneo para a vida ou a morte. Achávamos que algo assim seria melhor do que incluir uma foto de um dos acampamentos, que se tornaram quase um estereótipo aos olhos do leitor, que até as evita", diz Yara Boff Tonella, porta-voz da AI em Amesterdã.

O fato de uma capa exigir explicações contribuiu para a onda de críticas nas redes sociais, e entre os primeiros a se pronunciar estava Jenan Moussa, uma repórter libanesa especialista no mundo árabe. Em sua conta no Twitter ela lembrou à Anistia o seguinte: "Que mau gosto, colocar uma modelo seminua para alcançar um público mais amplo. Os coletes salva-vidas não estão na moda nem são sexy, e para os refugiados, que podem afogar-se, são vitais. Com milhares de mortes no Mediterrâneo, é uma falta de respeito sexualizar sua tragédia".

A Anistia Internacional trabalhou na segunda-feira na mudança de capa. "Haverá outra foto, mas acreditamos que também com Jouman Fattal; ela representa melhor que ninguém o drama que destacamos", continua seu porta-voz. Jenan Moussa incluiu em sua conta no Twitter a opinião de um refugiado que se lembrou do perigo de sua odisseia: "Cheguei à Grécia no ano passado com um desses coletes. Fui com minha mulher e outras 57 pessoas de várias nacionalidades. E a maioria dos salva-vidas é de baixa qualidade. Não acho que serviriam para alguma coisa em caso de naufrágio. E havia crianças, mulheres e homens no barco”.

Segundo dados da própria AI, quase três milhões de pessoas fugiram de casa em 2017, principalmente da Síria, Afeganistão e Sudão do Sul. E 655.500 rohingyas fugiram de Myanmar para Bangladesh. "Muitos países ricos têm políticas restritivas que freiam os pedidos de asilo, enquanto indicam aos vizinhos que devem proteger os que fogem. Com isso, forçam homens, mulheres e crianças a arriscarem suas vidas em viagens perigosas por terra e mar ", diz a ONG. "É uma questão muito difícil que merece toda a atenção, é por isso que mudamos a capa imediatamente. Para não desviar ", admite Yara Boff Tonella.

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